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130. Sobre as eleições e as artimanhas bolsonaristas

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20.10.2022 | 3 minutos de leitura
Pe. Eduardo César Rodrigues Calil
Diversos
130. Sobre as eleições e as artimanhas bolsonaristas
Nas eleições desse último 2 de outubro, assistimos mais uma vez a uma polarização intensa entre a esquerda e a ultradireita bolsonarista. Tanto uma como outra tiveram que reavaliar as expectativas: a esquerda não conseguiu encerrar as eleições já no primeiro turno, como previam as pesquisas, e nem teve a folga imaginada em relação ao segundo candidato. O candidato atual presidente e seu secto não admitiu a virada do candidato Lula nem a vitória do mesmo em alguns estados. De um lado e de outro houve vitórias e derrotas. 

O que não deixa de chamar a atenção é o levante da ultra-direita bolsonarista, ganhando várias cadeiras no congresso, senado e inclusive alguns governos ao redor do Brasil. Isso não deixa de surpreender, já que a gestão bolsonarista foi caótica, marcada pela violência e truculência, má administração e cinismo. O Brasil real voltou para o mapa da fome. Algumas famílias mais pobres tiveram que comer ossos ou peles, o salário perdeu o poder de compra graças a inflação, a cesta básica e a gasolina ficaram impossíveis, o auxílio Brasil só foi de R$600,00 graças ao Congresso. Além disso os ministros bolsonaristas fizeram um governo de desempenho pífio: a ministra Damares foi capaz de publicar o endereço de uma criança violentada pra que ela não fizesse o aborto. E não estamos discutindo ainda a legitimidade do aborto, mas o descalabro dessa quebra de sigilo. O ministro Salles declarou que era preciso deixar passar a boiada pra expressar sua política grilheira, de exploração contumaz da floresta, de descuido para com as  terras dos povos originários. A natureza do Pantanal e da floresta ardeu em chamas, às mesmas que iluminaram a ambição do ex-ministro. Pazuello, foi aquele que demorou enquanto amazonenses morriam asfixiados durante a pandemia e ele tardou, tar-dou pra comprar cilindros de oxigênio. Esses ex-ministros foram relegados ao esquecimento? Não! Impunemente, eles foram reeleitos. 

E Bolsonaro, sua votação expressiva? Depois de ter cortado 59% do farmácia popular, para favorecer o orçamento secreto. Cortes na educação, na saúde. E a previsão pra 2023 é de corte de 42% nas verbas discricionárias do Ministério da Saúde, usadas na compra de materiais, equipamentos e para investimentos. Inclusive cortes para o tratamento de câncer. Isso sem repetir os impropérios, as ofensas contra os direitos das domésticas, das mulheres em geral, dos negros e negras, dos povos originários, dos lgbtqia+. E sem falar do descanso, do cinismo, na gestão da pandemia; na sua imbecilidade pretendia salvar a economia ao invés da vida. Enquanto economistas lembravam que não há economia, sem vida! Mas queria mesmo salvar a economia, ou praticava seu governo de morte, uma necropolitica, decidindo quais corpos são dignos de viver e quais devem morrer? Ainda assim, a escalada de Bolsonaro foi surpreendente. 

Então quais as razões? 

Teremos que dizer o Brasil é ainda um país conservador, ignorante político? Isso é possível, mas não acho que seja tudo. O Brasil na verdade ainda não existe, está por ser inventado. Diferente do que disse Darcy Ribeiro, talvez nós tenhamos que reavaliar nossas potencialidades e reconhecer que nascidos de uma violência, de um estupro pelos povos europeus, temos repetido a título de sintoma, o desprezo pelo Brasil real. A nossa democracia está por se fazer, é jovem, e ela começa pela superação da biopolítica que segue decidindo quais corpos são vivíveis e quais não. 

Se o Brasil real ainda fez o povo brasileiro votar no bolsonarismo, talvez devêssemos nos perguntar se não há aí gozo mortífero. Uma opção pelo sofrimento, um “tá ruim, mas tá bom”, ou uma opção declarada pelo fascismo.

Mas há algo além disso. Se não é o Brasil real que levou o bolsonarismo adiante, afinal, este teria levado o bolsonarismo ao fundo do poço, bastava alguma consciência. O que foi que o fez avançar?

Só pode ter sido o Brasil fantasístico. Esse que está desenhado pela ideologia da ultra-direita. E qual é essa ideologia? Acreditem se quiserem, mas é a ideologia do Olavismo. Sim, Olavo de Carvalho está morto, mas não seus seguidores. Não os religiosos reacionários que o seguem e seguem seu seguidor Pe. Paulo Ricardo. Não consigo chamá-los de tradicionais. Porque os tradicionais são inteligentes, os reacionários só têm retórica e apelo emocional. Mas essa ideologia também está desenhada pelo evangelismo hegemônico: o pentecostalismo exerce grande influência na cultura brasileira, mais até que o catolicismo, muitas vezes encastelado e que não chega lá, onde a Igreja evangélica chega. Ou fica falando por carta, com ambiguidades, enquanto os evangélicos falam na lata. Não vamos generalizar, o que chamo de evangelismo hegemônico não são todos os evangélicos. Muitos deles denunciaram a chantagem aos mais simples, às disputas de poder, os conflitos dentro de sua Igreja, porque o Messias foi trocado pelo Messias, o Jair. 

Em nome do poder, convém inflar a fantasia a partir do afeto do medo. Também o catolicismo neopentecostal, especialmente a renovação carismática, mas não toda, diga-se logo, tem entrado nessa vibe. Para estes é preciso criar um inimigo, inflar o imaginário contra esse inimigo, e travar uma guerra simbólica, religiosa, fundamentalista e fanática, contra o inimigo criado. O bolsonarismo seria então uma nova religião, uma seita que mescla fascismo e evangelismo customizado, feita para dar amparo aos seres humanos desamparados, diante do inimigo cruel e feroz, mas inventado. Bolsonaro é o pai, aquele que promete segurança, desde que em suas mãos seja posta, em troca daquilo, toda esperança. 

E como essa ideologia criou o inimigo Lula? Vamos ponto a ponto. Em primeiro lugar; a oposição- Bolsonaro/Deus - Lula/satanista 

1. O Bolsonarismo representa Deus e os cristãos, Lula representa ameaça aos cristãos e vai fechar igrejas. Além de ser apoiado por satanistas. 
é lema do Bolsonaro dizer que é em nome de Deus que ele age. Que Deus? Existem muitas imagens de Deus, mas para os cristãos o que importa é o rosto de Deus que Jesus revela. O Deus de Bolsonaro certamente não é o Deus de Jesus. Jesus anunciou uma boa notícia aos pobres, não aos ricos, que devem se converter. Tá lá em LUCAS 6,24. Bolsonaro faz o contrário. O Deus conosco de Jesus, não é o mesmo Deus acima de todos do Bolsonaro. Lula é Cristão católico, Bolsonaro vai na Igreja católica, comunga (e olha que é casado pela terceira vez: cadê os tradicionais?!?). Depois ele vai na Igreja evangélica receber benção dos pastores. E já foi na maçonaria palestrar. Lula visita o papa Francisco, casou na Igreja, recebeu os sacramentos. E em seus anos de governo nunca ameaçou a Igreja. Aliás, sancionou lei de liberdade religiosa. De onde veio essa história? E outra coisa: de que os cristãos têm medo? De serem perseguidos? Mas Jesus disse que quem fosse cristão tinha que estar preparado pra isso! E não é se aliando aos poderosos que a Igreja se deve defender. Mas Lula não é ameaça aos cristãos. Nunca foi. Visitou o papa em 2020, inclusive. 
E sobre receber apoio de satanistas, como divulgou recentemente o fanático senador mostra um vídeo, e vídeo a gente pode questionar. Lula e a esquerda não têm projetos satanistas, mas projetos que se ligam inclusive em muitos aspectos a uma religião que defende os oprimidos, que eu acho que foi o que Jesus fez, né?!
O bolsonarismo odeia pobres, nordestinos, negros, gays, mulheres. O Deus de Jesus ama a todos esses. Está do lado deles. Esse Deus de que falam é uma maneira torpe de manipular a fé e a religião em próprio favor. Mas é uma especie de fanatismo. E assim acaba por se tornar uma religião própria. Com um Deus próprio. O cristianismo aqui já não existe mais porque tirou Jesus do centro. É uma nova religião: o Bolsonarismo!
Aliás, não é isso que vimos nas marchas pra Jesus? Marchas pra Bolsonaro?
E a interpretação Bíblica? Segue o projeto de poder assassino do Jair. A interpretação bíblica tem exigências técnicas. É uma ciência da teologia, por assim dizer. Não adianta forçar a barra. Mas eles tentam… 

2. Lula é abortista 
de onde tiraram isso? Ele mesmo se declarou contra o aborto como também seu vice, Alckmin. 
Um presidente também não pode inventar isso do nada. Precisaria ser um projeto de lei apresentado a Congresso, votado lá. 
Depois a Bíblia não é a constituição. É preciso desenvolver políticas públicas de orientação sexual (coisa que as famílias fazem mal e parcamente e o bolsonarismo contradiz como ideologia de gênero), desenvolver políticas públicas de apoio a mulher. Apenas sancionar contra o aborto não vai impedir o aborto de acontecer. Nunca impediu.
Muitos católicos e crentes falam contra o aborto, mas não olham pa aras crianças nas ruas, abandonadas nem as que passam fome… o discurso católico é o de cuidar da vida desde a sua concepção até seu fim. Mas muitos se esquecem disso. 

3. Lula é corrupto e vai instalar o comunismo ateu aqui. 
Bom, todos nós sabemos que houve corrupção no governo Lula, gente que orbitava ao redor do presidente inclusive. Mas isso também no governo Bolsonaro. Então, se Lula é Ladrão, Bolsonaro também é. O Lula foi investigado, preso, solto, porque teve suas condenações anuladas. Já Bolsonaro interveio na Polícia Federal, interveio no Ministério Público e na ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) pra atrapalhar a investigação dos filhos e decretou sigilo de 100 anos em uma série de documentos. Ora, quem não deve não teme, não é?

Houve uma grande espetacularização da corrupção no pt e disso, uma criação de uma narrativa que consiste em dizer que Lula é o maior corrupto de todos os tempos. Um fenômeno social de projeção e expurgação chamado bode expiratório, é isso que Lula se tornou. Seu partido nem é o o que tem mais gente afastada pela leia da ficha limpa. 

Dizem que ele é corrupto, mas com que moral. E as rachadinhas, o caso Queiroz, o caso micheque, o orçamento secreto, a corrupção no ministério da educação, o escândalo com as vacinas e os 51 imóveis comprados com dinheiro vivo?

Mas Lula foi Preso. Bolsonaro também! Quando se envolveu numa questão de aumento salarial no quartel e depois foi expulso pelo ST militar por ser acusado de participar de uma trama  que pretendia explodir algumas bombas. Daí que temos uma eleição com dois ex-presidiários: um teve as condenações anuladas, outro maquina contra as investigações em seu governo.

Lula nunca foi comunista ateu. Sua esquerda é conciliatória, beneficiou inclusive alguns bancos, fez alianças inclusive com direita. Ainda que fosse comunista, a tomada de poder deveria partir de uma revolução a partir de vários setores sociais, tanto estruturais e superestruturais. O fantasma do comunismo está aí desde Collor, servindo de assombração narrativa, para fazer-nos votar nos “candidatos de Deus”. 

Mesmo a proximidade com governos de esquerda aqui na América Latina, tem que ver com questões comerciais, afinal vivemos em uma economia global. Tem que ver com alianças contra blocos econômicos e imperialistas, mas não redunda em mesma política, em mesmo estado de direito. Já Bolsonaro encontrou-se com quatro ditadores assassinos da Arábia Saudita e diz ter certa afinidade com eles. 

4. Família e ideologia de gênero.
Bolsonaro defende a família. Mas que é família? Porque pode parecer que família é papai- mamãe e filhinhos. Mas essa é a família nuclear pequeno burguesa. Não foi assim desde sempre. Na época de Jesus, por exemplo, às famílias são clãs. As famílias estão mudando, mas ainda assim são famílias. A diferença sexual continua garantida, mesmo em caso de famílias homoparentais, porque a diferença sexual não tem que ver com a precedência do corpo biológico, mas com a inscrição psíquica que o aparato de linguagem coloca em funcionamento, mesmo com seu furo constituinte. 
O Jesus que os bolsonaristas tanto chamam inclusive, alargou o sentido de família. Não é mais aquilo que está sustentado pelo sangue, mas pelos laços de amor (quem escuta e põe em prática a sua palavra). 

Já a ideologia de gênero virou outro fantasma.
Vão colocar os filhos e os filhos dos nosso filhos pra irem no banheiro juntos; menino com menina, adulto com criança. … E cada um vai poder escolher seu gênero. Não há nenhum projeto desses anunciado na pauta do Lula, nem da esquerda. E em quatro mandatos da esquerda, nada assim foi feito. 

Mas podíamos discutir: que é gênero? É o mesmo que sexo? Que são tipificações de gênero? Que é que se escolhe, quando não se tem escolha sobre a orientação do desejo? 
Mas essas perguntas são longínquas para um país que se orienta pela heteronormatividade patriarcal, no plano do discurso né, porque entre quatro paredes, o imbrochável brocha, o hetero não é tão top, mas muito mais bottom. As hipocrisias imperam. 

Como desafiar a religião bolsonarista, em nome da qual se mata? 

Nesse momento é preciso desobedecer os que falam em nome de Deus. Especialmente porque o que eles apontam são interesses escusos vestidos de batina/terno. Será preciso avaliar projetos, e esvaziar esse imaginário inflado. Olhar para o Brasil, esse que tem fome, que sofre, e não para o próprio umbigo.

Não temos políticos ideais. Estamos prestes a votar e não estamos a buscar um pai que resolva tudo, inclusive nosso desamparo humano. Estamos atrás de um político minimamente dedicado a se comprometer com políticas públicas e direitos humanos e com a democracia-a-se-fazer. Por isso, é preciso urgentemente desafiar a seita bolsonarista, porque ela já entrou em nosso jardim, já pisou nossas flores, já matou o nosso cão, e seu próximo passo será entrar em nossa casa e nos calar. 

No segundo turno, vote Lula. Vote 13.