152. Corpos Tristes
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26.06.2023 | 2 minutos de leitura
Diversos
Uma festa que não está no ciclo do Natal nem da Páscoa; ciclos esses que celebram os dois maiores mistérios da fé cristã: encarnação e ressureição. Uma festa celebrada após o Pentecostes, no tempo comum, iniciada tardiamente, para ressaltar uma ideia: a presença real de Cristo na Eucaristia. Mas para quê, se celebramos a Eucaristia como memorial da Páscoa do Senhor, justamente na Semana Maior, na qual ela está relacionada diretamente com a Cruz e a Ressureição de Jesus? Não é o suficiente? A festa de Corpus Christi pretende ser uma expressão de fé, mas é um dos exemplos de quando a fé esconde a falta de fé. Isso, porque ela faz exatamente esquecer esse sentido primeiro e, portanto, pertencente à Tradição: do memorial da Páscoa, em nome da ideia de presença real de Jesus na eucaristia.
Essa festa, portanto, que para emprestar as palavras de um teólogo e antigo professor, poderia ser chamada de “festa das ideias”, é nada mais do que uma festa sobre uma ideia. Poderíamos chamá-la também de “festa da ofensiva católica” ou “festa antiprotestante”, porque não é mais do que uma necessidade de reafirmação da presença de Cristo na Eucaristia, justamente quando essa fé se apresenta ameaçada, ou recebe algumas invectivas contrárias. Os questionamentos à presença real de Jesus na eucaristia remontam ao século XI e muitos deles vão receber uma resposta conclusiva do âmbito católico com o Concílio de Trento. A resposta conclusiva quase sempre é um anátema.
Mas essa ideia de presença real, por mais que possa ser cara à fé católica não passa de um curto-circuito nos sentidos mais profundos da Eucaristia. Basta lembrar que a Igreja era entendida como corpo real de Cristo e a Eucaristia como corpo místico. Daí faz sentido a frase de Agostinho muito citada nessa ocasião, muito inadequadamente, porque é anterior àquilo que ficaria mais comum no Segundo Milênio teológico da Eucaristia: a Igreja passaria a ser o corpo místico e a eucaristia a presença real de Jesus.
O grave problema dessa mudança de linguagem, além de eclipsar o mistério pascal é reforçar a presença real com ideias fisicistas (ressaltadas pelos arbitrários milagres eucarísticos). Outro problema é esquecer as outras expressões reais de Jesus na própria ação de graças católica: no povo, no ministro, no altar, na Palavra. Esquecer isso na liturgia é reflexo do esquecimento disso na prática eclesial. Além disso, há o grave risco de espetacularização da espécie do pão eucaristizado, geralmente metido num ostensório pomposo e desfilando à vista de todos que acabaram de… comungar!
Assim, o corpo de Cristo vai ficando cada vez mais fora, destinado ao olhar (sim, na cultura do espetáculo!) e menos destinado a arregimentar a comunhão dos fiéis em torno do crucificado ressurrecto, como seu corpo verdadeiro. Esse Corpo real, a Igreja, está irmanado pela comunhão, no compromisso de olhar para os corpos tristes, os corpos esquecidos, os corpos fragilizados, os corpos que olham para uma hóstia consagrada estendida num ostensório e ainda fazem ecoar com seu silêncio, aquilo mesmo que Jesus nos diz, identificado a eles: estive faminto e não me destes de comer…
O pão do céu, o pão da vida eterna é feito para alimentar nossa fé, nossa caridade, não nossos egos vaidosos, carentes de serem valorados. Tão valorados quanto as caríssimas capas e ostensórios e outros aparatos com os quais seguimos silenciando Jesus.
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