20. O Livro das Lamentações: Lamentar sim, mas sem perder a esperança


As Lamentações são poemas fúnebres, cantigas chorosas de luto, certamente escritas por ocasião da destruição de Jerusalém por Nabucodonosor e suas tropas em 586 a.C. Durante muito tempo, tais poemas foram atribuídos ao profeta Jeremias e por isso elas se encontram imediatamente depois de seus escritos, tendo sido em algumas bíblias, colocas como um anexo do Livro do profeta. Mas um estudo mais apurado faz pensar que são escritos independentes. O chororô de Jeremias que aparece em 2Cr 35,25 não se refere à destruição do Templo, mas ao rei Josias. Jeremias era um crítico do Templo e não faltam textos de seu livro que mostram a inutilidade do lugar sagrado se o coração do povo estiver longe de Deus (cf. Jr 7,1-15). Além disso, o profeta Jeremias deixa clara sua posição em relação à Babilônia: ela é instrumento de Deus para corrigir seu povo e fazê-lo voltar à Aliança, coisa que as Lamentações simplesmente ignoram.
O livro é composto por cinco lamentações. Três delas são introduzidos por “ais” (1ª, 2ª e 4ª). Quatro delas são alfabéticas (1ª, 2ª, 3ª e 4ª), ou melhor, cada estrofe começa com uma das vinte e duas letras do alfabeto hebraico, na ordem do alfabeto. Em português temos algo parecido, o acróstico. O acróstico é um poema que pelas iniciais das estrofes ou versos forma uma palavra. Por exemplo: MÃE: Minha Amiga Eterna. Isto é um acróstico. Os lamentos alfabéticos, em vez de formar um nome, formam o alfabeto hebraico na ordem que as letras aparecem. Há também salmos assim, como é o caso do Sl 119.
O bom deste Livro é que cada lamentação é independe da outra, como os salmos. O leitor pode se deliciar com cada poema separadamente, sem medo de perder da compreensão do todo. Apesar de os lamentos formarem um conjunto bonito, o leitor terá grande proveito também se focar apenas um na sua oração ou meditação. Logo, é fácil de ler e, apesar do tom fúnebre dos poemas, eles são de enorme beleza.
O primeiro lamento traça a desolação de Jerusalém, abandonada e ferida pelos babilônicos: “Ai, como ficou abandonada a cidade populosa. Aquela que dominava as nações parece uma viúva!” (Lm 1,1ab). Seus amantes a abandonaram (cf. Lm 1,2b); seus aliados a enganaram (cf. Lm 1,2c); seus inimigos alcançaram vitória e felizes comemoram a derrocada de Jerusalém (cf. Lm 1,5a); seu povo geme e chora, labutando por alimentos (cf. Lm 1,11a). É aí que Jerusalém decide mostrar ao Senhor toda sua miséria, sem esconder dele nenhum de seus infortúnios (cf. Lm 1,11c-16), admitindo por fim que seu Deus é justo e que a punição recebida de seus pecados é merecida. Certamente havemos de nos lembrar ao ler estes lamentos que, por detrás de cada frase, há a compreensão de que cada atropelo vivido na história é consequência do afastamento de Deus e justo castigo da parte dele. Compreensão hoje já corrigida, uma vez que Jesus ensinou que Deus ama bons e maus e cuida de justos e injustos com mesmo amor (cf. Mt 5,43-48).
O segundo lamento vai na mesma linha: mostra como Deus rejeitou a Cidade Santa (cf. Lm 2,1-8) caprichando nos detalhes das graves consequências deste abandono: luto, lágrimas, fome, desolação, escárnio, vexame... (cf Lm 2,9-22). Em meio ao relato de tantas desgraças, um conselho: “Socorro! Grite ao Senhor teu coração, muralha de Sião. Faze rolar teus rios de lágrimas de dia e de noite! Não deves mesmo estancar tuas lágrimas, não se calem teus olhos” (Lm 2,18). Jerusalém ainda tem esperança no seu Senhor.
O terceiro lamento muda o tom. Um sofredor encarna a dor de Jerusalém e, na primeira pessoa, lamenta sua sorte: “Alguém eu sou que viu a miséria...” (Lm 3,1). Tendo sido personificada, Jerusalém chora sua sorte: Deus a abandonou nas trevas (cf. Lm 3,6); clamar não adianta nada (cf. Lm 3,8); fez dela o alvo de sua ira (cf. Lm 3,12); o foco de sua zombaria (cf. Lm 3,14). Mas as tristes lembranças não são para Jerusalém motivo de desespero e sim de esperança: “Gravei tudo isso em minha mente, aí está minha esperança!” (Lm 3,21). Resta esperar que Deus mesmo vingue os inimigos e defenda Jerusalém dos malvados (Lm 3,56-66).
O quarto poema revela a situação catastrófica em que ficou o povo de Jerusalém, sem dignidade alguma, sem um ponto de apoio ao qual poderia recorrer. São vendidos como escravos a preço de ninharia; seus filhotes são alimentados por chacais (cf. Lm 4,3a); os bebês morrem de sede (cf. Lm 4,4a); crianças suplicam por pão (cf. Lm 4,4b); os ricos caem de fome pelas ruas (cf. Lm 4,5a) e quem cresceu vestido de púrpura agora está encolhido na lixeira (cf. Lm 4,5b). Mas o lamento, apesar de descrição cruel da situação, termina também com uma esperança: “Zanzar pelo exílio, Sião, nunca mais. Teu pecado está pago!” (Lm 4, 22a).
A quinta lamentação aparece em tom de oração. É uma prece dirigida ao Senhor. Jerusalém mostra sua miséria e pede o socorro: “Não te esqueças, ó Senhor, do que nos aconteceu!” (Lm 5,1a). E, por fim, pede ao Senhor que a ajude a se voltar para ele, a recuperar o tempo perdido (cf. Lm 5,21). Afinal, será que o Senhor se irritou para sempre com seu povo ou ainda terá compaixão dele? (cf. Lm 5,22).
Na crueza dos relatos de destruição, uma beleza impressionante salta dos versos poéticos das lamentações, convidando o leitor a repensar sua vida, seu afastamento de Deus, sua necessária conversão e a conservação da sempre desejada esperança, em qualquer situação. Que Deus nos ajude, na desolação de nossa vida, a buscar com confiança o Senhor fiel e bom.
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