9. De novo, o pecado


O tema do pecado dá “pano pra manga”, como diz nossa gente. Apesar de assunto espinhoso, há muito o que conversar sobre ele, talvez até por isso mesmo. Não faltam aqueles que entendem que tudo é pecado: desde pensar, sentir, falar... Há uns exagerados que dizem: “Só de respirar estamos pecando!”, coisa bem absurda, vamos falar a verdade. E há aqueles que acham que nada é pecado: “tudo é fruto da pudica moral católica que inventou esse negócio de valores para nos cercear e impedir a liberdade”, dizem eles. E há aqueles que fizeram o pecado cair no folclore, inventando a máxima: “tudo que é bom, ou engorda ou faz mal ou é pecado!”. Bom, evitemos os exageros e a folclorização do tema. Claro que nem tudo é pecado, muito menos nada é pecado. O pecado não é bom, apesar de, em alguns casos, parecer bem atrativo e sedutor... mas ele exige depois o seu preço.
Evitemos definições totalizantes do termo, pois as definições podem ser diversas, dependendo do referencial que tomamos. Por enquanto, basta dizer que pecado é tudo que é contra a vida: a vida da gente, a vida dos outros, a vida em geral. O referencial da vida parece bom, pois a vida é algo que todos queremos preservar, “por mais que esteja errada”, como disse Gonzaguinha. Alguns preferem dizer que o pecado é o que ofende a Deus; definição precária, pois como saber se Deus fica ofendido e o que o ofende? Bom, vamos mesmo pelo referencial da vida.
O pecado estraga a vida; tira a paz, a alegria – ainda que na hora dê prazer. O pecado compromete a comunhão, a amizade, o amor... coisas sem as quais não sabemos viver. Sem elas, a convivência social se transformaria num caos, uma selva onde cada pessoa seria um lobo querendo devorar o outro. Ora, até alguns filósofos – cuja tarefa primeira não tem nada a ver com a fé ou a religião – admitiram que esta sociedade não sobrevive sem alguns valores. Criaram a famosa teoria do “contrato social” para dizer que, para a permanência da vida, regras mínimas de convivência têm de prevalecer ou será nossa extinção.
Na bíblia, o autor sagrado vê a vida sempre referida a Deus e, para falar do pecado, usa bela metáfora; põe um lamento na boca do Senhor: “E viraram-me as costas, e não o rosto; ainda que eu os ensinava, madrugando e ensinando-os, contudo eles não deram ouvidos, para receberem o ensino” (Jr 32,33). Para o povo da Escritura, o pecado é um não teimoso a Deus porque é um não à vida. No seu amor imenso por nós, Deus nos ofereceu seu rosto como fonte de vida, mas nós insistimos em viver de modo a desprezar a vida que ele nos oferece.
Ao escolher dar as costas para a vida, “trocamos os pés pelas mãos”. Na busca desenfreada pela vida, não é que recusamos a fonte da vida? Então, damos um não teimoso a Deus e à vida que dele emana. Imediatamente, sentimos que a vida se esvai, que ela foge de nós, que nos escapa e começamos a buscá-la ainda mais onde não está. E confundimos a vida com o prazer, com a alegria momentânea, com a adrenalina nas veias... Certamente o prazer é bom e traz vida; a alegria também é fonte de vida; a adrenalina nas veias pode fazer um bem enorme também. Mas a vida não está nisto. A vida está em tudo aquilo que humaniza, que faz crescer, que melhora as relações, que faz brotar dentro de nós aquele “melhor eu”, escondido e adormecido no mais profundo de nós. O prazer pode contribuir para despertar esse eu; a alegria de viver pode alimentar esse eu raquítico e fraco, fazendo-o ganhar vigor. Um pouco de emoção pode também contribuir para esse despertar... Mas não são os prazeres que fazem a vida acontecer, apesar de haver vida no prazer legítimo, não egoísta, não manipulador do outro. Às vezes, a vida está lá onde a dor habita e o prazer já pediu demissão, como no caso de Jesus na cruz. É exatamente na cruz que o máximo amor e a fidelidade sem par se manifestam. E a cruz se tornou fonte de vida para nós, fonte de nossa humanização.
E a catequese: como pode ajudar nesse processo de percepção do pecado? Primeiro, é sua tarefa falar abertamente do assunto, sem pudor ou receios. O pecado continua sendo tema dos encontros catequéticos, desde que afastada toda ótica moralista ou moralizante, em que a vida não é o princípio máximo, mas sim as regras abstratas de uma suposta moral. Segundo, a catequese pode contribuir despertando o gosto pela vida, pelo que é nobre, belo, louvável: as relações humanas e tudo que delas depreende. Desejamos que os catequistas enfrentem o tema do pecado com muita sabedoria, delicadeza e confiança na misericórdia divina!
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