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18. Política de proteção (III)

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24.02.2025 | 7 minutos de leitura
Frei João F. Júnior - OFMCap
Evangelho do Cuidado
18. Política de proteção (III)
“Em verdade, eu vos digo: cada vez que fizestes isso 
a um dos menores dos meus irmãos, 
foi a mim que o fizestes”
(Mt 25,40)

Nas semanas anteriores, tentamos compreender um pouco melhor o que seria uma Política de Proteção. E terminamos com a pergunta: haveria um “roteiro” que auxiliasse na construção dessas Políticas? 

“Roteiro” não é bem a palavra, já que a natureza de cada instituição exigirá certas especificidades em sua Política. Tampouco existe uma única ordem necessária para os elementos constitutivos de uma Política. Mas é possível expor alguns desses elementos constitutivos, delimitando o que se pretende com cada um deles na construção de uma boa Política de Proteção. 

Como veremos, a Política não é um documento excessivamente longo. Interessa muito mais sua objetividade formal e sua assertividade propositiva. 

Elementos constitutivos de uma Política de Proteção

1. Introdução

Como acontece em todo processo de elaboração, a Introdução é o último texto a ser escrito, uma vez que deve expor o caminho metodológico percorrido e apresentar sucintamente ao leitor cada uma das partes do texto. No caso da Política, a Introdução também pode apresentar a instituição à qual a Política se refere: algo de sua história, sua tomada de consciência para o tema dos abusos e da prevenção, a relação desse processo com o caminho feito pela Igreja e suas tantas instituições. Cada vez que for revista e republicada, essa informação também pode ser acrescentada à Introdução.

2. Abrangência ou Jurisdição

É essencial que a Política delimite sua abrangência, ou seja, a qual ou a quais instituições ela se refere e com que limites de atuação. Em geral, as entidades eclesiais possuem três níveis de relações, às quais a Política de Proteção deve se atentar: 

- a relação entre os membros “institucionalizados”: refere-se à relação entre os membros que constituem o corpo institucional, tal como o clero, os/as religiosos/as, os seminaristas etc.

- a relação entre os “institucionalizados” e seu entorno imediato: refere-se à relação com aqueles que compõem o cotidiano funcional das entidades, tais como funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, parceiros institucionais, financiadores etc. 

- a relação com a comunidade e a sociedade: refere-se às pessoas alcançadas pela atuação da entidade, no exercício de sua missão ou apostolado, tal como a comunidade de fé, os estudantes dos colégios confessionais, os atendidos pelas unidades de ação social etc. 

Um detalhe interessante sobre a abrangência é que as instituições que possuem diversas unidades ou frentes de trabalho não precisam constituir Políticas variadas, específicas para uma dessas unidades ou frentes. Dialogando com seus valores institucionais, a Política pode ser uma só, deixando às unidades ou frentes de trabalho apenas a construção de protocolos específicos e planos de trabalho individuais, mas sempre referindo-se à Política de Proteção da instituição. 

É o que acontece com a Conferência dos/as Religiosos/as do Brasil (CRB), por exemplo. Além da sede nacional (CRB Nacional), a Conferência possui 20 sedes regionais, cada qual com seu território e suas atividades. Como membro de uma única instituição, não seria razoável que cada Regional tivesse sua própria Política, com compromissos institucionais, valores e objetivos diferentes dos demais ou da sede Nacional. O mais correto é que uma única Política de Proteção elaborada pela CRB seja assumida em cada Regional, com suas especificidades de território, de cultura de atividades – especificidade expressa em alguns protocolos de conduta específicos e no plano de trabalho de cada Regional. 

O mesmo poderia ocorrer com uma congregação que, além das comunidades onde vivem os/as religiosos/as, também possua escolas ou unidades de ação social. O compromisso dessa instituição com a proteção e a prevenção é o mesmo, ainda que se expresse de maneias específicas em cada uma dessas suas unidades. Nesse caso, pode-se constituir uma única Política de Proteção, a partir da qual cada unidade possa elaborar seus protocolos específicos e seus planos de trabalho. 

3. Princípios ou marco teórico

Toda Política se constrói sob um marco teórico, ou a partir de certos princípios que lhe são anteriores. No caso das instituições eclesiais, há alguns horizontes ou princípios que devem ser considerados: 

- Marco eclesial: temos insistido no quanto uma resposta institucional coerente ao tema dos abusos é, no fundo, uma resposta evangélica, ou seja, uma opção que remonta a fidelidade ao Evangelho de Jesus, com suas consequências em cada realidade histórica. Assim, uma Política Eclesial de Proteção não é apenas uma resposta organizacional para a defesa de certos direitos, mas a expressão de um compromisso fundacional – da identidade, da vocação e da missão – das entidades eclesiais. Por isso, o primeiro marco teórico de uma Política de Proteção é eclesial: as Sagradas Escrituras, a Doutrina e o Magistério eclesial, além das prescrições do Direito Canônico.

- Marco carismático: além disso, as congregações de vida religiosa consagrada e os institutos de vida apostólica possuem o horizonte de seu carisma fundacional. Também essa fonte deve ser visitada na elaboração da Política de Proteção, pois cada carisma poderá acrescentar elementos específicos no modo como a proteção e a prevenção ganham forma no interior das instituições. Os elementos desse marco carismático podem nascer dos textos fundacionais, da regra e das opções que historicamente foram feitas pela congregação, além das prescrições do Direito Próprio (constituições ou outros textos regulatórios). 

- Marco civil: as instituições eclesiais não são ilhas separadas da sociedade civil – ainda que tenham se compreendido assim por muito tempo. De modo que não estão desobrigadas do cumprimento da legislação civil no que se refere à defesa da infância ou das diversas formas de vulnerabilidade. Assim, todo o arcabouço da legislação brasileira tangente ao tema deve ser considerado como referência jurídica: o Estatuto da Criança e do Adolescente (e tudo o que lhe é adjacente, como a Lei da Escuta Protegida e tantas outras), o Estatuto da Pessoa Idosa, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Consolidação das Leis do Trabalho e tantos outros.

4. Vocabulário ou Glossário

É muito importante que a Política de Proteção traga um vocabulário ou glossário de seus conceitos mais importantes. Primeiro, porque o tema está ainda em pleno desenvolvimento e nem sempre se utilizam as mesmas palavras com o mesmo significado. Segundo, porque nem todos os leitores terão, de antemão, suficiente iniciação no tema para compreender os conceitos em seu sentido técnico, para além dos preconceitos e lugares-comuns que o assunto abarca e transcende. Um bom glossário pode ser um precioso instrumento formativo – tal como temos feito com o Glossário do Marco Universal das Linhas-Guia da Pontifícia Comissão pro Tutela Minorum 1

Na próxima semana, veremos mais alguns elementos constitutivos da Política de Proteção, inclusive seu organismo de operação: o Serviço Eclesial de Proteção. 

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1Disponível em: https://www.tutelaminorum.org/universal-guidelines-framework. A versão não oficial em espanhol pode ser solicitada pelo joao.ferreira@clar.org.br. 
 


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Ao longo da tratativa deste tema, pode ser que alguém sinta necessidade de falar, seja para contar experiências ou para tirar dúvidas. Se isso acontecer, você pode procurar a Comissão de Cuidado e Proteção ou o Serviço de Escuta da sua diocese, das congregações religiosas ou de outros organismos eclesiais. Ou pode escrever para joao.ferreira@clar.org para se informar melhor. 
Um abraço e até a próxima semana!

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