3. Deus é pai


Se tem uma coisa boa na vida é poder contar com alguém; ter uma pessoa em quem confiar; alguém que nos dê proteção e carinho na hora mais necessária. Pois bem! Este é o papel do pai. Ele que deu a vida, deve cuidar daquele que gerou; deve amar de tal forma e com tal intensidade que seu filho se sinta seguro em meio aos atropelos da vida. A segurança do filho não vem da proteção irrestrita de seu pai, mas do amor sem condições que ele lhe dedica. O amor sempre dá forças, reanima, enche de coragem na caminhada.
O Credo rezado na missa todos os domingos afirma: “Creio em Deus Pai”. Crer em Deus Pai é crer que nossa vida não vem de nós mesmos e que estamos referidos a Outro bem maior do que nós. Não demos a vida a nós mesmos; não viemos do nada, não somos fruto do acaso. Alguém, que nos ama, nos deseja e nos quer bem, deu-nos a vida e nos ajuda a sustentá-la. Alguém nos amou sem que merecêssemos, sem que pedíssemos, na mais pura gratuidade. Afirma a Primeira Carta de João: “Deus é amor; e nisso consiste o amor: ele nos amou primeiro” (1Jo 4,16.19).
Apesar de afirmarmos constantemente que Deus é Pai, nem sempre entendemos muito bem o que isso significa. Quem teve péssimas experiências com o seu pai aqui na terra vai ter certamente dificuldades de aceitar a paternidade de Deus. Lembro-me de um catequizando adolescente que, ao ouvir falar que Deus é Pai, disse ao catequista: “Não, obrigado! Já tenho um que é difícil de agüentar e não vou querer outro”. É compreensível a reação do catequizando. Seu pai não era boa referência para ele: era violento, machista, alcoólatra... Quando dizemos que Deus é Pai, quase sempre as pessoas fazem esta conexão. Não sabem que o Pai do Céu que nos deu a vida é o pai por excelência. Logo, ele não é igual ao pai biológico. O pai biológico é que deveria ser como o Pai do Céu, amoroso, cuidadoso. Se ele não o é, há algo errado. Compartilhou do dom de Deus de gerar a vida e agora não ama como Deus, não cuida como ele, não sustenta sua criação.
Deus é nosso Pai, disse Jesus diversas vezes: “Não vos preocupeis com o que comer ou beber... o vosso Pai que está nos céus sabe que precisais de tudo isso” (Mt 6,25.32); “Amai os vossos inimigos... assim vos tornareis filhos de vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,44-45); “Orai assim: ‘Pai Nosso que estás nos céus...’” (Mt 6,9). E Jesus continua: Se Deus é nosso Pai, não devemos temer nada. Ele cuida dos pardais, não cuidará de nós? (cf. Mt 10,28-31). Somos os seus filhinhos, diz a Primeira Carta de João: “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus. E realmente o somos” (1Jo 3,1). Extensa é a lista de textos da Escritura que mostram essa filiação divina, mas bastam estas citações. Deus é Pai, não como nosso pai terreno certamente, do qual podemos – infelizmente! – ter péssimas referências. Ele é o doador da vida; aquele que nos amou e nos gerou na mais plena liberdade, sem nenhuma obrigação de fazê-lo. Ele é um pai amoroso e querido, não um juiz implacável e justiceiro. Ele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por nós, como é que com ele não nos daria tudo? Nós somos os filhos queridos de Deus e ninguém pode nos condenar, nem nos amedrontar (cf. Rm 8,31-39). Por isso somos convidados a viver em comunhão com ele (cf. Jo 17,20-21), a viver a vida nova que ele nos oferece. Precisamos cumprir o dito popular: “Tal pai, tal filho”; ou ainda outro: “filho de peixe, peixinho é”. Nisso consiste a alegria completa: em viver essa filiação na mais plena confiança de que somos amados ao infinito; Deus é Pai e não nos abandona; ele nos conhece e nos ama como somos.
Infelizmente, porém, passamos às vezes a vida toda sem saber deste amor e deste cuidado de Deus. Até parece aquela história do português e sua família que resolveram voltar para a terrinha natal. Depois de cansado de viver longe da pátria, Manoel, que era padeiro, reuniu a família e disse: “Vamos voltar para Portugal!”. Manoel, Maria e seus seis filhos se animaram. Em tempos que avião não existia, apenas navios para cruzar os mares, Manoel vendeu sua padaria e, com o dinheiro, comprou as passagens de navio para toda a família. Antes, porém, encheu alguns sacos de pão e colocou queijo dentro. Seria o alimento da viagem. Ele e seus filhos nem se arriscavam a sair do navio, para não serem tentados a freqüentar o restaurante e ver todas aquelas maravilhas às quais não tinham acesso. No primeiro dia – que delícia – pão com queijo. No segundo dia, pão com queijo, ainda bem saboroso. No terceiro dia, pão com queijo. No quarto dia, pão com queijo. No quinto dia, o pão com queijo não descia mais. Mas era preciso se esforçar, pois ainda havia muito mar pela frente. Então, pão com queijo... queijo com pão... pão com queijo... e já ninguém aguentava mais ver aquele pão velho, seco... aquele queijo maduro, com cheiro forte... Então Joãozinho, o filho mais novo, depois de 25 dias de viagem não aguentou mais. Fugiu do quarto e aventurou-se pelo navio até chegar no restaurante. Faltavam apenas dois dias para chegar em Portugal, mas ele estava desesperado. Sentou, comeu, bebeu... e nem se preocupou com a conta. Já não aguentava mais pão com queijo. Na hora do acerto, o garçom apelou: “Como assim não tem dinheiro?”. Joãozinho só tinha a passagem no bolso. O garçom pegou a passagem, olhou e sorriu. “Não esquente a cabeça, menino; no preço da passagem, estão incluídas todas as refeições!”, disse a Joãozinho que tremia de medo. Manoel e sua família tinham direito a um banquete e passavam dias a pão com queijo.
Nós, filhos de Deus, temos direito a seu amor. Na passagem pela vida, já está incluído este direito: direito de filiação. Não passemos a vida toda à base de “pão com queijo” quando temos direito a muito mais. Deus é nosso Pai; viver na sua presença e experimentar seu amor é direito nosso.
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