32. O Deus negociante
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30.11.2021 | 3 minutos de leitura

Casos da vida

Solange Maria do Carmo
Tânia da Silva Mayer
Padre Teófilo, conhecido desde o seminário como amigo de Deus, era pároco de uma pequena cidade. Bem intencionado, mas com fraca formação teológica, estava sempre à beira da crise. Foi numa crise dessas que o presbítero se envolveu com uma jovem e ela engravidou. Quando deu por si, já era tarde para consertar o vacilo. Apavorado, ocultou o fato. Deu um dinheirinho para a moça e ela sumiu com a criança. A vida seguiu seu curso e padre Teófilo, movido por remorsos, enveredou-se por caminhos pastorais bem duvidosos. Assumiu um discurso moralista de defesa da vida e da família, da moral e dos bons costumes, e pregava contra o comunismo como se ele fosse o ninho dos demônios.
Apoiado por alguns padres das mídias, todos aparentemente santos e muito bem-sucedidos, pela primeira vez, padre Teófilo começava a ser ouvido e sua igreja estava ficando cheia. Seus amigos diziam: “Veja, Deus está te abençoando. Lembre-se: Deus premia os bons e castiga os maus. Ele dá sucesso aos fiéis e derruba os infiéis”. E padre Teófilo se convenceu de que Deus é um mercador, um negociante com quem é preciso ter moeda de troca para adquirir seus produtos divinos. Vinha uma mãe solteira batizar um filho, ele dizia; “Não, não pode, não merece a graça de Deus!”. Vinha um casal de nova união participar da comunidade, ele dizia: “Não, não pode, está em pecado”. Vinha uma pessoa com orientação homoafetiva participar do grupo de jovens: “Não, não pode, está na sem-vergonhice”. Vinha uma negra feminista pedir o salão emprestado para as atividades das mulheres da favela: “Não, não pode, feminismo é do capeta”. Padre Teófilo vestiu uma batina, ressuscitou o barrete dos armários da sacristia, e reduziu suas atividades pastorais em cercos de Jericó, missas de cura e libertação, orações de intercessão, exorcismos e bênçãos de objetos.
Até o dia em que, para sua surpresa, foi visitado pela mãe de sua filha. Com doença degenerativa, estava perdendo as funções cognitivas e não tinha quem a ajudasse a criar sua menina. Foi preciso apelar para o pai da criança, no caso o padre. Chegou com sua filha de 6 anos puxada pela mão, pedindo o batismo e também o socorro do presbítero. Padre Teófilo ficou sem chão. “O que fazer, meu Deus?”, pensava ele. Tentou mandá-la de volta para sua casa antes que o caso viesse a público, mas ela não tinha mais os pais vivos e não tinha com quem deixar a criança. Padre Teófilo rezou pedindo um milagre, uma cura para a mãe de sua filha, de forma que ela pudesse voltar a trabalhar e criar a criança sem colocar seu ministério de presbítero em crise. Jejuou, orou, fez penitência, ordenou em nome de Jesus que a mulher ficasse curada e nada. Vendo que não tinha mais jeito, procurou o bispo e confessou seus deslizes de anos atrás. O bispo ficou enfurecido e não queria conversa, mas, aconselhado por outro bispo, entendeu que todo mundo merece uma nova chance.
Vendo a situação da mãe e da criança, o bispo aceitou manter o padre no ministério com a condição que ele reparasse seus erros. Deveria cuidar da mãe doente e assumir sua filha, pois “filho a gente não abandona na sarjeta”, disse ele. A mãe da menina morreu cedo acometida pela doença. Padre Teófilo nunca mais teve tempo para missas longas nem para grandes discursos sobre a moral católica. Bateu no peito e reconheceu suas próprias fragilidades, fazendo uma revisão de vida, em vez de apontar o dedo para os outros. Cuidou com carinho da criança e se comportou como um perfeito pai solo. Batizou sua Madalena e se tronou um pai coruja. Os paroquianos acharam estranho no começo, mas não faltou quem o admirasse por sua coragem e o ajudasse a criar a menina.
Agora, já velho, em plena pandemia da covida-19, padre Teófilo tem a moça como sua maior alegria. Trancado na casa paroquial sem poder nem mesmo celebrar missa presencial, teria morrido de solidão não fosse a filha com os netinhos gêmeos, que moravam com ele enquanto o marido dela trabalha em outra cidade. Quem diria que Deus o cumularia com tantas bênçãos? Ele não merecia perdão, pois era um pecador. Mas “Deus é mesmo assim, fiel bom e justo com todos até com os pecadores. Não somos merecedores de seu amor, mas ele nos ama mesmo assim”, dizia padre Teófilo nas redes sociais, que se tornaram seu nicho de trabalho.
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