Evangelho DominicalVersículos Bíblicos
 
 
 
 
 

151. O dilúvio da catequese

Ler do Início
19.06.2023 | 1 minutos de leitura
Oficina de Nazaré
Diversos
151. O dilúvio da catequese
Na manhã daquele sábado, tudo estava "como dantes" na catequese paroquial. O cenário típico: sala pequena com lousa, carteiras escolares, catequistas à frente com um livro na mão, paredes bege em tom pastel. Três senhoras recebem pouco mais de meia dúzia de meninos e meninas que farão a primeira comunhão.

As crianças escutam mais do que falam. Mas há o consentimento de falar e até certo incentivo, embora não pareça que o roteiro tenha sido pensado, de fato, para acolher a opinião dos pequenos. A mensagem já nos foi dada, a palavra nos foi dita, tudo está consumado. Todos vieram ali para repetir o que os outros já disseram. As catequistas transmitem o que ouviram de seus pais, dos padres e de suas próprias catequistas e as crianças (se Deus quiser!) repetirão o que ouvirem agora dos adultos que as doutrinam.

Há uma crise geracional. Quem conduz o encontro são mulheres idosas, formadas em um paradigma estrito, conceitual, de formulações dogmáticas fechadas e com grande ênfase no Temor de Deus, que não é medo, mas se for tanto melhor, pois "com Deus não se brinca" e "a Bíblia é coisa séria". Assim, há sempre uma suave tensão pairando no ar: crianças muito caladas não é o ideal, mas falando também são um perigo! Talvez, sem querer, blasfemem, deem mau exemplo umas às outras, perguntem algo que nem as piedosas senhoras consigam responder... essa geração, afinal, faz cada pergunta! No tempo delas (as catequistas), ninguém se atrevia assim.

O tema do encontro é "A aliança de Deus conosco" e, após uma longa leitura bíblica da história de Noé, faz-se necessário todo esforço para garantir o entendimento. Imagens impressas da internet, a analogia com a aliança esponsal (a catequista tira do dedo sua própria aliança e mostra ao grupinho) e até se ensaia uma modesta dinâmica, um pouco deslocada do enredo geral, dentro da própria sala, mas em que as crianças são postas em movimento.

De início, fala-se do amor de Deus, pois ninguém faz aliança com quem não gosta. Ele deu o arco-íris como sinal do seu amor, disse uma catequista. Um menino traz o texto à realidade: "o dilúvio foi igual à covid, né, catequista?". Mas essa parece ser uma discussão difícil demais e o morticínio do texto, assim como o da covid, não são mencionados pela habilidosa catequista que deixa passar a observação como quem não se atenta a um ruído em meio ao discurso. Para que se fixar no que é ruim? O foco aqui, é claro, é o amor divino, pois o Deus do dilúvio só sabe amar! Não salvou Ele, afinal, um punhado da sua criação?

É desse amor, portanto, que vamos nos ocupar, porque agora, salvos nós do dilúvio (e da covid!), precisamos dar a Deus uma resposta. Uma aliança não é unilateral e, se está clara a disposição de Deus, que compromisso faremos nós com Ele? Somos Dele devedores, obrigados por seu amor. E se é grande o pecado do noivo que é infiel, qual seria a imensidão do crime cometido por quem renega o amor puro e abnegado do Santo Deus? Ah, que responsabilidade enorme é o amor! Que peso! Que compromisso terrível! 

Passada a lição de moral, a catequista jubilosa anuncia o ápice do encontro, o momento central da sua pregação: cada catequizando falará em público o compromisso que fará com Deus. É hora do penhor da aliança. Não a Dele conosco, mas a nossa com Ele. Ela, a catequista, anotará cada promessa, e como aduaneira brada: "eu vou cobrar!". Rapidamente, no entanto, corrige seu lapso autoritário. Não ela, é claro, quem será a fiscal, mas autoridade muito maior e onisciente: a outra parte no contrato, o próprio Senhor.

Segue-se assim a ladainha de acordos. Também as crianças sabem o que Deus (e as catequistas) gostariam de ouvir: "prometo não bagunçar", "prometo não desobedecer a meus pais", "prometo estudar e não brigar na escola". Apenas Enzo, o mais falante, vai um pouco além: "prometo lutar por energias renováveis", diz o ambientalista de 8 anos. A catequista demora a entender, pede para que ele repita e, enquanto anota em seu caderno, sintetiza sem grande emoção: "cuidar da natureza, né?". Enzo concorda balançando os ombros, como quem se resigna à imprecisa definição. Um compromisso, no entanto, entusiasma e leva às palmas a bondosa senhora que registra promessas infantis para Deus: "prometo vir todo o sábado aqui e prestar atenção na catequese", disse Gabriel, que havia chegado atrasado já quase ao final do encontro.

A hora já vai avançada e é preciso encerrar. "Façamos a oração rapidinho antes de irmos embora", diz uma das senhoras. Preocupada com a agitação, ela emenda: "podem até continuar sentados" e logo segue a leitura de um parágrafo orante do manual que traz à mão. "Estivemos aqui reunidos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo", persignam-se as crianças, ansiosas por deixar a reunião. Correm todas afoitas, a se espremer porta afora, como passarinhos fugindo de uma gaiola aberta.

 Sala esvaziada, permanecem apenas as devotas cristãs. Uma delas pergunta: "E aí, o que achou?" A outra emenda, com ar de professora: "Foi ótimo! Nossa catequese é assim mesmo desescolarizada!"

PUBLICIDADE
  •  
  •  
  •  
  •  
  •