177. A fumaça que nos acordou
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19.09.2024 | 4 minutos de leitura

Diversos

A fumaça chegou até a nossa porta e acinzentou o horizonte, triunfante, sempre para o alto e além de parte da humanidade. Contraditoriamente, a névoa seca que ofusca é a mesma com o potencial de abrir os nossos olhos.
Dentre tantas histórias que têm nos deixado atônitos nessa sequência de recordes de temperaturas e eventos climáticos extremos, darei um zoom nas chamas da Chapada de Guimarães (MT). Mais de 4 mil espécies de animais e mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas estão sendo despejadas de suas moradas. Nos seus paredões, onde as araras faziam os seus ninhos, em vez do aconchego, o fogo. Elas gritam mais alto que as chamas. Diante disso, que conversas precisamos ter? O que falar aos nossos filhos? Até onde estamos dispostos a ir?
Ouvir o grito da Criação passa por fazer as conexões, identificar contextos e interdependências entre todas as coisas, todos os indivíduos, todas as espécies de seres vivos e de todas as entidades do mundo natural. Mais do que nunca é preciso unir aquilo que foi dispersado e desvinculado pelos métodos e processos que, historicamente, nos formaram e que nos distanciaram, fazendo-nos entender que estamos acima e fora da natureza. Contudo, não é possível entender a dinâmica da Criação e dos ecossistemas naturais ou sociais sem voltarmos para as relações que as constituem. Com essa visão ecossistêmica da vida é que podemos fazer da casa que nos abriga um lugar comum, justo, pacífico e possível para todos e todas que a habitam.
Nosso jeito de estar no mundo não mais se sustenta. Será que conseguimos entender essa mensagem que o mundo natural está bradando? À margem, os mais pobres e os vulneráveis, primeiros a serem atingidos, os que menos demandam e os que mais tardiamente recebem o socorro. Esses, ainda temos no meio de nós. Tantos cansados e sobrecarregados das longas caminhadas fugindo das secas, das enchentes, da violência, da guerra e da fome. No meio de nós, moradores em situação de rua, desesperançados, pessoas que tiveram todas as portas fechadas e que hoje habitam os becos e as “cracolândias” das grandes cidades.
No meio de nós, uma Criação explorada, destruída, escarafunchada, poluída. Rios de lama e florestas que não mais sustentam a vida. Montanhas comidas e desconfiguradas. Terras secas, monocromáticas, estéreis. No meio de nós, uma sexta extinção em massa que irá apagar para sempre tantas e tantas belezas, cores e sons dos mais diferentes animais. No meio de nós, “quem tem ouvidos, ouça”, os gemidos e lamentos quem vêm das gaiolas, das cercas, das caixas, dos becos insalubres, dos confinamentos, das baias, dos galpões, dos aquários e de tantos outros espaços onde o animal não humano se encontra.
Entre nós, as mercadorias mediando as relações. Objetos grandes e pequenos, caprichos e mimos que demandaram na sua produção o metal, a água e a energia. Na sequência, o seu descarte, sem ao mesmo considerar a reciclagem. Ouvir o grito da Terra pede tradução. Qual gesto concreto? Estamos dispostos a renunciar a quê? Quanto restará de nossa existência se retirarmos a ostentação do ter?
Para tudo isso, não basta uma andorinha. É preciso a disposição de um povo, pactos entre as organizações, alianças entre famílias, políticas públicas. É o coletivo que se reúne, caminha junto e renuncia ao ter. Não será necessário deixar de lado o encontro, a amizade, a demonstração de apreço. Essas coisas não têm preço e nem demandam nada das nossas montanhas, rios, animais e florestas.
Antes de sair, é prudente olhar para dentro de si e, com humildade, responder: o que eu preciso mudar? Reconhecer que em cada uma das realidades descritas acima tem um pouquinho de nós. Nessa emergência climática, encontraremos o nosso dedo e a nossa conivência. No mínimo, precisamos parar, recuar e declinar. Todas as bandeiras, em todas as áreas dessa enorme emergência socioambiental, estão dispostas à espera dos pés formosos que anunciam a paz, dos braços que acolhem, das cabeças que pensam e das atitudes que movem.
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