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31. O CREDO: Creio na comunhão dos santos

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13.10.2016 | 8 minutos de leitura
Pe. Paulo Sérgio Carrara- C.Ss.R
Para Pensar
31. O CREDO: Creio na comunhão dos santos

A comunhão dos santos


A santidade aparece nas Sagradas Escrituras como atributo essencialmente divino.  Quando se refere a Deus, a santidade expressa sua essência pessoal, sua divindade, sua absoluta transcendência, apontando para o mistério mais íntimo de sua pessoa. Significa que Deus é por si mesmo, não recebendo de nenhum outro o seu próprio ser. O termo santidade diz da incomparável dignidade de Deus, razão pela qual deve ser adorado. Quanto às criaturas, sua santidade acontece à medida que Deus lhes comunica sua santidade, pois Ele se dá em generosidade convidando à comunhão.“Agora, pois, se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis minha parte pessoal entre todos os povos – pois a terra inteira me pertence – e vós sereis para mim um Reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19,5-6). Jesus Cristo, por sua vez, é o Santo de Deus por excelência. Deus e homem, Jesus Cristo, o Filho, reflete o Pai em toda a sua existência. Ele é o mediador de santificação através do Espírito Santo. Nele Deus pôs o seu olhar e a sua complacência: é altar da aliança, sacerdote, templo, vítima, culto a Deus, caridade, mediador. Jesus é santo em todos os níveis de sua existência: ontológico, cultual, moral, psicológico (cf. Ef 1,3-14).


A comunhão dos santos não diz respeito, em primeiro lugar, aos cristãos, mas às “coisas santas”. Em latim e em grego, communio sanctorum aceita duas traduções, dependendo de como se interprete o genitivo[1]: masculino ou neutro. Se no masculino, o termo se refere a pessoas; se no neutro, às “coisas santas”, que parece ser o sentido primordial da expressão. “Coisas santas” diz respeito ao divino, ao Santo por excelência que, para nós, se expressa na “comunhão de pessoas” que o próprio Deus é enquanto Trindade. Quando digo que Deus são três pessoas, afirmo que ele é essencialmente relação. E é para que estejamos em relação com ele e com os outros que se entrega a nós no Espírito, o santificador, que age na Igreja, criando a comunhão dos santos.


Na celebração da eucaristia, a ação do Espírito torna Cristo presente na comunidade celebrante e nas espécies do pão e do vinho. A Igreja se reúne em torno do Ressuscitado, o Santo de Deus, em quem o Espírito santifica os cristãos, fazendo a aliança de Deus com seu povo no AT se intensificar numa nova aliança. O mesmo texto de Ex 19 reaparece, agora em contexto bem mais amplo, no NT: “Vós, pois, sois a raça eleita, a nação santa, o povo que conquistou para si, para que proclameis os altos feitos daquele que das trevas vos chamou para sua maravilhosa luz” (1Pd 2,9).


Todas as pessoas são, em certo sentido, santas, porque criadas por Deus. Essa santidade é ontológica, porque o fundamento da existência de cada ser humano é Deus. A criação de Deus participa de sua santidade, sobretudo o ser humano criado à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26). No batismo, os cristãos recebem a graça de pertencer a Cristo e a missão de testemunhá-lo. São chamados por Deus, não por causa de suas obras, mas do desígnio de sua graça. Justificados no Senhor Jesus com o batismo, pela presença do Espírito, se tornam verdadeiros filhos de Deus e partícipes da natureza divina e, por isto, são santos (LG 40). E o Espírito Santo une aqueles que configura a Cristo, fazendo a communio sanctorum ultrapassar a existência terrena e se estender à eternidade,  unindo os que vivem em Cristo na história e aqueles que já estão na glória. Segundo o Concílio Vaticano II, “todos quantos são de Cristo, tendo o seu Espírito, congregam-se numa só Igreja e nele estão unidos entre si (cf. Ef 4,6). Em vista disso, a união dos que estão na terra com os irmãos que descansam na paz de Cristo de maneira nenhuma se interrompe; ao contrário, conforme a fé perene da Igreja, vê-se fortalecida pela comunicação dos bens espirituais” (LG 49).


A comunhão entre os cristãos, os santos, não se dá somente no nível do afeto e do bem querer, mas no nível de uma caridade orgânica, criada pelo Espírito Santo, que torna real a união entre os fiéis e que faz de todo o corpo uma unidade (cf. Ef 4,15-16; 1Cor 12,12-13). O pessoal e o comunitário não se contradizem, ao contrário, o fortalecimento de um repercute no outro. Quanto mais o cristão se une a Cristo, mais se faz irmãos dos demais. A comunhão é bem mais que afinidades; é compromisso ético de uns com os outros, pois todos estão em Cristo.O Espírito Santo é comunhão entre o Pai e o Filho. O Espírito Santo une todos os cristãos, seguindo o modelo da comunhão trinitária. A graça se traduz na comunhão de pessoas, porque cria relação amorosa. Ela nos enriquece de uma riqueza na qual não possuímos nada só para nós mesmos, porque nos tornamos seres abertos, doados.


Assim é o Cristo ressuscitado que se tornou Amor e pura doação de si. Somos como Jesus, que deu a vida por todos. O cristão não vive e morre só para si mesmo (cf. 2 Cor 5,14-15). A graça de cada um é destinada aos outros, porque o Espírito faz de cada um de nós um ser aberto e doado e aqui se encontra a raiz da comunhão dos santos, que ultrapassa, inclusive, os limites da Igreja, pois ninguém permanece dela excluído, uma vez que todos foram criados em Cristo e para Cristo (cf. Cl 1,16; 1Cor 8,6).  O amor desinteressado caracteriza a vida cristã; o que pertence a um cristão pertence a todos, numa circulação entre os membros do corpo de Cristo. A comunhão dos santos, mais que teoria, é uma verdade a ser experimentada no compromisso com a construção do Reino da fraternidade universal. Eis a utopia cristã da qual a Igreja é sacramento (LG 1): comunhão entre todos os seres humanos no amor, na paz, na liberdade, na solidariedade.


Intercessão dos santos


A beatificação e a canonização por parte da Igreja não fazem os santos;apenas reconhecem oficialmente que aquele cristão está na glória e se pode recorrer à sua intercessão num culto de devoção, não de adoração, devido só a Deus. Há critérios para a beatificação e canonização. O mais importante é a vivência das virtudes cristãs. Isto significa que o cristão beatificado ou canonizado foi fiel à sua vocação cristã, foi verdadeiro seguidor de Jesus. A caridade se revela a virtude por excelência, e a santidade se encontra no amor aos irmãos, especialmente ao mais abandonado (cf. Mt 25,31-46). A Igreja, ao beatificar e canonizar, confessa as maravilhas que Deus realizou naqueles homens e naquelas mulheres. “A santidade é protesto contra as massificações, os totalitarismos, as seduções da força, em nome da liberdade e da riqueza do coração do ser humano e de suas possibilidades” (Bruno Forte). A vida de cada santo se torna mensagem atual que ilumina nossa caminhada e nosso agir. Sua trajetória foi hermenêutica viva da Palavra de Deus e desperta em nosso coração o desejo da fidelidade a essa mesma Palavra que Cristo continua a nos dirigir. Por isso o Papa escolheu o nome de São Francisco, porque seu exemplo ainda ilumina a vida da Igreja mais de 800 anos depois de sua morte. São Francisco mostra que o caminho do cristão e da Igreja passa pela humildade, pela simplicidade, pelo desapego das grandezas e das vaidades do mundo e significa serviço solidário aos mais pobres e necessitados.


Os santos estão em Cristo, portanto envolvidos na sua comunicação de amor ao mundo através da Igreja. A intercessão dos santos invoca simplesmente a salvação única que Deus quer nos dar. Eles intercedem para que o plano de salvação, o Reino de Deus, se realize no mundo, como rezamos no prefácio da oração eucarística dos santos: “Pelo testemunho admirável dos vossos Santos e Santas, revigorais constantemente a fé da Igreja, provando vosso amor para conosco. Deles recebemos o exemplo, que nos estimula na caridade, e a intercessão fraterna, que nos ajuda a trabalhar pela realização de vosso Reino”. E assim, “quem se dirige à Virgem Mãe e aos santos, quem faz apelo à caridade da oração dos outros, e reza com humildade e perseverança pelos outros, o faz em Deus e é levado a oferecer-se ao Pai e receber seu dom, na generosidade e na receptividade do sim de seu amor” (Bruno Forte).


[1] Nas línguas antigas, as palavras eram declinadas nos diversos casos, conforme sua função gramatical. No latim, há cinco casos: nominativo, vocativo, acusativo, genitivo e dativo. Normalmente o genitivo expressa posse ou relação de pertença.

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