2. O livro de Tobias: viver na presença de Deus, apesar de tudo


O Livro de Tobias é um midraxe, ou seja, é uma novela criada para reler e atualizar as Escrituras Sagradas – no caso, Gn 24 e 28 (casamento dos patriarcas) e Gn 42-45 (reencontro de Jacó com Benjamin), além de textos dos livros do Deuteronômio, Levítico e Números que mostram as práticas judaicas agradáveis a Deus: honrar pai e mãe, dar esmolas, enterrar os mortos.
O livro foi escrito mais ou menos no ano 200 aC com a intenção de atingir os judeus da Diáspora[1]. O autor parece visar ao jovem judeu que está mergulhado no mundo grego e vai perdendo aos poucos suas raízes, principalmente no que diz respeito à vida familiar e à piedade judaica (temor de Deus, jejum, oração, esmolas, enterrar os mortos etc). Como sábio, ele entende que é preciso recordar aos jovens que o demônio Asmodeu[2], que representa o mundo estrangeiro e suas crenças - capaz de matar sete maridos –, não é mais forte que Deus, que instituiu a Lei e suas práticas piedosas. É bom lembrar que sete é o número da plenitude, logo todos os maridos judeus da diáspora parecem contaminados pelo paganismo. Só Rafael, que significa “Aquele que cura” pode ajudar o jovem Tobias, eliminando a má sorte de Sara, como também ao velho Tobit (curando-o de sua cegueira).
O centro dessa novela é o casamento de Tobias com Sara, que já se casara com sete homens, mas nenhum deles a possuiu. Todos eles eram judeus e não estrangeiros. Nem por isso conseguiam vencer Asmodeu. Acontece que o autor quer mostrar aos jovens judeus da diáspora que não basta ser judeu: é preciso ser um judeu piedoso, ao modelo do pai Tobit, que prefere a perseguição a renegar sua piedade. Por isso, só Tobias com suas orações e jejum, que aprendeu a fidelidade com seu velho pai, tendo sido orientado por Rafael, consegue vencer Asmodeu, o matador de maridos.
Quanto às práticas bastante estranhas para curar a cegueira de Tobit e espantar o demônio Asmodeu, o autor – apesar de ser um judeu convicto – não está livre das práticas comuns de "medicina alternativa" de seu tempo, com seu tom de superstição. A piedade dele não fica comprometida por isso: é Rafael (Deus cura) quem lhe ensina o que deve fazer e não o mundo pagão, logo é Deus mesmo quem cura por meio daqueles cambalachos.
Moral da história: o autor quer mostrar aos judeus da diáspora que a piedade é essencial e que o casamento com pagãos é perigoso, pois põe em risco as raízes monoteístas do judaísmo. Num tempo em que a identidade judaica se vê ameaçada pela invasão do mundo helênico e por heranças mil do mundo persa, com seus anjos e demônios, e do mundo babilônico, com seus deuses diversos, parece prudente perseverar nos costumes piedosos, inclusive no costume de casar-se com pessoas da mesma raça.
Para nós hoje, acho que o mais importante é refletir sobre a sedução do mundo secularizado, que rouba nossas práticas de piedade e nossos valores cristãos, como se nós cristãos fôssemos um qualquer aí no meio do mundo. Não é o caso de nos opormos ao mundo ou de confrontá-lo, mas de manter nossa identidade, dialogando com nosso tempo. A gente oferece ao mundo nossa experiência cristã de Deus como testemunho da preciosidade da fé e acolhe o que ele tem de melhor para nos oferecer. Mas é preciso tomar cuidado, pois há muitos Asmodeus por aí. Caso contrário, nós podemos ser alvo do “Asmodeu desse mundo” com suas astúcias. Podemos deixar nossa fé cristã – tão preciosa e que nos faz viver – ser minada por investidas da secularização. Em meio a este mundo secularizado, só um cristão que de fato fez a experiência da fé (como Tobias) consegue se manter vivo diante das armadilhas do Asmodeu pós-moderno. Haja mística e espiritualidade para manter nossos valores intactos, inclusive no que diz respeito ao casamento e à vida familiar – tão questionados hoje! Mas não precisamos nos preocupar: não estamos sozinhos nessa viagem da vida: está conosco Aquele que cura – não um anjo – mas o próprio Deus que nos ama e nos sustenta na caminhada.
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