26. O Deus justo da D. Paciência
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04.10.2021 | 3 minutos de leitura

Casos da vida

Solange Maria do Carmo
Tânia da Silva Mayer
Era março de 2020, quando a OMS declarou que uma pandemia se instalava no mundo. Um vírus desconhecido estava infectando milhões de pessoas e a morte campeava sobre o planeta. D. Paciência ficou assustada e logo pensou: “É castigo de Deus. Essa gente sem fé toma o nome de Deus em vão, põe crucifixo e imagem de Nossa Senhora na avenida do samba e acha que Deus vai deixar isso passar sem castigo. Misturaram Deus com mulher pelada e muita orgia, e isso Deus não pode tolerar”. D. Paciência não perdeu tempo. Começou logo a rezar o terço pedindo perdão por seus pecados e pelos pecados do mundo. Ela estava convencida de que a pandemia era castigo de Deus; até o padre que ela segue na TV ajudou a confirmar essa suspeita. Ele disse que Deus, justo e santo, não tolera ser insultado.
No imaginário de D. Paciência, Deus é um justo juiz que tudo vê, tudo sabe e a quem nada escapa. Ela fecha os olhos e vê Deus como um velho barbudo, sentado no seu trono sagrado lá no céu, com o livro da vida nas mãos, anotando cada deslize dos pobres pecadores para, no dia do juízo, julgar cada um segundo suas obras.
No decorrer dos dias, D. Paciência rezava pacientemente como manda seu nome. Intercedia especialmente por seus netos que precisavam sair de casa para trabalhar. Eram ótimos rapazes e moças, criados nos caminhos do Senhor, como ela gostava de dizer. D. Paciência assistia a morte se alastrando e dizia: “Castigo de Deus, minha gente, castigo de Deus, pois esse povo não tem mais temor de Deus. Pra nós não há de chegar porque seguimos os mandamentos da lei de Deus”. Mas, apesar de toda prece, a morte foi se avizinhando de D. Paciência. Primeiro morreu uma comadre. D. Paciência ficou sentida, mas pensou: “Coitada da comadre, mas também ela não era flor que se cheire; foi ao desfile do carnaval ver aquela blasfêmia”. Depois foi a vez do sacristão, que também “não era santo, pois apoiava um filho gay na sua ‘sem-vergonhice’”, pensou ela. Enfim, foi a vez do pároco que quase morreu, mas “se salvou porque é um ungido de Deus”, ela concluiu piedosamente. Foi quando D. Paciência soube que seu neto mais querido, mais gentil e mais educado foi acometido pela doença e, mesmo com todos os cuidados, veio a óbito sozinho no hospital, sem ela poder se despedir dele. D. Paciência se debulhou em lágrimas e ficou deprimida. Não entendia como alguém tão bom quanto seu neto podia ser castigado por Deus. Dessa vez, Deus havia exagerado na vingança e não era possível perdoá-lo. Então, desiludida com Deus, perdeu a paciência e nunca mais rezou. Terminou seus dias amargurada, fechada em si mesma, com raiva de Deus.
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