6. O livro de Judite: quando sou fraco, então é que sou forte!


Um claro louvor à fidelidade e belo convite à confiança em Deus encontra-se no Livro de Judite. Este não é um escrito que se encontra nas bíblias de origem protestante – que tem 7 livros a menos que o cânon católico, os chamados deuterocanônicos[1]: Tobias, Judite, Baruc, Eclesiástico, Sabedoria, Primeiro e Segundo Livros dos Macabeus. Esta exclusão é resultado de uma antiga polêmica entre as comunidades cristãs primitivas e o judaísmo formativo (final do século I) ressuscitada por Lutero por ocasião da Reforma. Apesar de não ser consenso entre os cristãos, como o Livro de Tobias que vimos em semanas anteriores, vale a pena ler este romance cheio de suspense, tramas e crimes.
O livro de Judite tem 16 capítulos, ainda dá pra ler num sentada só, ainda mais porque ele prende a atenção devido à sua trama. É, como tantos outros livros bíblicos, uma novela que retoma um tema anterior caro ao povo hebreu, no caso, a garantia da vitória dada aos fracos, pois a vitória vem de Deus e não da força humana (cf. Is 40,27-31). Não é à toa que o autor escolheu uma mulher, símbolo da fragilidade entre os judeus, como protagonista do romance. Judite recorda Débora (cf. Jz 5,7) que, demonstrando força maior que a dos varões, incentiva à luta e se torna mãe em Israel. Esta não é, com certeza, uma novela para horários em que crianças estão na sala: muito sangue vai rolar, inclusive a cabeça de Holofernes, o comandante das tropas do poderoso Nabucodonosor. Sua exibição será em horário depois das 22h, como os filmes de policiais e de ação, com suspenses e tramas sangrentas.
O nome Judite quer dizer judia, indicando com clareza toda pessoa do povo judeu que se mantinha fiel ao senhor, especialmente aquele que era considerado fraco diante dos olhos dos poderosos. Judite, além de ser mulher, é também viúva e não tem ninguém por ela. Apesar dos dissabores da vida, Judite se mantém casta e fiel ao Senhor, jejuando e orando, depositando nas mãos dele a sua vida e a vida de seu povo. Sua fragilidade se torna força, pois está inteiramente nas mãos de Deus.
Em tempos de muita perseguição e dor para o povo judeu, descrita pelo autor como “tempo em que governa Nabucodonosor, rei da Assíria”[2] (cf. Jt 1,1), todo o povo se deixa intimidar pelas ameaças do invencível Holofernes, que comandava as tropas de Nabuco em direção às indefesas cidades de Israel. Até os anciãos mais experientes e os varões mais valentes vacilaram diante de tão poderoso inimigo. Com a chegada das tropas de Holofernes, todos recuaram e quiseram se render, menos a viuvinha desamparada, Judite. Sua força está no Senhor.
É bom observar que o estilo e vocabulário do livro, além de seu original ser em grego e não em hebraico, tudo faz pensar que este não é um escrito muito antigo. Provavelmente data do século II aC, tempo da perseguição em que Antíoco IV (ou Epífanes), do domínio grego dos Selêucidas, perseguiu o povo judeu, o que desencadeou a guerra macabaica. Holofernes é descrito com características muito próximas a Antíoco: sua crueldade, seu desejo de poder, sua violenta dominação. Trata-se, então, de um filme de época. Escrito por volta de 150ac, o livro descreve o tempo de Nabucodonosor, que dominou o povo de Judá em 598 ac.
Judite, confiante que Deus não abandona seu povo, ao ver a cidade sitiada, foi ao acampamento de Holofernes com a desculpa de se render e dar-lhe pistas para a dominação da cidade. Instalada bem no meio do acampamento do inimigo, usou seus atributos femininos para encantar o guerreiro, embebedou-o e, num descuido do grande comandante, cortou-lhe a cabeça enquanto dormia. A frágil viuvinha voltou para Betúlia[3] com o troféu da fidelidade numa sacola, a cabeça de Holofernes. Ao ver tamanha valentia, o povo ficou assombrado e louvou o Senhor que deu vitória a seu povo, pelas mãos de Judite. As tropas inimigas entraram em pânico e partiram em debandada certamente imaginando: “Se uma pobre viuvinha é capaz de tal façanha, quanto mais os valentes guerreiros dessa gente! Com toda certeza, Deus está com eles!”. Depois de tal proeza, não houve mais quem atemorizasse o povo de Israel (cf. Jt 16,25).
Apesar do tom vermelho de sangue do relato novelístico de Judite, o livro é encantador. Por meio de uma saga sangrenta e cruel, o autor sagrado relata como Deus é fiel e não abandona seu povo, convidando sua gente a se manter fiel à aliança e a confiar no Senhor sob qualquer hipótese, por mais cruel e difícil que a situação da vida pareça. E pra nós, o que diz o Livro de Judite? Diz muito, muito mesmo. Para vencer as pelejas da vida, não bastam nossa força e nosso vigor. É preciso contar com a força de Deus. Cumpre-se então, o que mais tarde dirá o apóstolo Paulo: “É quando sou fraco que sou forte”.
[2] Nabucodonosor não foi rei da Assíria, mas da Babilônia. Trata-se possivelmente de um conhecimento histórico equivocado do autor ou de um recurso literário para indicar o pior rei, unido ao pior povo. A Assíria, o pior povo, dominou o Reino do Norte (Israel – capital Samaria) em 722 aC e Nabucodonosor, o pior rei, destruiu o Reino do Sul (Judá – capital Jerusalém) em 598 aC.
[3] A cidade do embate, não conhecida da geografia, mas que quer dizer Virgem Jerusalém (cf. Is ), simbolizando a condição de pertença dessa gente ao Senhor.
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