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150. Virei a vós (Jo 14, 18)

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15.05.2023 | 3 minutos de leitura
Pe. Eduardo César Rodrigues Calil
Diversos
150. Virei a vós (Jo 14, 18)
Algumas poucas considerações sobre o evangelho deste 6º Domingo da Páscoa:
1. Como estamos próximos de celebrar a Ascensão e o Pentecostes, festas que desdobram o Mistério Pascal de Jesus, a liturgia vem nos preparando para compreender que o Senhor irá pra junto de Deus, mas não ficaremos sós. Seguiremos acompanhados pelo seu Espírito, que nos será dado. É curioso perceber como a liturgia se organiza a partir da compreensão lucana, mas trata os temas celebrados a partir da compreensão joanina. 
    1. O contexto do evangelho é o da última ceia em João, à qual ele dedica cinco capítulos e na qual insere o discurso de despedida de Jesus e uma ampla catequese que sintetiza o ensinamento do Senhor. Como em O banquete, de Platão, aqui, em O banquete, de João, o amor é o prato, o alimento, o assunto, mas muito mais: é o que é mostrado. Jesus faz mostração do saber. Por isso, o amor de que fala não é da ordem de um saber, apenas, mas de uma verdade feita com a própria vida. Quem chama João de gnóstico não entendeu justamente que o amor não passa pela palavra de Jesus apenas, mas é a Vida de Jesus (é o que se entende por a Palavra se fez carne). 
2. O evangelho começa dizendo: “SE me amais…”. No domingo passado, vimos o pedido da fé: “Tendes fé…”. Neste domingo, o correlato daquilo é justamente o amor. São duas dinâmicas importantes para a comunidade, mas todo amor comporta um quantum de fé, aqui entendida como essa capacidade de dar um passo a mais e de apostar. Mas chama a atenção a condicional SE. Se me amais é uma condicional, justamente, porque amor não pode ser exigido, forçado… 
    1. Mas, se me amais, guardareis os meus mandamentos. Aqui, duas palavras: uma sobre guardar, outra sobre mandamentos. 
A. Guardar aqui é diferente de obedecer. Muito interessante como desde o capítulo da cura do cego de nascença (Jo 9), a obediência como mero cumprimento vem sendo abandonada. Não é cumprir no sentido de fazer algo por medo dos chefes, não é cumprir por obediência cega. Aliás, isso vem de bem antes nesse evangelho. Se nós nos recordarmos é a mesma expressão usada pelo mestre-sala quando experimenta o vinho bom de Jesus, mas bodas de Caná (Jo 2): “guardou o vinho bom até agora”. Tem a ver com manter/conservar os mandamentos de Jesus, o vinho bom. Mas como se mantém o vinho novo de Jesus? Na dinâmica de gastá-lo. Guarda-o quem o oferece, eis o paradoxo. Quanto mais vivido na ordem do dar a vida, mais se guarda o que Jesus ensinou. (Isso ainda está perto dos sinóticos que diziam: quem guarda a própria vida, perde-a; quem dá a própria vida, ganha). 
B. Uma distância dos sinóticos é essa alusão aos mandamentos. Nos sinóticos há ainda uma referência à Lei, transformada por Jesus. Em João, não há alusão a Lei, senão à sua superação. Jesus é o parâmetro. Guardar os seus mandamentos é guardar a totalidade do que ele ensinou, por isso vemos o plural aí, porque, na realidade, ele nos deu um mandamento apenas: “amai-vos como eu vos amei”. Coisa que ele não só ensina, mas mostra lavando os pés dos seus discípulos. 
3. Depois Jesus diz que vai enviar outro Defensor. Outro, porque o primeiro é Jesus mesmo. O termo latino pra defensor, correspondente ao grego, é advogado. Mas o termo grego é paráclito. Essa função do Espírito, tornou-se nome dele na tradição. A função do Espírito é estar junto (e dentro). É acompanhar. E ele é espírito da verdade. Dois sentidos aqui se cruzam: 
A. Verdade, recordemos é aquilo que permanece. É Espírito que ajuda a perseverar no amor, e em Jesus, portanto, mesmo depois de tudo…esperança contra toda esperança. 
B. Verdade aqui, como aquilo que ultrapassa o saber e pode mesmo estar do lado do não-saber.  É a produção de uma vida, Da Vida na vida. O Espírito é aquele que vai cavando em nós um mistério que se torna tanto nosso, à medida que o descobrimos como fonte que brota desde dentro (Jo 4).
4. “Não vos deixarei órfãos”. O Espírito é dado pra manifestar essa continuidade de Jesus na comunidade. E ele não nos deixará órfãos, sozinhos, grande preocupação das comunidades perseguidas. 
    1. O termo órfão aqui alude às três categorias bíblicas de desprezados: viúvas, órfãos e pobres. Logo, a promessa aqui é da ordem da ética, e não de ordem psicológica: Jesus, conspirando com Deus, não deixa os seus órfãos ou abandonados, mas os acompanha com seu Espírito. 
    2. Uma palavra sobre a ordem psicológica: sentimo-nos órfãos, não raramente. Desamparados, abertamente abandonados por Deus. O evangelho pode oferecer uma palavra para esse lado afetivo, já que para o lado efetivo (ético), a presença do Espírito está posta. Ora, se o Espírito de verdade é aquele que também dinamiza uma passagem: do saber à vida, o saber dessa experiência de abandono pode realizar um passo seguinte. Já que a verdade é o que resiste, este passo é um passo de resistência. Já que essa passagem é à Vida como fonte, trata-se de descobrir-se filho da Vida. E já que a Vida brota do amor como dom, passar do saber à verdade. A fonte é o que está além do poço… Para além do fundo do poço da orfandade, do desamparo, está a fonte da filiação à Vida (Jo 4).
5. Jesus vem. Ele diz: virei a vós. Esse vir não é na parusia. O Evangelho diz que Jesus vem aos discípulos, ressuscitado, quando estão todos fechados. Seu Espírito atuante, dado por ele, desde a ressureição, mantém a presença de Jesus viva. Nós o veremos, porque ele vive. Quem o vê, Vive. Trata-se, portanto, de uma relação de intimidade, de comunhão: ver é ter fé. Ter fé/intimidade é viver, da mesma forma que Jesus vive. É entrar na Vida. 
    1. Mais uma relação termina o evangelho deste domingo: quem ama Jesus, o Pai o amará, será amado por Jesus e Jesus se manifestará nele. O amor circula. Desde o amor afetivo e efetivo de uns para com os outros, guarda-se o mandamento de Jesus. Então, o amor entre o Pai e Jesus se atualiza em nós por meio do Espírito. Descobrimo-nos, assim, amados e passamos à Vida, essa fonte que brota em nós e que subverte o saber. Subverte, inclusive, o saber-se muitas vezes órfão.