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19. Política de proteção (IV)

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10.03.2025 | 10 minutos de leitura
Frei João F. Júnior - OFMCap
Evangelho do Cuidado
19. Política de proteção (IV)
“Em verdade, eu vos digo: cada vez que fizestes isso 
a um dos menores dos meus irmãos, 
foi a mim que o fizestes
(Mt 25,40)

Prosseguimos tratando o tema das Políticas de Proteção. Após caracterizá-la em sua natureza e seus objetivos (texto 17), expusemos alguns de seus elementos constitutivos (texto 18):

1. Introdução;
2. Abrangência ou Jurisdição;
3. Princípios ou marco teórico;
4. Vocabulário ou Glossário.

Continuando esse mesmo caminho, passamos agora aos elementos seguintes: 

5. Protocolos de prevenção

Há muitos nomes para essa seção: protocolos, manuais de conduta, normas e procedimentos etc. Interessa que seja claro seu caráter objetivo e operacional. Refere-se à parte prática da Política, a seu caráter propriamente normativo sobre comportamentos e procedimentos que, no âmbito da instituição eclesial, são obrigatórios, aconselháveis, restringidos ou proibidos, em vista da manutenção de ambientes seguros. 

Tratando-se de textos normativos, é normal que cada “ambiente” da instituição eclesial tenha seu próprio protocolo. Por exemplo: na animação vocacional, estabelecem-se relações muito próprias entre os/as candidatos/as à vida consagrada ou ao seminário e as pessoas responsáveis por sua orientação (sejam religiosos/as, clérigos ou profissionais de diversas áreas). Portanto, é normal que esse ambiente exija um tipo de protocolo específico em que se estabeleçam as condições dessas relações. Esse protocolo versará sobre temas como proteção de dados, canais oficiais de atendimento, horários e procedimentos de atendimento, condições para acolhida de candidatos menores de 18 anos, uso de redes sociais para o acompanhamento vocacional etc. Os ambientes da formação inicial, porém, tanto nos seminários quanto na vida religiosa, insere um dado novo: o formando agora vive numa casa de formação, totalmente circunscrito na instituição. É natural, portanto, que essa nova condição insira elementos novos, que serão tematizados pelos protocolos da formação inicial. Que serão diferentes, por sua vez, dos protocolos institucionais para os ambientes de formação permanente, em que todos os membros são “pares”, seja pela profissão perpétua dos votos, seja pela ordenação presbiteral.

O mesmo acontece com ambientes pastorais, por exemplo. Numa paróquia, a catequese e outros grupos que trabalham especificamente com crianças e adolescentes exigirão um tipo de protocolo bastante específico. Dentre outras coisas, aparecerão nele temas como as condições para atendimento pessoal das crianças e adolescentes, cuidados para realização de retiros ou outros encontros fora do ambiente paroquial, orientações sobre a relação entre catequistas e catequisandos em canais virtuais e tantos outros. Outros ambientes pastorais, em que se tratam temas de natureza administrativa e prestação de contas, como os conselhos pastorais, conselhos econômicos e outros, exigirão outro tipo de protocolos, cada qual com sua singularidade. Pastorais de caráter social e beneficente, que atentem cotidianamente pessoas em situação de vulnerabilidade social, também precisarão construir seus próprios protocolos, considerando as singularidades de sua atuação. 

O mesmo se poderia dizer das congregações ou dioceses que mantêm escolas, ambientes laborais, unidades de ação social e outras iniciativas. Sob as orientações fundamentais da mesma Política de Proteção da entidade, será preciso construir os protocolos de cada ambiente, contemplando as especificidades de suas atividades. 

O mais importante, em tudo isso, são duas coisas. A primeira é que os protocolos não são absolutamente autônomos em suas proposições ou restrições, mas derivam dos fundamentos e dos valores estabelecidos pela Política de Proteção da entidade. Um mesmo princípio ou valor institucional poderá se expressar de forma singular em cada protocolo. Por exemplo, valores como o binômio “liberdade-responsabilidade” ou a “primazia da transparência” terão expressões diversas em cada etapa da formação inicial, assim como serão distintamente expressados nas relações administrativas e de governo, ou ainda serão concretizados de modo próprio nas unidades de educação ou de ação social da entidade. Mas, mesmo expressos em comportamentos ou procedimentos diversos em cada protocolo, são os mesmos princípios ou valores enumerados na Política como compromissos da instituição em nome do cuidado e da proteção. Não deve haver princípios na Política que não se concretizem nos protocolos, assim como não deve haver normas nos protocolos que não exprimam os princípios da Política. 

A segunda é que os protocolos de cada ambiente da entidade não se constroem sem ouvir os atores institucionais desses ambientes. A construção de um bom protocolo exige um “mapeamento de riscos” e possíveis mitigações desses riscos, em que os atores institucionais participam ativamente, sugerindo e avaliando as proposições e restrições do protocolo. Somente se feitos a muitas mãos, os protocolos serão assumidos e terão aderência à vida da instituição.

Vale lembrar o valor preventivo da formação e da própria cultura institucional da entidade eclesial, quando marcadas pelo cuidado e a proteção, para consolidação de uma Política de Proteção. Nenhuma Política (e, por consequência, nenhum protocolo) está implementada se os membros da instituição não estiverem formados para assumi-la. Mais do que intervenções pontuais, de caráter informativo, é importante que haja expedientes continuados de formação sobre o tema, em que se operem as mudanças culturais necessárias, pretendidas pela assimilação de uma Política de Proteção. Ambientes explicitamente formativos, como a formação religiosa inicial e permanente, seminários, catequese, escolas e universidades confessionais etc. merecem um programa formativo específico sobre o tema dos abusos e da prevenção, de acordo com a especificidade de cada um desses ambientes.

6. Serviço de Proteção

Em muitas instituições, popularizou-se o nome de “Comissões de Proteção” ou “Comitês de Proteção” para esse organismo. São nomes problemáticos, porque enfocam um papel específico desses Serviços – o papel de recepção de notificações dos abusos – e se esquecem de sua função primeira: a operação da Política de Proteção, inclusive em seu caráter preventivo.

Note-se, portanto, que a operação da Política de Proteção não é atribuição da autoridade competente (Superior Provincial, Bispo Diocesano, reitores/as, diretores/as, formadores/as ou outras pessoas que tenham poder de jurisdição sobre os membros das instituições), mas de um grupo especialmente constituído para isso. Embora nomeado pela autoridade competente, o Serviço de Proteção precisa gozar de suficiente liberdade institucional para o exercício de suas funções.

Previsto por Vos Estis Lux Mundi (VELM, Art. 2º) o Serviço de Proteção é, pois, o responsável por operar a Política de Proteção, tanto em sua implementação quanto em seu monitoramento, zelando pela fidelidade institucional aos princípios estabelecidos na Política e pela observância dos protocolos de cada ambiente da entidade. Também é sua atribuição, em diálogo com os demais atores da instituição, propor as iniciativas de formação, bem como assessorar as autoridades competentes em temas de cuidado e proteção.

E, conforme prevê VELM, é função do Serviço de Proteção receber as notificações de possíveis transgressões da Política de Proteção, ou seja, de possíveis abusos cometidos. No Serviço, a pessoa notificante (seja ela a própria vítima ou não) recebe o primeiro atendimento, com escuta ativa e empática, bem como os primeiros acompanhamentos que sejam necessários, conforme previsto por VELM (Art. 5º) e de acordo com a especificidade do caso concreto: atendimento psicológico, acompanhamento espiritual, assessoria jurídica etc. E se do atendimento realizado resulta uma notificação formal (o que nem sempre ocorre, como mais adiante veremos), é tarefa do Serviço de Proteção apresentá-la à autoridade competente e acompanhar seus desdobramentos, prestando as informações do andamento processual ao notificante. 

Considerando essas atribuições do Serviço de Proteção, sua composição pode variar em número de pessoas e suas formações profissionais. Tudo depende do âmbito de abrangência da Política e, por consequência, da demanda esperada para o Serviço de Proteção. É muito bom que os Serviços tenham membros da instituição eclesial (religiosos/as, clérigos...), pois muitos notificantes desejam ser ouvidos especificamente por essas pessoas. Mas é igualmente salutar que haja profissionais “de fora” da instituição, como psicólogos, pedagogos ou advogados, tanto para escuta de notificantes que não desejam ser atendidos por religiosos/as ou clérigos, quanto para a devida assistência profissional conforme a exigência de cada caso. Além disso, ter pessoas “de dentro” e “de fora” da instituição favorece a cultura da prestação de contas e da transparência institucional, dentro do próprio Serviço de Proteção. 

Mais adiante, trataremos especificamente a composição e os procedimentos do Serviço de Proteção. Por ora, basta lembrar que essa composição e esses procedimentos podem estar já previstos na Política de Proteção ou reunidos num “Regimento” próprio do Serviço, anexo à Política, que descreva exaustivamente seu modo de trabalho.

7. Protocolo de intervenção

Somente depois de explicitar os princípios e os compromissos institucionais pelo cuidado e a proteção, bem como depois de propor os protocolos de prevenção e sua operacionalização e depois de colocar à disposição dos diversos membros da instituição o Serviço de Proteção, somente aí é possível estabelecer o protocolo de intervenção, ou seja, a normativa que determina o que fazer quando todas as propostas da prevenção falharam e, infelizmente, o abuso aconteceu. 

Na verdade, o protocolo de intervenção se aciona a partir da notificação entregue pelo Serviço de Proteção à autoridade competente. Cabe à autoridade o juízo de verossimilhança da notificação e o acionamento da intervenção. 

O modo dessa intervenção varia de acordo com a natureza da instituição. Dioceses, congregações e institutos clericais possuem um tipo de procedimentos, previstos pelo Código de Direito Canônico e normativas complementares. Congregações e institutos laicais (tanto masculinos quanto femininos) possuem outros procedimentos igualmente previstos. Associações de fieis e movimentos eclesiais, por sua vez, possuem também seus próprios procedimentos. Importa que a Política de Proteção descreva esses procedimentos, de acordo com a natureza institucional, de modo que cada ator institucional saiba o que fazer e haja condições objetivas de verificar a correta aplicação das medidas de intervenção. 

Além da natureza da instituição, o tipo de delito o “tipo” de vítima ou de agressor também podem imprimir variantes nos processos de intervenção. Razão pela qual uma assessoria jurídica civil e canônica é indispensável para elaboração deste tópico da Política de Proteção.

Aqui também devem estar previstas as medidas que, de acordo com VELM, implicam “cooperação com as autoridades civis”. No Brasil, os direitos da criança e do adolescente exigem a observância de diversos dispositivos legais, que devem também estar previstos na Política. 

8. Planos de trabalho

Por fim, uma boa Política de Proteção traz anexo um plano de trabalho, no qual se descrevem os passos de implementação, os prazos e os responsáveis por cada passo a ser dado. Sua elaboração passa por um correto diagnóstico da instituição, de seus diversos ambientes, de seus desafios e de seus pontos mais críticos. A cada nova revisão da Política, o diagnóstico e os planos de trabalho devem ser atualizados e assumidos como compromisso institucional. 

Concluídos os elementos constitutivos de uma Política de Proteção, na próxima semana falaremos mais detidamente sobre seu organismo operacional: o Serviço de Proteção. 


 

***
Ao longo da tratativa deste tema, pode ser que alguém sinta necessidade de falar, seja para contar experiências ou para tirar dúvidas. Se isso acontecer, você pode procurar a Comissão de Cuidado e Proteção ou o Serviço de Escuta da sua diocese, das congregações religiosas ou de outros organismos eclesiais. Ou pode escrever para joao.ferreira@clar.org para se informar melhor. 
Um abraço e até a próxima semana!

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