54. Transfiguração às avessas
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11.03.2024 | 34 minutos de leitura

Acadêmicos

Resumo
Decorrido um ano da morte do professor, tradutor e biblista jesuíta, padre Johan Konings, é preciso preservar sua memória e dar continuidade ao seu legado. Sua vida foi toda dedicada ao serviço desinteressado aos irmãos, um verdadeiro ato de lavação de pés daqueles que com ele conviviam. Fez da sala de aula o lugar da transmissão de uma experiência cristã de Deus, bem mais do espaço para transmitir conteúdos. Neste artigo, tomamos o relato de João 13, a transfiguração de Jesus às avessas, como caso exemplar para tratar da teologia joanina de Konings e apontar alguns traços de sua vida. Tomamos como ponto de partida suas próprias obras, mas não nos furtamos também de alguma referência a outros biblistas que seguem na mesma esteira de sua reflexão. Mais do que uma pesquisa bibliográfica, este texto é um tributo de gratidão a Johan Konings por tudo que aprendi com ele, daí o tom coloquial do escrito e a presença de testemunhos a seu respeito.
Palavras-chave: Konings. Evangelho de João. Transfiguração às avessas. Lava-pés. Serviço.
Abstract
One year after the death of the Jesuit professor, translator and biblical scholar, Father Johan Konings, it is necessary to preserve his memory and continue his legacy. His life was all dedicated to a disinterested service to his brothers and sisters, a true act of washing the feet of those who lived with him. The classroom was made by him as the place for transmitting a Christian experience of God, not just the space for teaching classes. In this paper, we take the account of John 13, another way to talk about the transfiguration of Jesus, as an exemplary case to deal with Konings\' Johannine theology and to indicate some aspects of his life. We take his own works as a starting point, but we also refer to other biblical scholars who follow in the same train of thought of his reflection. More than bibliographical research, this paper is a tribute of gratitude to Johan Konings for everything I learned from him. That’s the reason for the colloquial tone of the writing and the presence of testimonies about him.
Keywords: Konings. Gospel of John. Upside Down Transfiguration. Maundy. Service.
Introdução
“O ser humano é semelhante a um sopro”, afirma o salmista (Sl 144,4) ; passa como um vento que vem e vai deixando seu rastro. Quando percebemos, o tempo escapuliu, voou e, envolvidos com tantas tarefas, e nem notamos o passar dos dias. E, quando nos demos conta, chegamos à marca de um ano da partida para junto do Pai do querido padre, professor, biblista e amigo Johan Konings. Até parece que foi ontem, quando ele jantava conosco e bebia vinho, jogando conversa fora, falando de bíblia ou de amenidades com o mesmo tom grave e divertido com que tratava todas as coisas, até as mais sérias.
Conviver com Johan Konings foi passar por uma escola de vida, fazer um discipulado que não termina. Com ele aprendi bíblia, teologia, português, geografia, história, filologia e muito mais. Aprendi a leveza da vida mesmo em meio às tribulações, a ironia fina com que todas as coisas devem ser tratadas, o gosto por um bom jantar e um bom vinho na companhia de amigos e outros deleites que eram próprios de seu agrado.
Nosso primeiro encontro se deu na FAJE quando fui sua aluna na graduação, no ano de 2002. Foi amor à primeira vista. Era impossível mergulhar naqueles brilhantes olhos azuis e sair intacta da sua presença. Seu sorriso contagiante e sua delicadeza no trato com as pessoas mais simples era simplesmente comovedor e fascinante. Foi assim que nasceu uma grande amizade entre nós: um belga e uma brasileira; um homem e uma mulher, um presbítero e uma leiga; um professor doutor e uma aluna de graduação; um mestre e uma discípula; uma pessoa de 60 anos e uma outra de 40; um homem fino, elegante, de formação clássica e uma mulher do interior, curiosa, ávida do conhecimento de Deus e do seu mistério. Parecia improvável essa relação, mas, contra todas as estatísticas, a beleza da amizade rompeu preconceitos e o ajuste fino da sintonia entre os humanos se realizou.
No começo, eu não sabia bem quem ele era, nem porque me dispensava qualquer atenção. Não sabia de sua fama, de sua teologia bíblica mundialmente conhecida, nem de seu domínio de tantas línguas... Sua sapiência estava oculta, seu brilho intelectual e seu potencial humano se mantinham camuflados na pele comum de um mortal qualquer. Transfigurou-se às avessas; belga de nascimento e de genialidade única, tomou traços e modos de um brasileiro comum, apesar de ser belga e de sua genialidade tão única. Foi com o passar dos anos que pude me aventurar na alegria de ver, no avesso de sua pele, a magnificência e a originalidade de sua existência. JK, como carinhosamente costumávamos chamá-lo, vivia uma espécie de transfiguração às avessas, como Jesus no lava-pés. Daí a escolha do texto de Jo 13,1-20 em memória de um ano de sua páscoa definitiva. Fui sua aluna de Escritos Joaninos e me tornei professora da mesma cadeira em duas instituições de Teologia de Belo Horizonte. A paixão passou do mestre para a discípula, como ele colocou na dedicatória de seu livro Evangelho de João: amor e fidelidade, que guardo como relíquia entre tantas memórias afetivas que ele me deixou. Oxalá possa eu não trair o meu mestre e dar continuidade ao seu legado!
1. João e os Sinópticos
A hipótese de que João teria conhecido os Sinópticos – se não como texto pelo menos como tradição oral – não é de todo desconhecida dos biblistas, mas a ênfase que Konings colocava na mesma, o modo como lia o Quarto Evangelho com olhos fixos nos Sinópticos , apresentava-se muito original (KONINGS, 2005a, p. 25).
A instituição da eucaristia, cujo lugar de destaque está garantido nos relatos da paixão de Jesus nos Sinópticos (Mc 14,22-25; Mt 26,26-29; Lc 22,14-20) e também na tradição paulina (1Cor 11,23-25), o quarto evangelista a deslocou para a narrativa da multiplicação dos pães em Jo 6,1-15 (KONINGS, 2005a, p. 252), situando-a no quarto sinal , totalizando um elenco de sete grandes feitos de Jesus: 1º) a transformação da água em vinho (Jo 2,1-12); 2º) a cura do filho de um oficial (Jo 4,43-54); 3º) a cura de um paralítico que há 38 anos estava à beira da piscina na expectativa de ser agraciado com o movimentar taumaturgo das águas (Jo 5,1-18); 5º) o andar de Jesus sobre as águas (Jo 6,16-21); 6º) a cura do cego de nascença (Jo 9), e 7º) a intrigante ressurreição de Lázaro (Jo 11).
Por qual motivo João transportara os verbos eucarísticos da tradição sinóptico-paulina para Jo 6,11 (tomou os pães, deu graças e os distribuiu) é uma questão em aberto. Como o Quarto Evangelho é posterior a essa tradição, levanta-se a suspeita de que a eucaristia teria caído no ritualismo. “Paulo e os sinóticos, ao relatar a institui¬ção da Eucaristia, estariam mais preocupados com o significante do que com o significado? Estariam pretendendo preservar o rito, a celebração, menos que a vida? [...] (A eucaristia) Já teria caído na rotina? Ter-se-ia esvaziado de sentido?”, pergunta Prado (2011, p. 19), biblista e amigo de Konings.
A cena descrita por Jo 13 não se refere a uma ceia pascal , como nos Sinópticos ; trata-se de uma jantinha de despedida entre amigos, “um jantar de caráter comunitário (2005a, p. 257), como Konings não se cansava de insistir (Jo 13,1: antes da festa da Páscoa ). No lugar da narrativa da instituição eucarística, na despedida dos seus, o quarto evangelista colocou a cena mistagógica do lava-pés, pois, para João, eucaristia é serviço , amor doado aos irmãos, vida repartida em prol do outro. O pão partido e repartido na eucaristia ganha plenitude na vida de doação e serviço, em que cada discípulo é convidado a se deixar partir e repartir como o mestre, numa verdadeira oferenda de sua vida aos irmãos. E, no lugar da ordem de iteração voltada para o memorial eucarístico, o evangelista coloca a ordem do legado: “o mandamento do amor fraterno vivido em conformidade com seu exemplo e dom da vida, tendo sua fonte no Pai que é Amor (KONINGS, 2005a, p. 253).
João, sabendo bem onde queria chegar com a supressão da cena da instituição eucarística, dá o maior dos ensinamentos a seus apóstolos: a eucaristia, muito para além de um ritual litúrgico que transforma o pão e o vinho em corpo e sangue de Cristo, refere-se a uma vida doada em amor e fidelidade .
A cena do lava-pés, presente em Jo 13, abre a segunda parte do livro, também conhecido como livro da glória (Jo 12–20), que sucede o chamado livro dos sinais (Jo 1,19–12,50), por meio do qual João foi introduzindo os leitores no mistério do Cristo, que veio do Pai e para ele teria de voltar depois de glorificado na cruz . O evangelista, mesmo conhecendo os Sinópticos, desloca narrativas do lugar, rearranja as tradições conhecidas em prol de sua teologia, única e singular, como Konings sempre afirmava.
A cena do lava-pés na ceia de despedida, em vez da explícita instituição eucarística, é sinal evidente da autenticidade da teologia joanina. Só quem já superou o ritualismo e entrou na dinâmica profunda dos símbolos, como a comunidade do discípulo amado, pode celebrar a eucaristia com toda sua exigência visceral. O Filho de Deus na carne não se contenta apenas em se dar nos símbolos do pão e do vinho para satisfazer os fetiches e as piedades dos crentes, mas deseja que cada cristão se transfigure em servo, naquele que dispõe da própria vida em favor do outro. E nisto está a beleza do legado por ele deixou: sua ordem de iteração acerca do amor aos irmãos é nova e não é nova. Não é nova, pois o amor ao próximo já era uma máxima da Torá (KONINGS, 2005a, p. 45), descrita em forma de mandamentos e obrigações do cuidado com o semelhante, especialmente o compatriota. Mas é nova, pois a medida do amor não é outra senão a vida de Cristo doada até assíntota da cruz, onde o Filho de Deus na carne mostra que não reservou nada para sim, mas entregou-se por inteiro e completamente.
2. Transfiguração às avessas
Aprendi a expressão transfiguração às avessas (2005a, p. 258) no curso do Evangelho de João, ministrado pelo professor Johan Konings, na FAJE, onde fui por dez anos sua aluna e sua orientanda de mestrado e de doutorado Trata-se de um termo usado para designar a cena do lava-pés (Jo 13,1-20). Diferente do relato dos Evangelhos Sinópticos, no Quarto Evangelho , na última ceia com seus amigos, Jesus não instituiu a eucaristia num rito a ser repetido, mas lavou os pés de seus discípulos num exemplo a ser seguido.
O evangelista João, o autor principal do texto ou aquele que deu o acabamento final à obra antes de o redator colocar seus acréscimos – como é provavelmente o caso de Jo 3,16-21.31-36; 6,51-58; 12,37-50, capítulos 15-16, talvez o 17 e, provavelmente, o Prólogo (KONINGS, 2005a, p. 32-33) –, teria como pressuposto de seu escrito o relato da transfiguração presente nos três Evangelhos Sinópticos (Mc 9,2-8; Mt 17,1-5; Lc 9,28-36), ausente do Quarto Evangelho. Assim como a transfiguração seria suporte para o relato intrigante do lava-pés, João teria como pano de fundo para seus relatos outras narrativas sinópticas, mostrando que sua habilidade teológica e literária supera em muito a de outros escritos bíblicos. É o caso do Pai-Nosso joanino, presente em Jo 17, prece também chamada de oração sacerdotal ou da unidade, em que o autor do Quarto Evangelho não copia uma fórmula ensinada por Jesus conforme os Sinópticos, mas põe na sua boca uma oração ao Pai no bloco do discurso de despida ou da secção A-Deus (Jo 13-17), como Konings gostava de chamar. Para o biblista, o que importava não era se João seguiu os Sinópticos ou não, mas ver em que sentido o evangelista, aquele cuja “mão é magica: transforma tudo que toca” (2005a, p. 36), conduziu sua interpretação (2005a, p. 25).
Enquanto nos Evangelhos Sinópticos, Jesus sobe o monte e mostra antecipadamente a sua glória aos seus discípulos; no Quarto Evangelho, Jesus se transfigura às avessas. Ele, o Filho de Deus na carne, se desfigura; realiza sua kenosis ou quênose (Fl 2,6-11), fazendo-se o menor de todos, aquele que lava os pés de seus amigos. “Depõe a imagem de senhor e assume a ‘forma de servo’” (KONINGS, 2005a, p. 258).
A cena é lapidar. “Sabendo que tinha chegado a sua hora , hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Durante a ceia, Jesus levantou-se, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a à cintura” (Jo 13,4). Ele não se apegou a nada, nem à sua dignidade de filho divino (Fl 2,6-8). Ao contrário, tirou o manto de convidado, amarrou uma toalha na cintura e se pôs a servir, a lavar os pés dos discípulos, não numa atitude litúrgica mecânica, como parece ser o que Pedro deseja quando diz: “Então, lava-me todo inteiro”, mas num gesto significativo de uma vida que não se põe em primeiro lugar e nem disputa honrarias. Derramando água numa bacia, o Mestre e Senhor passou a fazer a repugnante tarefa dos escravos domésticos, que lavavam os pés do patrão, ou o gesto carinhoso das esposas, que lavavam os pés de seus senhores ou maridos (1Sm 25,41), ou dos filhos, que lavavam os pés dos pais. Em raros casos, essa ação era feita pelo anfitrião, que, num gesto de hospitalidade, lavava os pés dos convidados (KONINGS, 2005a, p. 258).
Os pés deveriam ser lavados antes de o conviva se pôr à mesa, como lembra Lc 7,44 e Gn 18,4, e não durante a ceia. O que, segundo Konings, “ressalta seu valor expressivo; é um gesto profético” (2005a, p. 258). Jesus ocupa primeiro o lugar de conviva para, depois, se transfigurar em servo. “Aos discípulos que pretendiam torná-lo rei (Jo 6,15), Jesus responde tornando-se o servo deles, demonstrando a verdadeira realeza do amor que se transforma em serviço” (MAGGI, 2013, p.130). Ele, o Filho de Deus na carne, é o servo fiel e obediente do Pai, que entendeu que amar é entregar-se ao cuidado dos outros e ao serviço que não exige nada em troca. “O Senhor realiza trabalho de servo para que os servos se tornem senhores” (MAGGI, 2013, p. 130). Com esse gesto de Jesus, João ensina aos leitores que “na sua comunidade não há hierarquias, escalões, mas todos são igualmente senhores, para se tornarem servos uns dos outros, porque somente quem é senhor, isto é, livre, pode verdadeiramente tornar-se o servo do outro” (MAGGI, 2013, p. 130).
Pedro, teimoso como uma pedra, parece não ter compreendido o mistério do Filho de Deus (KONINGS, 2005a, p. 258) e tem dificuldades de aceitar essa transfiguração, pois ela só pode ser compreendida à luz do enaltecimento na cruz e do dom do Espírito (KONINGS, 2005a, p. 258). Recusa-se a ter os pés lavados pois entendera o gesto como humilhante demais para seu Mestre, para ser passivamente aceito. Se Pedro não entende o mistério do Cristo, pelo menos compreende perfeitamente o significado do gesto. Como afirma Maggi, “o único que protesta é, na realidade, o único que compreendeu as consequências da ação do Senhor. Se Jesus, o mestre, lava os pés dos discípulos, de agora em diante ninguém no grupo poderá considerar-se superior ao outro” (2013, p. 131). Na verdade, ao defender a posição superior de seu Mestre, Pedro faz apologia de sua própria posição, de seu status quo ; ele não demostra estar disposto a ocupar o lugar de servo de todos como fizera Jesus.
Pacientemente mas peremptoriamente, Pedro é orientado por Jesus e introduzido no mistério do Deus servidor. “Se eu não te lavar, não terás parte comigo” (Jo 13,8). Se o discípulo não aceita o Mestre servidor, logo não tem nada a ver com o Cristo joanino, servo servidor. Mas Pedro insiste, jogando uma carta genial, “a cartada do rito” (MAGGI, 2013, p. 132): “Então, lava-me não só os pés, mas também as mãos e a cabeça!” (Jo 13,9). Jesus, no entanto, não se deixa convencer por falácias. Ele não está realizando um rito de purificação em vista da páscoa judaica, que se aproxima, como faziam os peregrinos em Jerusalém (Jo 11,55). “Não é um rito de purificação que permite acolher o amor de Deus, mas, pelo contrário, é a acolhida do amor de Deus aquilo que os torna puros” (MAGGI, 2013, p. 132). Os discípulos já estão puros, porque já acolheram a boa nova de Jesus, ou seja, estão puros por causa da palavra amorosa que ele lhes disse (Jo 15,3). Não é um ritual de lavação que os seguidores de Jesus tem como ponto de partida, mas a disponibilidade em lavar os pés uns dos outros, especialmente os pés dos mais vulneráveis e subalternizados neste mundo.
Se o gesto da lavação perde em exatidão, ganha em significado. Nenhuma fórmula dogmática ou preceito moral seriam capazes de comunicar a força do gesto simbólico de Jesus, pois o mistério não se aprende, nem se apreende; o mistério se experimenta, se degusta, é-se mergulhado nele. “Lavando os pés dos discípulos, Jesus não se abaixa, mas eleva os outros” (MAGGI, 2013, p. 130). Numa inversão assustadora de papéis, João descreve um Deus que serve aos seus em vez de ser servido por eles. Nisto consiste a verdadeira grandeza do Deus de Jesus Cristo: em servir os outros em vez de deixar-se servir, pois Deus se encontra não onde se exerce o poder que subjuga e rotula em classes , mas lá onde o serviço é dom da própria vida. “Toda forma de serviço, toda obra de libertação do homem procede de Deus, mas nenhuma forma de poder ou de domínio pode ser legitimada em nome de Deus” (MAGGI, 2013, p. 131).
Depois de lavar os pés de seus discípulos, uns estupefatos, outros recalcitrantes (Pedro) e outros indiferentes (Judas), Jesus volta a vestir o manto de conviva e senta-se à mesa novamente, mostrando que na comunidade cristã não há distinção entre escravos e livres, servos e senhores, homem e mulher (Gl 3,28). Todos são servos uns dos outros e todos são convidados para a ceia do Cordeiro, na qual Jesus mesmo é o alimento que é partido e repartido para sustentar a vida fraterna da eclesia.
O evangelista, sempre capcioso e ocupado com detalhes, não relata a retirada da toalha ou do avental da cintura de Jesus. Tudo leva a entender que Jesus teria colocado o manto sobre a veste serviçal, para ocupar o lugar de conviva à mesa sem se esquecer que a vida é, principalmente e em primeiro lugar, um eterno ato de servir e não de ser servido.
Ser senhor e servir não se contradizem, mas são expressão um do outro. O Cristo de João não veste os paramentos sagrados dos sacerdotes, mas os distintivos comuns do serviço: não as alfaias da casta sacerdotal, mas o avental dos servos (MAGGI, 2013, p, 132).
Já à mesa, Jesus pergunta aos discípulos se compreenderam o significado profundo do gesto simbólico, mistagógico, que ele fizera. Em vez de discursos para ensinar o legado que ele deixava, Jesus escolheu o ato concreto de amar e servir, mostrando que a doutrina dele é, em primeiro lugar, uma lição de vida e não um conjunto de dogmas, regras e leis. “Entendeis o que eu vos fiz?” (Jo 13,12), pergunta ele aos seus discípulos. Parece que eles não entenderam a fundo o significado do gesto. Jesus destrincha o símbolo: “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais assim como eu fiz para vós” (Jo 13,15). O “imperativo” (fazer o mesmo que Jesus fez) está baseado no “indicativo” (aceitar Jesus como escravo), ou seja, “o que devemos fazer está fundado sobre algo que nos foi dado, algo que é anterior à nossa obrigação. Antes da obrigação moral vem o dom de Deus em Jesus”, dizia Konings (2005a, p. 260).
Se seus seguidores ainda não estão perfeitamente iniciados, ou seja, se meia palavra não basta para o bronco entendedor, é preciso explicar melhor. O servo que lavou os pés ocupa o lugar de mestre e ensina a lição a seus discípulos. E nisto consiste a bem-aventurança joanina: em servir os irmãos (Jo 13,15). O Evangelho do discípulo amado, que não traz no seu bojo as bem-aventuranças da fonte Q (que aparecem em Mt 5,1-12 e em Lc 6,20-22), mostra que a verdadeira felicidade consiste em levar adiante a audácia do serviço desinteressado (Jo 13,17). Ela permite entrar no mistério da fé que dispensa o “ver para crer”, pois, como afirmou o Ressuscitado a Tomé, “bem-aventurados os que não viram e creram” (Jo 20,29). Assim, fica claro o ensinamento do Mestre: “a felicidade [...] consiste no serviço, não no domínio; em sentir-se iguais e não superiores. O serviço, expressão do amor, une indissoluvelmente ao Senhor que dá a eles (os discípulos) a possibilidade de experimentá-lo ressuscitado sem necessidade de vê-lo” (MAGGI, 2013, p. 133-134). Claro que não se trata, lembra Konings, de uma felicidade “no sentido de mera satisfação psicológica, mas no sentido profundo de uma ‘bem-aventurança’, declaração de salvação da parte de Deus” (2005a, p. 260).
Enquanto nos Sinópticos Jesus sobe o monte, transfigura-se e tem sua glória revelada, no Quarto evangelho Jesus se desfigura ocupando o lugar do servo. Se nos Sinópticos, Pedro quer fazer três tendas – uma para Elias, uma para Moisés e uma para Jesus –, no Quarto Evangelho, não há lugar para outra tenda a não ser a própria carne do Filho de Deus, a Palavra do Pai que armou sua tenda entre nós (Jo 1,14), fez entre nós sua morada. É na carne de um serviçal, que se dobra diante do outro para lhe lavar os pés, que a glória de Deus é manifestada. A comunidade do discípulo amado, por meio da mistagogia joanina, é despertada para a compreensão existencial, mais que doutrinal, de que a fé cristã é serviço e amor aos menos favorecidos.
Que transfiguração maior se poderia esperar da Palavra criadora, que desde o princípio era com Deus e era Deus (Jo 1,1), senão a performatividade de realizar exatamente o que ela diz? João descreve a transfiguração às avessas, porque o Cristo que ele prega é o avesso da glória que as autoridades judaicas esperavam. Se para esses a glória é aparência tão fugaz quanto a beleza da juventude que passa (sentido grego), a glória de Cristo é aquilo que ele é em si mesmo, sua substância (sentido judaico), sem chance de perder sua identidade e interioridade porque se curvou em serviço diante dos seus discípulos. Ao contrário, quanto mais assume na totalidade a realidade humana no que ela tem de mais vil e torpe (a classificação das pessoas em castas superiores e inferiores), mais o Cristo revela quem é, de onde veio e a que veio.
Assim, fica respondida a pergunta principal do Evangelho de João: “De onde veio e para onde vai Jesus?”. Ele veio do Pai e vai para o Pai, mas não sem antes revelar plenamente sua encarnação. Sua vida não está acima do mundo dos humanos, nem toca tangencialmente o mesmo. O Filho de Deus entra na história humana, como uma parábola matemática que vem do alto do eixo y e corta o eixo x, e só volta para o alto depois de ter cortado e fecundado o eixo tocado. Sua entrada na história (seu nascimento) revela seu mergulho no mundo humano, e sua partida para os braços do Pai mostra que essa encarnação é plena, pois ela não nega o destino trágico dos humanos, a morte. Bem diferente dos gnósticos – que negavam o valor da matéria, logo, da carne –, ou dos docetistas – que afirmavam a humanidade aparente do Filho de Deus, logo, sua morte não podia ser real, pois Deus não pode morrer –, João dá a garantia da humanidade de Cristo. Para ele, não só Jesus morre na cruz, mas, durante toda sua vida, ele mostrou-se plenamente humano vertendo lágrimas (KONINGS, 2005a, p. 225) por ocasião da morte do amigo Lázaro (Jo 11,35) e se fazendo o servo de seus amigos na última ceia.
Fica claro no relato do lava-pés que, para João, “a prática de Jesus é a prática de Deus mesmo” (KONINGS, 2005a, p. 54 – grifos do autor). Assim, “em Jesus se dá a conhecer Aquele que ninguém jamais viu, mas que é a referência última de tudo que somos e fazemos” (KONINGS, 2005a, p. 55).
3 Um gênio desfigurado em mortal comum
Ao conviver com Johan Konings mais de perto, entendemos bem por que ele chamou o lava-pés de transfiguração às avessas. A metáfora aplicada a Jesus, que se desvestiu de sua grandeza para ser o menor de todos, encaixava bem na vida simples, modesta e sem nenhum glamour que Konings, o gênio da bíblia, escolheu para si. Ele, biblista internacionalmente conhecido e autor de obras de renome, tirava o manto de convidado e amarrava a toalha à cintura, servindo aqueles que estavam ao seu redor. Quem não sabia de sua fama e do reconhecimento de que gozava, quem não conhecia a genialidade de sua mente, não imaginava que, por debaixo daquelas vestes simples e daquele sorriso simpático, escondia-se um homem de estatura sem igual: culto, versado em muitas línguas, escritor exímio com tantas obras publicadas, um conhecedor profundo da Escritura e de tantas outras áreas, um gigante e incansável trabalhador, um educador!
Certa vez, num evento religioso de proporções gigantescas ocorrido em Belo Horizonte, JK se fez presente. Ao final, o formador dos seminaristas parou para um dedo de prosa. Um seminarista carreirista veio logo ao encalço do formador desfiando um rosário de bajulações. Nem sequer se deu ao trabalho de cumprimentar o biblista. Ao final, vendo-se mal educado e sem bons modos, tentou consertar. “E o senhor, quem é? “, disse o carreirista de plantão. Mostrando o avesso de sua glória, JK deu a cartada final. Estendeu a mão e disse: “Prazer, João”. O seminarista, acreditando se tratar de um João qualquer, apertou aquela mão com indiferença e se foi à procura de outra grande figura para bajular. Só mais tarde caiu a ficha, fazendo perceber que se trata de João (Johan) Konings, o maior biblista do Brasil .
Konings não tinha necessidade de se afirmar. Não precisa nem de mantos nem de ocupar o primeiro lugar entre os convivas. Ao contrário, gostava de passar despercebido como um mortal comum. O que ele escreveu sobre o evangelista, “João (evangelista) prioriza as relações de fraternidade, participação e comunhão dentro da comunidade” (KONINGS, 2005a, p. 66 – grifos do autor), revela bem o seu próprio modo de viver e suas escolhas. Sempre pronto a aceitar um convite para comer na casa de amigos, não se fazia de rogado. Podia ser na mais pequenina choupana ou no palácio episcopal. Lá estava ele priorizando as relações de fraternidade. E não se cansava de se dar por inteiro àqueles com quem fazia comunhão de vida. Atento na escuta, sábio no falar, servo de todos, dispunha-se sempre a ajudar.
Eu mesma fui ajudada um milhão de vezes por sua presença amorosa. Quantas vezes me acolheu! Quantas vezes me escutou! Quantas vezes sofreu comigo e verteu lágrimas diante das dores cortantes da minha existência! E quantas vezes se alegrou com cada vitória minha, com cada pequena conquista, incentivando-me a me aventurar ainda mais em caminhos novos e impensados! Sou grata por sua presença terna e por suas palavras certeiras, sempre cortantes fazendo-me repensar a vida.
Por trás daquele rosto manso e daqueles olhos brilhantes, tão comuns e enigmáticos, escondia-se um teólogo e biblista de envergadura sem igual. Fez de sua vida não um palco no qual se recebe glórias, coisa que ele detestava. Ao contrário, viveu plenamente o que nos ensinava na sala de aula: foi um lavador de pés, transfigurou-se às avessas como Jesus, o seu Mestre. Honrou seu evangelista preferido vivendo o que ele nos transmitiu como mandato mais genuíno de Jesus. Que sua memória se perpetue entre nós e que seu legado – feito semeadura – frutifique também para os que virão!
REFERÊNCIAS
BÍBLIA SAGRADA. 5ed. São Paulo: Canção Nova; Brasília: CNBB, 2007.
KONINGS, Johan. Evangelho de João: amor e fidelidade. São Paulo: Loyola, 2005a.
KONINGS, Johan. O Evangelho do discípulo amado. São Paulo: Loyola, 2016.
KONINGS, Johan. Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da “Fonte Q”. São Paulo: Loyola, 2005b.
MAGGI, Alberto. A loucura de Deus: o Cristo de João. São Paulo: Paulus, 2013.
MAREANO, M.; CONTALDO, S.; CARMO, S. M. do (Orgs.). Cartas ao Mestre: tributo a Johan Konings. Belo Horizonte: Fique Firme, 2021.
MATEUS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João. São Paulo: Paulus, 1999 (Grande Comentário Bíblico).
PRADO, José Luiz Gonzaga. A eucaristia no Quarto Evangelho: significado e significante. Revista Vida Pastoral, v. 42, n. 218, p. 19-22, 2011.
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1 Todas as citações bíblicas, inclusive a demarcação das perícopes, seguem a BÍBLIA SAGRADA. 5ed. São Paulo/Brasília: Canção Nova/CNBB, 2007, traduzida sob a supervisão e orientação de Johan Konings, que até hoje é minha bíblia de trabalho, pois foi presente dele.
2 Assim mesmo, com “p”, como Johan Konings usava (KONINGS, 2005b, p. vii; 2005a, p. 24). Ele gostava desse detalhe para evitar associações indevidas. O “p” garante que é de óptica (visão) e não permite o equívoco de pensar em audição, como otite, otorrino etc.
3 Superando “a tendência de ver o Quarto Evangelho como independente em relação aos sinópticos” (KONINGS, 2005a, p. 35).
4 A expressão milagres, tão presente nos Sinópticos, não se encontra no Quarto Evangelho, que preferiu utilizar o termo seméion do grego, traduzido por sinais. Mais um ensinamento de Konings: enquanto os milagres apontam para a obra realizada, cujo fim se encontra em si mesmos; a expressão sinais remete ao realizador da obra: Jesus. Para cada sinal joanino, há uma correspondência de uma titulação e descrição cristológica. Se os Sinópticos apontam para os grandes feitos realizados, os sinais indicam quem é Jesus, o realizador, de modo que as sete autoproclamações (ego eimi, em grego o “eu” está bem destacado – Konings, 2005a, p. 156) confirmam o que os sete sinais disseram por meio de símbolos. Por exemplo: o vinho novo das bodas de Caná está em franca relação com o que Jesus disse: “Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15,1); a ressurreição de Lázaro tem como correspondente a expressão “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,) etc.
5 Há correntes bíblicas que leem o Quarto Evangelho considerando apenas 6 sinais, sendo o sétimo a morte e ressurreição de Jesus. A opção teológica de Konings se desenvolve na esteira dos 7 sinais, apesar de ele afirmar que deixa a questão em aberto (2005a, p.85), atitude dialogal bem própria desse biblista, sempre modesto nas suas afirmações.
6 Apesar de não ter a instituição da eucaristia e sua ordem de iteração “fazei isso em minha memória”, a ceia é plenamente eucarística, como lembra Alberto Maggi (2013, p.129), se a eucaristia é entendida como vida entregue e serviço aos irmãos.
7 Konings não se cansava de insistir na cronologia dos últimos dias de Jesus (2005a, p. 250), mostrando que a páscoa judaica dos Sinópticos acontecera na sexta, logo na quinta à noite o cordeiro já podia ser comido. Em João, no entanto, a páscoa judaica se dá no sábado, intitulado de Sábado Solene (Jo 19,31). O cordeiro morto na quinta nos Sinópticos, só poderá ser morto na sexta em João. O evangelista que já identificara Jesus como o cordeiro de Deus duas vezes pela boca do Batista (Jo 1,29. 36) faz coincidir o dia da matança dos cordeiros da páscoa judaica com o dia da morte de Jesus (KONINGS, 2005a, p. 252), o que coloca impossibilidade total de ele ter comido a ceia pascal. Acontece que João dialoga diretamente com um público que ele identifica como “os judeus”, que se refere às autoridades judaicas e não a todos os judeus (KONINGS, 2005a, p. 43), tendo com eles um enfrentamento hercúleo. João relativiza todas as instituições judaicas, desde o templo (Jo 2,12-22; 4,22-24), assim como a Torá (talhas vazia de Jo 2,6; vossa Lei ou Lei deles em Jo 8,17; 10,34; 15,25), as autoridades, a liturgia, o sinédrio, as festas judaicas (chamadas de festas “dos judeus” e não dos cristãos) (KONINGS, 2005a, p. 47).
8 Em João, “Jesus rompera definitivamente com Jerusalém e com o templo, cidadela do sistema opressor, terra da escravidão”, logo não seria possível comer a páscoa judaica (MATEUS, B.; BARRETO, M., 1999, p. 575).
9 Pois, para o cristianismo, a presença de Deus se dá “na práxis de Jesus de Nazaré” (KONINGS, 2005a, p. 50).
10 Título que Johan Konings escolheu para sua obra na qual comenta esse Evangelho (2005a), conforme explica na p. 71; 81-82).
11 Isso mesmo; para João, diferente de Lucas, que tem um esquema linear da história salvífica, com episódios sucessivos do mistério pascal – paixão, morte, ressurreição, ascensão e pentecostes –, a morte de Jesus já é seu enaltecimento e glorificação (KONINGS, 2016, p. 39), assim como é também pentecostes. Tudo acontece na elevação do Filho de Deus na carne (Jo 1,14) que se dá no madeiro. Na carne crucificada, Jesus é glorificado porque a glória, para João, não é uma exaltação que segue como uma espécie de recompensa por sua morte violenta. A glorificação no sentido joanino diz respeito ao que a pessoa é na sua substância mais genuína. Para o quarto evangelista, Jesus é glorificado na cruz, porque é lá que ele mostra quem verdadeiramente é: amor aos irmãos e fidelidade ao Pai (KONING, 2005a, p. 55).
12 Aqui não se pretende diminuir a força do sacramento da eucaristia, ou seja, do símbolo, pois, como afirma Konings, “o símbolo é a parte visível da realidade invisível, torna presente o que não se vê” (2005a, p. 67 – grifos do autor). O que se deseja é deixar claro que, apesar de toda a força do sacramento, ele não pode ser reduzido a um ritual litúrgico, pois tem a ver com a vida de alguém, com sua postura diante de Deus, do mundo e dos irmãos. “Assim como nos sinais milagrosos o acento não está no fato material, mas no sentido que ele revela, assim também as alusões aos sacramentos não são prescrições rituais, mas evocações simbólicas que deixam transparecer o sentido do sacramento” (2005a, p. 67-68).
13 Também assim mesmo, com maiúsculas, como ele gostava, pois o “Quarto Evangelho” é uma obra e não um evangelho que se põe no quarto lugar. E Evangelho com maiúscula, reservando o evangelho com minúscula para designar a boa nova de Jesus. Trata-se de finezas koningsianas (KONINGS, 2016, p. 9).
14 Com esse nome por causa da oferenda que Cristo faz de si mesmo ao Pai, conforme vv. 17-19.
15 Os discursos de despedida não são raros na bíblia. Eles podem ser encontrados na boca dos antepassados: Gn 47,29-49,33 (Jacó); Dt (Moisés); Js 22-24 (Josué); 1Cr 28-29 (Davi); Tb 14,3-11 (Tobias) e até na boca de Paulo (At 20,17-38), conforme relato de Lucas.
16 Essa expressão, grafada assim mesmo, também a aprendi com o mestre Konings. Não se trata de uma despedida qualquer, mas de uma despedida dos seus amigos pois ele parte para o Pai, de quem veio e para quem volta: A-Deus.
17 Como Konings, no zelo por nossa língua e no respeito aos desconhecedores do grego, costumava grafar. “Ninguém precisa necessariamente saber grego, ou hebraico ou latim para fazer teologia, apesar desses serem recomendáveis”, dizia ele na sala de aula; “basta ter os pés fincados no chão e a perspicácia do Espírito”.
18 Segundo Konings, essa hora vinha sendo preparada passo a passo nos relatos anteriores (2005a, p. 256). Para Mateos e Barreto, Jesus dá remate final ao seu êxodo pessoal e definitivo, terminando o seu caminho para o Pai” (1999, p. 576).
19 Mateos e Barreto observam um detalhe importante. Pedro chama Jesus de Senhor (Jo 13,6), título de superioridade em contraste como gesto da lavação de pés, serviço inferior (1999, p. 581).
20 Para o biblista irônico e bem humorado Johan Konings, um “rei-padeiro” (2005a, p. 153-154).
21 “Defender a hierarquia de outrem é defender a própria” (MATEOS; BARRETO, 1999, p. 582).
22 Konings fazia questão de ligar essa expressão com Lc 15,12, em que o filho mais novo pede ao pai a parte da herança que lhe cabe e assim parte para um lugar distante (KONINGS, 2005a, p. 259). 23 Se Pedro não aprender a lavar os pés dos irmãos, não poderá se dizer herdeiro do legado do Mestre, nem usufruir da vida que ele oferece, que, na linguagem joanina, é dita como vida eterna, ou seja, a vida em plenitude de Jo 10,10. Sobre a vida eterna, Konings afirma que o termo “deve ser entendido não como um prolongamento matemático infinito desta vida – não valeria a pena! –, mas como vida do momento novo que vem substituir este tempo desgastado, ‘este mundo’. É um salto qualitativo, que começa já, na fé em Cristo e no seguimento de sua prática” (2005a, p. 57).
23 Mateus e Barreto afirmam: “Não é que Jesus se rebaixe, mas sim que não reconhece desigualdade ou hierarquia entre os homens” (1999, p. 580).
24 Konings prefere a expressão Palavra ao termo Verbo para traduzir o logos grego (2005a, p. 76).
25 Konings insiste que, apesar de o Evangelho de João ser considerado o “best-seller dos gnósticos” (2005a, p. 62), essa obra não pode ser confundida com essa corrente de pensamento. O biblista afirma a diferença entre a sabedoria judaica e o conhecimento gnóstico. Para ele, “a gnose era narcisista, porque fazia do saber uma posse e não uma fonte de serviço ao irmão” (2005a, p. 49). Ou ainda, falando do gnosticismo e de sua preferência pelo Evangelho Joanino, “a iniciação não consiste na posse narcísica da verdade, mas na consciência de ser envolvido pela verdade e de dever testemunhá-la” (KONINGS, 2005a, p. 52).
26 Konings fazia questão de distinguir, na sala de aula, o significado de chorar num pranto ritual, como era o caso das carpideiras, contratadas para o rito fúnebre; e o chorar de Jesus, cujo verbo original no grego mostra claramente que é um pranto sentido, de dor, de saudade do amigo querido que partiu, traduzido por JK como verteu lágrimas em vez de chorar.
27 Episódio relatado no prefácio de Cartas ao Mestre: tributo a Johan Konings. Belo Horizonte: Fique Firme, 2021. p. 4-6.
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