29. Nossa Igreja é libertadora


Uma onda de conservadorismo invadiu a Igreja. Jovens, antes protagonistas de mudanças, agora insistem em conservar costumes e práticas do passado, como se a vida da Igreja fosse estática, parada no tempo. Falar que a Igreja é libertadora se tornou coisa herética, quase criminosa. Libertação e comunismo foram associados indevidamente, como ainda mais indevidamente associaram comunismo com satanismo. Por causa desses equívocos, a libertação parece ameaçar a Igreja. Já teve até quem dissesse “Graças a Deus que os teólogos da velha guarda estão morrendo. Isso é obra do Espírito e anuncia uma nova era para a Igreja”. Não fosse de consequências tão funestas, esta postura até nos divertiria, tamanha a ingenuidade e o desconhecimento dessas afirmações categóricas. Quem conhece minimamente o evangelho – não aqueles que o conhecem superficialmente – sabe que a libertação é tarefa dos seguidores de Jesus. Ele próprio em Lc 4,16-18, tomando um texto de Isaías, disse que veio para libertar os cativos. E mais: sua vida foi libertar; trazer liberdade e vida plena a todos que deles se aproximaram. Os que dizem defender a mãe Igreja rejeitando a veia libertadora da mesma não sabem que mal fazem a ela e à fé cristã, pois desviam-nas de sua missão mais originária.
A Igreja é libertadora. Sim: li-ber-ta-do-ra! E se não é, deveria ser, pois o evento fundamente de sua vida – o mistério pascal – é fonte de libertação que não para de jorrar. Ser libertadora é levar a boa-nova do evangelho a todos e, com ele, a vida nova que ele propõe. A vida nova gerada pela fé não diz respeito somente a uma condição interior, como a libertação do pecado pessoal. A vida trazida por Jesus diz respeito a toda a existência, ao ser humano na sua inteireza, na sua completude. Não é possível libertar a interioridade sem consequências para a vida comum, a vida pública. Toda pessoa verdadeiramente liberta condena a opressão, a exploração dos grandes sobre os pequenos, a exclusão dos mais fracos, o enriquecimento de uma minoria em cima da degradação humilhante da maioria do povo. Todo seguidor de Jesus é conclamado a aderir ao modo de vida de seu mestre; a acolher os pequenos e a assumir sua causa como fez o Mestre de Nazaré.
A Igreja, desde suas origens, sempre soube que não podia compactuar com os poderes corruptos e opressores. Só muito desconhecimento das Escrituras e muita obtusidade de mente podem justificar a rejeição do poder libertador da fé cristã. No começo das comunidades, os cristãos sofreram perseguições e enfrentaram o martírio exatamente por não compactuar com o poder romano. Uma leitura minimamente atenta do Apocalipse mostra que os cristãos rejeitam a obediência a César e sofrem horrores por causa disso. Sabiam eles que o domínio romano era opressor e impedia a vida desejada pelo Mestre de Nazaré. A marca da besta – tão mal compreendida como pertença ao diabo – diz respeito à obediência dos adeptos do império às suas autoridades. Aqueles que não possuíam a marca da besta – os cristãos – ficavam impedidos de comprar e vender, pois o comércio incensava César, coisa que os cristãos não admitiam fazer.
E não foi só no começo da Igreja não. Um rápido percurso na história mostra que a Igreja e seus representantes mais legítimos se rebelaram contra as humilhações dos pequenos e defenderam suas vidas a todo custo. Não é uma questão de comunismo ou marxismo do diabo, como dizem os desavisados, mas uma questão de fidelidade ao Deus libertador, que não compactua com o mal nem aceita a morte dos seus eleitos passivamente, sem reagir aos que lucram com o sofrimento dos pequenos. Deus – o Goel dos pobres, o defensor dos que não tem defesa – toma partido dos sofredores, dos que têm chagas e feridas abertas pela corrupção e pela ganância que assolam nossa sociedade. Ficar calado diante da injustiça, cruzar os braços e deixar os grandes massacrarem os pequenos é no mínimo covardia. O evangelho de Jesus não admite tal postura.
Que fique bem claro: nossa Igreja é libertadora, porque libertador é o evangelho que ela anuncia; libertador é o evento que a fundamenta; libertador é o Nazareno que nos congregou em torno de si.
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