33. O Deus guerreiro
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02.12.2021 | 2 minutos de leitura

Casos da vida

Solange Maria do Carmo
Tânia da Silva Mayer
Armando tinha dezoito anos quando se filiou a um grupo de atiradores e colecionadores de armas. Com um revólver na mão, ele se sentia potente e forte, sem medo de nada. “Do jeito que o mundo anda violento”, dizia ele, “era preciso aprender a atirar e a se defender dos bandidos e do comunismo”. Foi assim que se filou a um grupo de católicos extremistas que, em nome de Deus, fazia a defesa da pena de morte, da punição mais severa para bandidos, do armamento da população e da diminuição da maioridade penal.
De vez em quando, como era muito católico, batia uma dúvida se aquilo era certo, mas logo se justificava baseado nos textos do Antigo Testamento que falam de guerras santas e extermínios de inimigos. No Novo testamento, aferrava-se a um texto do Evangelho de Lucas, que, no seu entender, Jesus mandava os discípulos comprar espadas. Para ele, Deus era o senhor dos exércitos, um justiceiro que acerta as contas com os maus. Assim aliviava sua consciência atormentada pela culpa e continuava se achando o mais católico de todos.
Seus amigos de grupo de jovens falavam que Deus é amor, ele não ouvia. O padre ensinava que ele estava interpretando de forma equivocada a bíblia, ele não acolhia o ensinamento. A CNBB advertia quanto ao perigo do armamento da população, ele ignorava e enfrentava a Conferência dos Bispos. Sua velha mãe implorava em nome de Jesus, ele se fazia de surdo. Estava certo de que Deus é um general e que era preciso usar armas de fogo para implantar o governo de Deus contra os bandidos. Seguiu então seu caminho, casado com uma mulher submissa e subserviente que concordou em deixar que seus filhos aprendessem a atirar logo cedo. Na casa tinha armas para todo lado e os três filhos atiravam como o pai. Seus nomes já diziam de sua força: Sansão, Débora e Judite.
Tudo ia aparentemente bem com a família de Armando até o dia em que houve um incidente. Mesmo em plena pandemia, Armando viajara para Brasília para participar de uma manifestação a favor do armamento e pela volta da ditadura militar. Seu filho mais velho apaixonara-se por um rapaz e saía furtivamente à noite, escondido da família para seus encontros clandestinos. Não havia espaço na família para admitir sua orientação sexual. Ser gay era coisa de fracos e o pai criara Sansão para ser um machão. Todos dormiam quando um barulho foi ouvido no quintal. Débora, a filha do meio, treinada para se defender, acordou apavorada com a o alarme da casa tocando. Foi logo pegando a arma pensando que eram assaltantes. Viu um vulto no quintal e disparou em sua direção. Um corpo caiu no gramado do jardim e era o jovem Sansão. Foi a maior comoção. Mãe e filhas choravam desesperadamente sem saber o que fazer. A menina que atirara tinha apenas 15 anos, logo Armando e sua mulher foram responsabilizados pelo incidente. Débora nunca se recuperou do trauma e vivia deprimida pelos cantos com olhar vago e cabeça baixa, numa depressão sem fim. A mulher culpou o marido e pela primeira vez se fez ouvir: pediu o divórcio. A outra filha, Judite, cansada de tudo isso, tornou-se monja budista e escondeu-se num convento onde armas não existem. Armando, tendo acertado as contas com a justiça, terminou seus dias sozinho, cercado de armas e munição.
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