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66. Promessas

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16.10.2015 | 5 minutos de leitura
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66. Promessas

Não é de hoje que nossa gente tem o costume de fazer promessas para os santos. Confesso que não sei como esse costume entrou na prática católica, mas sei que criou raízes e se firmou. Até alguns católicos bem afastados das práticas eclesiais, que pouco vão à igreja, costumam conservar esse hábito. Basta chegar um aperto, um prova, um concurso, uma doença, uma situação difícil, e logo o sujeito se põe a rezar e a prometer mundos e fundos para se ver livre da peleja da vida que o atormenta e parece maior que suas possibilidades de superação sem uma ajudinha especial.


As promessas são as mais variadas, passando desde as mais piedosas e sacrificadas, como rezar diversas orações (terços, novenas etc), doar bens aos pobres, fazer penitências, até as mais divertidas, como não cortar cabelo, não cortar unha, não beber refrigerantes ou não comer doces, vestir-se com os trajes do santo da devoção ou oferecer pernas, braços e cabeças de cera num templo como o de Aparecida do Norte.


Quem já foi a essa basílica já deve ter visto a sala dos milagres, agora totalmente reformada e sofisticada, mas com as mesmas expressões de promessas antigas. Por todo canto se vê fotos, objetos sagrados (como cruzes, velas, terços) até cadeiras de roda, certidões de nascimento, carteira de trabalho... Um mosaico da fé popular composto por peças distintas, simbolizando os pedidos dos peregrinos e as graças alcançadas.


Quem sou eu para ironizar a fé do povo, mas, apesar de toda fé que move um católico a fazer essas promessas, é preciso dizer que a relação com Deus que se estabelece por meio de uma promessa é bastante precária, para não dizer comercial e equivocada.


Nas Escrituras Sagradas, vez ou outra, aparece uma crítica às promessas. Prometer é algo muito sério. Saul promete matar o primeiro que quebrar o jejum por ele decretado e seu filho será a vítima dessa promessa absurda (cf. 1Sm 15,1-35). Não fosse o bom senso do povo, o rei insensato teria levado a cabo o prometido. Em Jz 11,30-31, Jefté também parece ter perdido a razão. Quando estava aflito em combate com os amonitas, promete oferecer em sacrifício a Deus a primeira pessoa que encontrar no caminho. E eis que se depara com sua filha, jovenzinha, ainda virgem. Pedro promete ficar fiel ao Senhor até o fim, jurando-lhe fidelidade até a morte (Lc 22,33), mas é claro que Jesus já sabia da fragilidade de sua promessa. E assim vai...


Pois bem, se prometer algo a Deus já é complicado, quanto mais fazer promessas em vistas de receber algo em troca. No mínimo, é estranho que a relação com Deus ou com os santos tome o caráter mercantilista da vida diária. Deus – e o mesmo pode ser afirmado sobre seus santos – não age por interesse, mas por pura gratuidade. Deus é bondade e amor sem fim. Ele já sabe nossa prece antes mesmo que ela saia de nossa boca. Ele é o Deus-amor, aquele que nos amou primeiro, aquele que se oferece a nós como dom em Jesus cristo.


Ora, se é assim, que sentido têm essas promessas? Que significado pode ter o gesto de prometer levar uma perna de cera ao Santuário do Pai Eterno, caso venha a recuperar-se de um acidente de moto? E ficar sem comer doces, caso o candidato venha a passar no vestibular? E levar fotos do casamento, caso se arranje um marido? E ficar sem cortar os cabelos do filho, caso ele sobreviva de uma doença grave? Até parece que Deus ou os santos têm interesse nessas ofertas; que velas, cruzes e outros símbolos e gestos ofertados são aquilo que move o coração de Deus. Vale lembrar o que disse o salmista: “Vós não vos aplacais com sacrifícios rituais; e se eu vos ofertasse um sacrifício, não o aceitaríeis. Um coração contrito e humilhado, ó Deus,é o que não haveis de desprezar” (Sl 51,16).


Pois bem! Rir do povo, de sua fé simples, e menosprezar seus gestos religiosos não resolve o problema das promessas. Aliás, esse tipo de atitude pastoral nunca resolve nada; só cria mais problemas. Mas deixar também a religiosidade popular seguir seu curso sem nenhuma formação da parte da liderança católica seria omissão e preguiça pastoral. Nossa gente tem direito a uma teologia consistente e a uma espiritualidade profunda que a sustente na hora da crise, na hora do sofrimento, sem precisar desses artifícios meio mágicos e supersticiosos. É obrigação dos pastores formar sua gente com paciência e respeito. Para isso, duas coisas são necessárias: primeiro, parar de incentivar esses gestos de devoção; segundo, oferecer algo sólido que possa ocupar o lugar dessas práticas religiosas. Fica aí a dica!







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