7. Somos fracos


Na luta contra o mal, cada um tem uma parcela a contribuir. Não adianta culpar o demônio nem os outros. Certamente, é mais fácil tirar o corpo fora e apontar o dedo para os outros, como na história do velho do bigode branco, sem assumir nossas próprias fraquezas.
Conta o povo por aí que um distinto senhor, lá da roça, foi entrando na varanda de sua casinha, ajeitou-se na velha cadeira e, embalando-se, adormeceu. Seu enorme bigode branco brilhava à luz do entardecer, realçando-lhe a velhice também notada na careca luminosa. O netinho travesso veio entrando sem barulho e, vendo o avô em pleno sono, não pode deixar de se impressionar com os sinais da velhice estampada naquele rosto cansado. “Vovô tá ficando velho, já branqueou o bigode”; pensou consigo o garoto. E decidiu dar sua humilde contribuição para rejuvenescer o bom velhinho. Como não soubesse onde encontrar tinta preta para pintar logo o bigode do avô lembrou-se de ter visto no galinheiro algo bem parecido. Correu lá e deu de cara com um farto material: titica de galinha de todas as cores. Era só escolher a mais pretinha e apressar o serviço. Tomou consigo uma porção vantajosa da coisa, embrenhou-se pela casa adentro e foi parar na varanda, pé ante pé. O avô ressonava alto, perdido em seus velhos sonhos. O netinho, então, na sua costumeira esperteza, passou-lhe pelo bigode o precioso material, deu rápido acabamento artístico e saiu feliz em busca de outra traquinagem. Não demorou muito, o avô acordou, feliz por respirar o ar puro da natureza. Ajeitando-se na cadeira, esticou os ossos e respirou fundo. Foi quando sentiu um odor detestável. De um salto, pôs-se em pé e respirou de novo para ter a certeza de que não estava sonhando. O cheiro forte de titica penetrou-lhe fundo nos pulmões, causando-lhe azedo mau-humor. Que triste despertar! “Mulher velha já não sabe limpar a casa”, imaginou. Sem dar com a maçada, pôs-se a percorrer toda a casa, para ver se descobria a origem do terrível desagrado. Olhou em volta, na varanda, e nada. Foi para o quarto vizinho. Olhou o guarda-roupa, a cama, os cantos, debaixo da cama. Nada! “Impossível”, pensava consigo, “o cheiro parece estar tão perto!”. Saiu pelo corredor procurando e o cheiro o perseguia, mas não achou nem sinal da coisa. Foi à cozinha, à despensa, ao banheiro; olhou para cima e para baixo, para frente e para trás, menos para si, e nada. E dizia: “Que estranho, sei que não estou caducando. Há algo mal cheiroso nessa casa e é coisa braba”. Sem muito sucesso, o pobre velho cansou de procurar e dirigiu-se a uma janela para buscar ar puro. Abriu bem os pulmões e respirou. Mas que decepção. E pensou tristonho: “o mundo todo está uma grande merda!”.
Esta anedota nos faz pensar que, para viver melhor e sobreviver às intempéries da vida, a primeira atitude necessária é cada um se responsabilizar pela própria vida. Desconsolado, o velho se pôs a reclamar de tudo e de todos, culpando-os pelo terrível fedor que lhe subia pelas narinas. Sua profunda sabedoria não bastou para fazê-lo perceber que o problema estava bem ali no seu bigode. E não é que muitas vezes isto acontece conosco? Diante do mal, da dor, do sofrimento, culpamos Deus e o mundo, inclusive o diabo. Poucas vezes, somos capazes de olhar para nós mesmos e ver o que está emporcalhando nossa vida. Certamente, como falamos no artigo anterior, nem tudo pode ser mudado; o sofrimento faz parte da vida. Mas culpar os outros não vai resolver nossos problemas, nem amenizar nossa dor. Ao contrário; só vai criar revolta e tristeza ainda maiores.
Uma das belas contribuições que a catequese pode trazer para a vida de um catequizando – seja ele adulto, jovem ou criança – é abrir-lhe os olhos para enxergar a si mesmo. A Palavra de Deus nos serve de espelho. Sua reflexão e meditação mostram quem somos e aí deixamos de ter uma imagem distorcida a nosso respeito. Isso é muito importante para nossa felicidade. Saber conviver com nossas virtudes e com nossos limites pode ser fonte de paz e bem-estar. A catequese tem também este papel: ajudar o catequizando no autoconhecimento. À medida que o catequizando é mergulhado no mistério da fé, é também mergulhado em seu mundo interior, lá onde Deus habita. No encontro com Deus, cada qual aprende a ver seu próprio bigode e dar jeito nele para bem-viver. Nossas fraquezas são assumidas na presença de Deus e, porque somos amados por ele, encontramos forças para superá-las.
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