74. Hábitos e outras vestes


Estamos assistindo a um retorno da valorização das vestes litúrgicas e outros trajes religiosos, tais como o hábito, a batina, a túnica etc. Não tem faltado entre nós quem meça a religiosidade do monge pelo hábito ou a fidelidade do presbítero por sua batina, contrariando a antiga regra que “o hábito não faz o monge”. Nada contra o uso das vestes sacras, mas convenhamos, a argumentação que o justifica anda bem fraquinha.
Alguns argumentam que assim como o soldado tem veste própria, o soldado de Cristo (ou seu ministro) também tem as vestes sacras. As vestes religiosas teriam uma função identificadora daquele que a traja. Contra esse argumento vale lembrar o que disse Jesus sobre os fariseus. O que importa não é o que está fora, mas o que vem desde dentro. Podemos ter belas vestes e ser verdadeiros sepulcros caiados. O que identifica um religioso ou presbítero é sua veste interior; seu coração reto e íntegro, voltado para o serviço dos pobres como Jesus. Bem diz o povo com seus ditos “Quem vê cara (ou vestes) não vê coração”; ou ainda: “Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”.
Outros insistem no poder de defesa dessas vestes. Elas serviriam para proteger os consagrados da tentação do diabo, especialmente do pecado contra a castidade. O hábito ou a batina evitariam que aqueles que os portam cedessem às investidas do mal. Esse argumento carece da menor razoabilidade. Vestes não são amuletos, nem tem poderes mágicos ou carregam forças espirituais. Vestes são símbolos, podendo ser inclusive instrumentalizados, o que não é tão raro assim. Se, para alguns, a veste espanta a tentação; para outros, ela chama a tentação. Ou seja, as vestes sacras podem exercer uma espécie de fascínio em quem conserva algum fetiche ligado ao âmbito religioso. Tenho um amigo que foi frade muito tempo e sua congregação aconselhava o uso do hábito. Ele vivia assediado pelas mulheres e mal dava conta de se esquivar das investidas. Largou o hábito, um dia. Ficou tempos “livre na pista” e ninguém o procurou. Até que um dia, resolveu investir numa relação com uma daquelas mulheres que o assediara. Ela não quis. Disse a ele: “Assim não quero; gostava do seu hábito”. É cômico, mas verdadeiro. O uso do hábito ou da batina não resolve os problemas do celibato. A práxis do celibato tem raízes existenciais e teológicas que exigem bem mais que a vestimenta de um hábito. O hábito e a batina não castram nem eliminam a sexualidade de quem as usa. Por baixo de todo hábito, tem um ser humano cheio de hormônios e desejos como qualquer outro. Negar a sexualidade nunca foi solução para a moral sexual cristã.
Outros argumentam que o uso das vestes sacras é sinal de humildade, de pobreza. De fato, foi para isso que surgiram; para sinalizar a pobreza do religioso ou presbítero, despojado de vaidades, sem pretensões de grandes glórias ou reconhecimentos que as vestes podem sinalizar. Mas, bem ao contrário desse intento, é a forma como elas têm sido utilizadas hoje. Em vez de igualar o religioso com os pobres ou de indicar o despojamento do presbítero, as vestes sacras tornaram-se distintivo que dá status e poder religioso. Elas exercem fascínio; distinguem o eleito dos pobres mortais, indicando que ele tem poderes sagrados. Além disso, o retorno dessas indumentárias criou um estilo arcaico fashion nada pobre ou despojado. Ou contrário, na maioria das vezes, as vestes são puro glamour e ostentação.
Certamente, não há nada contra o uso do hábito, da batina e de outras vestes próprias de religiosos e ministros da Igreja. Usem-nas quem gosta e quem quer! Agora, justificar seu uso para legitimar a autoridade daqueles que as trajam é, no mínimo, abusivo. Uma pessoa que porta uma vestimenta religiosa não pode ser dita como mais fiel ou santa que qualquer outra. Qualquer afirmação fora disso é equivocada. Fica aí a dica!
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