18. O Livro de Malaquias: O amor gratuito de Deus tem suas exigências


O Livro de Malaquias fecha não somente a coleção dos Profetas Menores (iniciada com Oséias); ele faz também o encerramento de um conjunto maior chamado Nebiim (em hebraico, profetas), que compreende na TaNak (Bíblia Hebraica) os Profetas Anteriores (Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis) e Profetas Posteriores (Isaías, Jeremias, Ezequiel e os 12 menores). Além disso, o Livro de Malaquias é aquele que fecha todo o Antigo Testamento. Por tudo isto, o Livro de Malaquias ganhou grande peso ao longo da história, sendo entendido como a palavra final de Deus no tempo da profecia. Não é à toa que Mateus, o primeiro livro do Novo Testamento (cf. Mt 1,1), tirou de Malaquias sua primeira citação das Escrituras Judaicas (Ml 3,1). Apesar de o Livro de Malaquias não ser o mais jovem do Antigo Testamento (há diversos outros que vieram depois dele), seu lugar no cânon fechando o Antigo Testamento deu-lhe destaque.
O Livro de Malaquias deve ser do século V-IV antes de Cristo. Sua teologia faz lembrar o tempo de Esdras. A preocupação sacerdotal (com o culto, o jejum, a oferta) salta aos olhos do leitor até mais desavisado. As características do texto o aproximam da historiografia cronista (1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias), escrita em tempos de reforma religiosa motivada pela dupla Esdras e Neemias, quando os repatriados, de volta a Jerusalém depois de longo período de exílio na Babilônia, foram reinstalados em sua terra natal.
Malaquias provavelmente não é o nome do profeta que escreveu a obra. O nome do livro vem do hebraico mal’aki, que quer dizer “meu mensageiro”, que aparece em 3,1. Deus envia seu mensageiro para dar dois recados: 1º) Deus ama o povo incondicionalmente e já provou isso (1,1-5). 2º) Amado de Deus, cuidado por ele como um filho, o povo deve se comportar como quem pertence ao Senhor (1,6–3,24). A vida ética de Israel, seu culto, suas relações devem ser pautadas por esse amor que Deus já provou ter por eles; seu modo de vida deve refletir o amor que Deus lhe dispensa. Um filho honra o pai; um servo honra seu Senhor (cf. 1,6), mas a liderança de Israel, principalmente os sacerdotes levitas, parecem ter se esquecido desta obrigação para com Deus. Sua oferta é negligente. Levam ao seu altar cordeiros defeituosos, entregam a ele não o que tem de melhor, mas o que não lhes é útil, trapaceando o Senhor (cf. 1,7-14). Mas isto o Deus fiel não vai tolerar; eis porque o Senhor ameaça os sacerdotes com castigo.
E não é só isto. A malandragem de Israel está em toda parte. Também no modo de contrair matrimônio, Israel mostra que não leva a Torá a sério (cf 2,10-16). Os casamentos mistos, tão proibidos desde tempos antigos, parecem ser frequentes na comunidade. Em tempos de reforma religiosa em que Esdras e Neemias radicalizaram as antigas normas, a condenação a casamentos mistos foi veemente (cf. nesta mesma coluna a reação de alguns que fez nascer o Livro dos Cânticos dos Cânticos e o Livro de Rute). E pior: contraindo matrimônio com mulheres estrangeiras, os israelitas desdenhavam suas esposas (cf. 2,14). Para o autor, imbuído do preciosismo e do rigorismo da reforma religiosa, este é um comportamento inaceitável.
Tendo apontado os erros de Israel, o profeta anuncia a chegada do Dia do Senhor (cf. 3,1-5). Nesse dia, Deus mandará seu mensageiro para fazer justiça e o crime dos israelitas não vai ficar sem punição. Como um fogo que devora a palha, a presença do Deus de Israel vai derreter toda iniquidade e só vai ficar de pé a solidez provada da fidelidade. Toda traição, toda idolatria, toda injustiça vão aparecer no grande dia do Senhor (cf 3,5). Até mesmo toda negligência com o dízimo, com as ofertas do templo, será punida, pois será entendida como falta de confiança no Senhor, como traição à aliança.
Ao ouvir tais palavras, o povo reage se defendendo, mas não há defesa para quem negligenciou o amor do Senhor e viveu dissolutamente. Por acaso o Senhor deixaria impune o mal e se esqueceria de quem foi fiel? (cf. 3,13-21). Deus mostra toda sua força avisando que vai fazer justiça. Ao final, um último alerta: a Lei não pode ser esquecida jamais! (cf. 3,22-24). Assim termina o Antigo Testamento, com uma chamada à fidelidade ao Deus que ama e cuida de seu povo.
Provavelmente, o leitor – pouco acostumado com a linguagem semita, com seus antropomorfismos e exageros – pode estranhar a dureza do Livro de Malaquias. É bom lembrar que o texto foi produzido em uma época em que a reforma religiosa estava em pleno vigor. Esdras e Neemias entenderam que o exílio era punição de Deus ao povo, por causa de seus deslizes em relação à Torá. Ora, sendo assim, era preciso moralizar. Mas, a reforma com seu teor preciosista, rigorista, não foi tolerada por todos. O autor de Malaquias, mergulhado no mundo da reforma, recorda que esta não é por puro legalismo. Toda exigência reformística tem como anseio maior ser fiel a Deus, que tanto amou seu povo; é preciso, pois, corresponder ao amor de Deus.
Ao ler o Livro de Malaquias, duas mensagens importantes ficam também para nós: 1ª) Deus ama incondicionalmente e sempre. Este amor declarado bem no começo do livro é convite ao leitor para não desanimar da leitura. Ele é pano de fundo de todo o texto e as exigências que se seguem só fazem sentido a partir dele. 2ª) Tamanho amor precisa ser correspondido. Para nós cristãos, herdeiros da fé monoteísta judaica, a correspondência ao amor zeloso de Deus se dá numa vida ética pautada pelos seus ensinamentos que não podem ser negligenciados. Não é que ele vá deixar de nos amar, caso não correspondamos ao amor dele. Não! Ele é fiel e continua sempre nos amando. Mas nenhum amor é vivido plenamente se acontece apenas de uma das partes, se não é correspondido. Se nós não nos abrimos ao amor gratuito de Deus, deixando-o transformar nossa vida em puro amor também, então há algo errado nesta relação. Rezemos, pois, para que Deus nos dê abertura para acolher seu amor gratuito e força para viver uma vida coerente com esse amor.
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