72. Lendo o texto no contexto


Tem gente por aí fazendo umas afirmações muito categóricas acerca de algumas práticas pastorais ou devoções, a partir de documentos magisteriais. Parece que o que foi uma vez escrito não pode ser revogado nem contextualizado. Isso assusta um pouco, pois revela um total desconhecimento da história. A vida pastoral não funciona mais assim. O papa tal disse que isso e aquilo, e acabou a conversa... Qualquer pessoa minimamente bem informada sabe que cada afirmação deve ser lida dentro de seu contexto. Logo, pegar um documento de um papa – por mais respeitável que seja – e aplicá-lo diretamente hoje, como se fosse uma injeção, pode ter efeitos colaterais funestos.
Durante muitos anos, a Igreja Católica foi a única voz escutada no mundo ocidental. Com a Reforma Protestante, essa hegemonia foi quebrada. Depois do iluminismo e consequente secularização da sociedade, a Igreja teve que disputar o palco com a razão e ver quem falava mais alto. Nem sempre essas duas vozes eram unânimes. Nem sempre ensinavam a mesma coisa. Nem sempre iam na mesma direção. Houve uma ruptura, até a sociedade tornar-se totalmente laica (pelo menos na teoria).
Temos casos curiosos na história de confrontos da Igreja com o mundo, com a ciência, com a técnica, com as novidades em geral impostas pelas sociedades em vigor... Há documentos da Igreja, por exemplo, que condenam a dissecação de cadáver, o transplante de órgãos, a cremação de corpos etc. Tem um caso curioso, e até mesmo divertido, que faz pensar. É o caso do surgimento do trem de ferro. Quando o trem de ferro surgiu, na França houve uma proibição de os católicos utilizarem as locomotivas, com a argumentação de que os cavalos haviam nos servido até aquele momento. Ficava, pois, excluído da comunhão com a Igreja quem fizesse o contrário. Como em francês, trem de ferro é chemin de fer (literalmente, caminho de ferro), fizeram até um trocadilho chemin de l’enfer (literalmente, caminho do inferno). O trem de ferro virou caminho para o inferno.
Tal anedota serve de pano de fundo para a gente entender que as afirmações da Igreja – por mais razoáveis e santas que sejam – estão sob o invólucro cultural de um momento da história. Seria no mínimo temerário pegar algumas afirmações sem considerar o contexto em que foram formuladas. Especialmente na pastoral, todo cuidado é pouco. Em tempos de pós-modernidade, em que o indivíduo reivindica o direito de ser sujeito de sua própria história, afirmações muito categóricas não são bem-vindas, ainda mais aquelas que se baseiam em sociedades e compreensões diferentes das de hoje. É importante saber dialogar, ouvir, acolher e, no mínimo, ter humildade para aceitar que não somos donos da verdade. Tal atitude pode ajudar muita gente boa a fincar os pés na prática pastoral da Igreja, enquanto que afirmações muito categóricas vão acabar espantando nossa gente de nossas comunidades. Fica a dica!
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