12. A salvação em Cristo


Nos artigos anteriores, vimos como, sorrateiro e malandro, o desejo mal orientado vai encaminhando nossa vida para o pecado. E todos nós estamos experientes nisso. Vez ou outra, o pecado bate à nossa porta e, antes que consigamos dispensá-lo, já se instalou em nossa casa, já se tornou hóspede da alma, já se fez conselheiro nada confiável e já deixou marcas de seu estrago. Ainda bem que, na luta contra esse “malandro”, não estamos sós. Não vencemos o pecado por nossas próprias forças, mas única e exclusivamente pela força de Jesus Cristo, que se fez homem – em tudo igual a nós – e não pecou (cf. Fl 2,9-11; Hb 2,17).
Ao dizer que Jesus não pecou, muitos respondem prontamente; “Então, não era homem como nós!”. Ledo engano! O pecado não é humano; é des-humano. Ele sempre des-humaniza; arranca de nós o que há de mais belo, deforma nossa vida, estraga nossas relações, destrói nossos amores. Ora, não é Jesus que deveria ter pecado para ser humano como nós. O mais humano do humano é não pecar; é viver a nossa humanidade em plenitude, como Jesus o fez. Afinal, Deus não nos fez com um defeito de fábrica, o pecado. Ele nos fez à sua imagem e semelhança (Gn 1,12), ou seja, antes do pecado está a graça. Fomos criados bons e livres. É na dinâmica da liberdade que o pecado entrou na história da gente.
E aí é que está o mais bonito de tudo. Jesus viveu sua vida na mesma graça, mas o pecado não o seduziu. Não porque ele é Deus, mas porque, na sua liberdade de filho, escolheu a obediência ao Pai (cf. Hb 5,8). Essa obediência teve um preço: a morte de cruz. Ora, que fique bem claro: O Pai não levou Jesus para a cruz porque este o obedeceu. A obediência ao Pai é que levou Jesus à cruz. O Pai nunca planejou nem quis a morte do Filho. O Pai não é sádico; não brinca com a vida de seu Filho amado (como não brinca com a nossa). O Pai ama Jesus e está com ele todo o tempo (como também está conosco). E nessa solidariedade ou comunhão entre ambos é que está a força de Jesus para enfrentar a cruz com dignidade e serenidade.
Se é assim, a morte de Jesus não é um capricho de Deus, muito menos um desejo seu. A morte de Jesus é consequência natural de sua vida (afinal, tudo que vive morre um dia) e de suas escolhas. Se tivesse escolhido outro tipo de prática, outro tipo de pregação, outro tipo de rumo para sua vida, certamente seu destino não teria sido a cruz. A cruz é consequência das escolhas de Jesus. Sua pregação, sua vida em favor dos pequenos e não da Lei, sua opção pela fidelidade, tudo isso levou Jesus para o Calvário. A canção popular “Deus enviou seu Filho amado para morrer em meu lugar” é bela como poesia, mas sua teologia parece duvidosa. Como poderia o Pai – que é puro amor – enviar seu Filho para morrer? Deus enviou seu Filho sim, mas no sentido que Jesus age em nome de Deus, ele é o sacramento da presença de Deus, o sinal visível de sua presença no mundo. Deus o enviou para morrer sim, mas só no sentido de que assumir a vida humana é morrer um dia. Aliás, quando recebemos o dom da vida, já começamos a morrer aos poucos. Se entendemos que Deus enviou Jesus com o destino trágico da cruz antecipadamente marcado, aí tudo se complica. E a liberdade humana? Jesus não seria um homem livre? Mas a liberdade é condição de possibilidade da vida humana... Deus o enviou para morrer no meu lugar complica ainda mais. Deus enviou Jesus para viver nossa vida, ou seja, uma vida na existência humana como todos. Se entendemos assim, ele morreu em nosso lugar, ou seja, morreu como todos morrem; sua vida é tão verdadeiramente humana que ele a leva até as últimas consequências: a morte. Então, Jesus não morre em nosso lugar. Cada um morre sua morte. Ele só morre em nosso lugar, se entendemos essa morte como solidariedade, como entrega. E, por isso, ele nos salva, porque na cruz revela a máxima entrega e o máximo amor humano, assumido pelo amor de Deus.
Jesus, com sua morte, estende a salvação a toda a humanidade. Ao assumir nossa existência, dita no Evangelho de João como “carne” – “O verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14) –, nossa vida fica radicalmente marcada por sua fidelidade. Fica comprovado que é possível ser fiel, viver unido ao Pai, numa experiência edificante de amor e entrega. Assim, a morte de Jesus é salvífica; estende-se a todos nós; atinge-nos de cheio; tem um efeito transformador sobre a humanidade, antes deformada pelo pecado. Jesus nos devolve a humanidade perdida; ele nos resgata da vida fútil e dá sentido à existência humana no amor e na doação que ele viveu. Sua morte tem consequências diretas sobre nós; e não só sobre nós cristãos, mas sobre a humanidade inteira. O que Jesus fez não foi só se tornar um bom exemplo para que o sigamos. Exemplos são bons, mas não transformam por dentro. Jesus assumiu nossa “carne” e transformou-a com sua fidelidade. Agora, remidos por ele, podemos seguir em frente na jornada da vida. Que a catequese não incuta na cabeça de jovens e crianças uma salvação mágica, mas a salvação como dom do amor gratuito de Deus, manifestado em Cristo!
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