68. Vinho novo em odres novos!


“ Ninguém põe vinho novo em odres velhos;
senão, o vinho arrebenta os odres
e perdem-se o vinho e os odres.
Mas vinho novo em odres novos!” (Mc 2,22).
“Somos gente nova vivendo a união
somos povo semente de uma nova nação.
Somos gente nova vivendo o amor,
somos comunidade,
povo do Senhor!”
(Baião das comunidades – Zé Vicente)
Muita gente fica impressionada quando escuta“Ninguém costura remendo de pano novo em roupa velha; senão, o remendo novo puxa o pano velho e o rasgão fica maior ainda. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; senão, o vinho arrebenta os odres e perdem-se o vinho e os odres. Mas vinho novo em odres novos!”(Mc 2,21-22).
Estes dois versículos parecem aqueles velhos conselhos de vó, que surgem nas lições cheias de sabedoria de quem já viveu muito e sabe o que diz, porque o comprovou pela experiência. As palavras que Marcos coloca na boca de Jesus são como um costumeiro adágio, que deve ser repetido e ensinado nas catequeses, nas conversas ao redor da mesa, no aviso fraterno, na pregação; ele serve tanto para as formalidades quanto para o corriqueiro das situações do cotidiano. É palavra tão simples que podia até ser poema, e assim o soa na boca de Jesus, o sábio poeta da vida das gentes. O povo compreende o que ele diz, porque utiliza símbolos comuns a todos, objetos que estavam presente na vida de todo mundo.
Jesus é a boa notícia sempre nova. Para a comunidade do evangelista Marcos, ele é o Messias inesperado, surpresa para o povo, porque não corresponde às expectativas messiânicas do judaísmo e rompe com os velhos esquemas religiosos e sociais que geravam morte quando deveriam fazer viver.
O que émilenar soa como uma sabedoria atual e vicejante. Jesus alerta para o perigo das velhas tradições que são mantidas à custa de muitos remendos. Muitas tradições caducaram no sentido, porém ainda são mantidas e transmitidas de maneira tão veemente que impedem que o novo nasça e aconteça. Alguns costumes já não possuem força para se manter, por isso são remendados para parecerem novos.
A Conferência de Aparecida alertou a Igreja latino-americana do perigo da “pastoral de manutenção”, aquela em que se tenta preencher os “velhos odres” das tradições litúrgicas, devocionais e pastorais, que já não correspondem às necessidades atuais, com a novidade do evangelho, o que, tragicamente, acaba por destruir com toda uma caminhada eclesial, pois a força revolucionária e sempre nova da boa notícia de Jesus não pode ficar limitada aos velhos conceitos, tão puídos e esgarçados. Ela não pode se reduzir às mentalidades ideologizadas pelo ritualismo. Saber discernir e escolher novas formas de refletir o evangelho é pôr em prática o ensino do Mestre.
Infelizmente não faltam, em nossas paróquias, pastorais e movimentos, lideranças, presbíteros e agentes de pastoral que pararam no tempo e se acomodaram ao “sempre se fez assim”. Continuam a remendar o velho manto com retalhos, que não conseguem aderir ao tecido eclesial e logo terminam por rasgá-lo ainda mais. A catequese continua a ensinar a doutrina na forma de perguntas e respostas, porém agora entremeadas por uma música aqui e acolá, simulando uma inovação. A liturgia continua engessada e presa ao missal romano, entretanto com algumas inclusões advindas dos movimentos de massa para atrair mais fiéis. O numerário das vestes suntuosas continua a ornar os presbíteros, que não fazem nenhuma visita aos paroquianos necessitados delas, porém têm programas televisivos, onde rezam o terço e dão conselhos espirituais intimistas etc.
A força que brota de Jesus deve renovar as vidas, a começar por uma conversão pessoal arraigada no seguimento, no colocar-se atrás do Mestre, no sentar-se para escutá-lo, para partilhar a vida com ele e com os demais que, também, estão na “casa” e se dispuseram a pertencer ao seu séquito. Uma conversão pastoral só acontece, quando uma verdadeira conversão pessoal se dá simultaneamente. Não adianta remendar pano velho com remendo novo, assim como não adianta ter uma roupa nova e não saber utilizá-la. Não adianta possuir odre novo e vinho novo se não se sabe como derramá-lo para saciar a sede.
Jesus, o vinho novo, se dá a cada um, mas para que essa experiência seja proveitosa é necessário renovar continuamente os corações e as estruturas, os grupos e as comunidades, as pastorais e os movimentos, no profundo e sempre renovado amor de Deus. Para não continuar a repetir o “sempre se fez assim”, é preciso coragem e audácia advindas da vida verdadeiramente evangélica. Não dá mais para ser farisaicos e legalistas; é extremamente necessário começar a fazer diferente, assim como o fez Jesus. Porque, vinho novo deve estar em odres novos. E roupa nova não precisa de remendos.