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148. Sol sem ocaso

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11.04.2023 | 7 minutos de leitura
Pe. Eduardo César Rodrigues Calil
Diversos
148. Sol sem ocaso
Caminhando no escuro...
Maria Madalena vai ao túmulo no domingo, o primeiro dia da semana. É ainda de madrugada e estava escuro. É assim que somos apresentados a essa cena do Evangelho, cheia de simbolismo. Maria ainda não entendeu que a vida de Jesus, e a vida que ele confere, não pode ser abatida pela morte. Por isso, ela precisa ainda procurar entre os mortos aquele que está vivo, aquele que é a vida (Jo 14,6). Ela esperou que a lei do sábado, que manda interromper toda a atividade, passasse (Ex 20,8-11) e agora caminha de madrugada, para ir atrás de seu Senhor. Mas, porque ainda não foi alcançada pela luz, porque ainda não chegou mais perfeitamente à luz da fé, porque sua vida ainda jaz nas trevas da tristeza e da decepção, caminha no escuro. Arrancaram dela o amado de sua alma; entretanto, ela o busca, de noite; busca-o, mas não o acha (Ct 3,1). A noite, porém, não resiste ao dia. Vai amanhecer. 

O apego ao sepulcro...
Ela vê a pedra tirada do sepulcro (Jo 20,1), percebe que não está mais lá o corpo, no entanto, o comportamento de Maria segue estranho. Ela teme que um último ultraje tenha sido feito ao seu Senhor. Não teria sido suficiente toda a tortura e todo o desprezo, agora também teriam levado o corpo de Jesus? 
O Evangelho deixa claro um apego ao sepulcro por parte dessa discípula; nem quando os anjos intervirem, ela deixará de estar voltada para o túmulo (Jo 20,13). Nem diante de Jesus, conseguirá reconhecê-lo, porque ainda estará procurando um morto (Jo 20,15).
Por isso, ainda não pode anunciar que viu o Ressuscitado; por enquanto, está atrás de um cadáver. Ela não pode exultar ainda, pois não foi chamada nominalmente pelo amado que está à porta e bate (Ct 5,9). Segue chorando o morto e, ainda, não foi ressuscitada da morte da tristeza, pelo Vivente. Por isso, até aqui, só podemos ouvir o seu lamento; ela é a mulher de coração aberto, rasgado de tristeza, latejando de saudade: “abro ao meu amado, mas o meu amado se foi... procuro-o e não o encontro. Chamo-o e não me responde...” (Ct 5,6), ou: “tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram”. (Jo 20,2). 

 Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava...
Nos Evangelhos sinóticos, é indiscutível a precedência de Pedro. Sua primazia está no serviço, e não no poder, de justificar os irmãos e confirmá-los na fé; a fé que é a pedra de construção da Igreja. Mas no Evangelho de João, essa primazia é indiscutivelmente relativizada. Importa, mais do que qualquer precedência, a capacidade de permanecer com Cristo, como o discípulo amado o fez. Ele tinha a cabeça recostada no peito de Jesus, na última ceia; tinha ouvidos atentos ao coração do mestre (Jo13,23) e permanece com o Senhor até o fim, aos pés da cruz (Jo 19,25). Ele tem a precedência da fé. Recordamos aqui que o discípulo amado de Jesus, no Evangelho, não é João, conforme quis ver a Igreja, tempos atrás. Há muito se discute quem seria, então, esse discípulo não-nomeado pelo evangelista. Somos a favor de deixá-lo sem nome, como quis o autor do Evangelho. Afinal, um evangelista que tem cuidado esmerado com seus personagens não iria deixar de nomear um deles sem uma intenção, qual seja: de que entrando no caminho de amor e fidelidade ao Mestre, nós, os leitores, possamos ser esse discípulo e ver o nosso nome, aí, fulgurando no texto.
 
Os dois corriam juntos...
Os discípulos assustados com a possiblidade de terem feito um último ultraje ao Senhor, vão ao túmulo. O Evangelho diz que os dois corriam juntos. Mas o discípulo amado, de repente, dispara. Corre mais depressa, chega primeiro, vê as faixas de linho no chão, mas não entra. Por que seus pés são mais rápidos, por que corre mais depressa? Porque o amor tem sempre pressa, porque o amor anseia o Amado. Pedro, por sua vez, corre mais devagar. O que lhe pesa, o que lhe atrasa? O que precisará ser deixado: o peso de sua culpa (Jo 21,15-19). 
Pedro entra primeiro. Aqui, muitos veem aquela primazia dos Evangelhos sinóticos. O evangelista resolverá isso daqui a pouco. Por enquanto, deixemo-nos enganar, porque a precedência da entrada no túmulo não é o mesmo que a precedência de entrada na fé no Ressuscitado. 
O que Pedro vê dentro do túmulo; as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, enrolado num lugar à parte, são modos de o evangelista nos dizer que o corpo não foi roubado. Ladrões deixariam tudo desorganizado e, se alguém tivesse levado o corpo, não se preocuparia em dispensar os panos e o lenço. Fica clara a soberania do Senhor ressuscitado: ele tem poder de dar e de retomar a própria vida (Jo 10,17-18).
Então, o outro discípulo entra no túmulo. São duas as testemunhas agora, mas o discípulo amado não só constata tudo, mas vê e crê. Pedro entrou no túmulo primeiro, mas não foi capaz ainda de dar o passo seguinte da fé.  Pedro viu; o discípulo amado, entretanto, viu e creu. E sabemos que, no evangelho de João, importa esta visão: acreditar! Mesmo não compreendendo as Escrituras segundo a qual o Senhor devia ressuscitar dos mortos, aquele que ama, o discípulo amado, acredita. No fundo, só crê na ressurreição, aquele que ama. 

Experiência pascal...
Ser alcançado pela luz da ressurreição ou fazer uma experiência pascal não é tão fácil quanto se possa imaginar. A via-sacra, a cruz, tudo isso nós conhecemos muito bem. Sabemos do que se trata. Mas a ressurreição, o renovo da esperança, o levantar-se depois das mortes, isso é tarefa custosa, porque vai exigindo de nós rolar as pedras que fecham nossos túmulos, deixar para trás os lenços mortuários, abandonar nosso apego à morte. Há em nós um apego radical à morte e às suas insígnias. Não é à toa que a liturgia da Igreja nos oferece, após o domingo de Páscoa, mais seis domingos, encerrando esse tempo com o domingo do Pentecostes. A liturgia sabe que é preciso trabalho para consentir ou aceitar à fé na ressurreição. Ouviremos nesse tempo pascal, por isso mesmo, os relatos de como a ressurreição vai alcançando paulatinamente os discípulos e também a nós. 
É difícil superar, em nós, nosso apego aos sepulcros. Não estamos falando dos lugares reservados aos restos mortais daqueles que amamos, mas dos sepulcros a que estamos apegados, quando deixamos a morte estender sua noite sobre o dia de nossa vida. Os olhos cheios de tristeza podem não ver jamais o amanhecer... A decepção, o desencorajamento, podem nos deixar presos aos sepulcros, para sempre, procurando entre os mortos, aqueles que estão vivos. 
O convite que a fé cristã faz a todos nós é o de perceber que, aos olhos do amor, todos os túmulos estão vazios. Porque aqueles que amamos não poderão jamais ser encerrados pela morte; prova disso é que continuam vivos em nós, muito mais do que já estiveram. 
A cruz e ressurreição do Senhor nos mostram que podem sim torturar aqueles que amamos, arrancá-los de nossas mãos e pregá-los numa cruz, mas eliminar o amor com que fomos amados ou o amor com que amamos, isso ninguém poderá jamais. Podem calar a voz daqueles que amamos, mas a força de sua palavra nunca será calada. Talvez aí, nessa compreensão tão singela, comece a amanhecer “o domingo da ressurreição”, também para nós. 
E quando, finalmente, formos capazes de nos despedir dos sepulcros, corramos depressa, sem culpa. Corramos depressa, pois há vida, vida que vence a morte, rasgando os véus de sua noite, como um sol sem ocaso.