2. A interiorização da fé


A personalização dá fé se identifica com o momento da decisão pessoal por Jesus Cristo, quando se deixa o cristianismo herdado da família e da cultura para torná-lo pessoal. Trata-se de uma fase decisiva e inevitável para quem quer crescer na fé. A interiorização vem depois da personalização da fé, etapa mais exigente e comprometedora. Santo Agostinho elaborou o princípio de interioridade, mostrando que o encontro com Deus acontece no interior da pessoa. “Entrei em meu interior guiado por ti – e pude fazê-lo porque tu te fizeste minha ajuda – e vi com os olhos da minha alma uma luz incomunicável”. O santo confessa ter encontrado Deus dentro dele mesmo e não fora, onde o havia buscado por muito tempo: “tu estavas dentro de mim e não fora, e eu fora te buscava”. O caminho normal da maturidade vai sempre do exterior para o interior, seja na dimensão humana como na espiritual. O encontro de Deus se dá no interior e fortalece a pessoa a partir de dentro. Interiorização, nesse caso, não rima com alienação. Ela nada mais é do que exigência no empenho de personalização, quando a presença de Deus se faz sentir com maior força. A ação do Espírito Santo, graças à abertura da pessoa à graça de Deus, sobretudo na oração e na vida sacramental, aprofunda a comunhão com Deus. Dá-se, portanto, um crescimento da intimidade do crente com seu Senhor. Nessa etapa a experiência do mistério da participação do cristão na vida de Deus se torna mais profunda e total. Interioridade significa crescimento na assimilação da graça, maior participação e autenticidade de vida.
A verdadeira interioridade espiritual não significa evasão ou busca de isolamento, nem mera introspecção, mas está em constante harmonia dialética com a exterioridade. Nas pessoas espirituais, o máximo de interiorização coincide com o máximo de ação no mundo. Na vida de Santo Afonso, por exemplo, há uma perfeita harmonia entre vida interior e exterior. O santo conjugava longos momentos de recolhimento com uma atividade quase frenética na construção do Reino. O desenvolvimento da interioridade espiritual suscita e exige um alto grau de interioridade psíquica. São aspectos que se integram. Os processos espirituais se realizam nas faculdades psicológicas e, de algum modo, dependem de sua disposição e maturação. Nunca se pode separar o psíquico do espiritual, porque o processo espiritual acontece no psiquismo da pessoa. Dificuldades psicológicas são, às vezes, empecilho para a maturidade espiritual. A interioridade espiritual exige a psíquica. Isso não quer dizer que pessoas afetadas em seu psiquismo por certas anomalias não possam cultivar a interioridade e amadurecer na sua experiência de Deus. Normalmente, o crescimento psíquico acompanha o espiritual. Mas há muitas exceções a essa regra. Às vezes, um psiquismo mais frágil leva a um consistente crescimento interior. A ninguém Deus nega sua graça, que pode encontrar na fragilidade uma “brecha” para irromper na vida da pessoa. Por outro lado, a saúde psíquica causa, em alguns, fechamento a Deus. A pessoa, orgulhosa de seus talentos, fecha-se à experiência de Deus e à possibilidade de encontrá-lo no seu interior. De qualquer modo, segundo Santa Teresa, há uma passagem obrigatória na vida dos cristãos, se querem crescer em Cristo: a que vai da exterioridade à interioridade. Quem fica na “exterioridade” não consegue entrar em si mesmo para encontrar-se com Deus.
O resultado desta etapa consiste no surgimento de uma opção mais madura por Jesus Cristo, que faz descobrir o significado profundo das pessoas e dos acontecimentos. A autêntica experiência de Deus, na etapa da interiorização, faz superar emoções superficiais. A opção por Jesus Cristo não envolve só o emocional e o afetivo, mas também a liberdade, a consciência, faculdades da decisão. Quem realmente conhece Jesus Cristo aprende a suportar os incômodos da vida. Por isto, nesta etapa, cresce a resistência ao sofrimento e às adversidades da vida. O cristão tem mais consistência e não exige consolações para crer. Sai da relação infantil de troca e comércio com Deus. Experimenta um equilíbrio provisório. Sente que construiu a casa sobre a rocha, os ventos e as tempestades a abalam, mas não a derrubam. Abandona certa superficialidade. O problema é que, chegada a esta etapa da própria caminhada espiritual, o cristão tende a se sentir seguro demais, como se pudesse manipular os caminhos de Deus. Costuma traçar planos para o futuro baseado nos próprios talentos e na experiência acumulada. Não deixa brecha para os imprevistos da graça de Deus. Sente-se, pois, no controle da situação. Costuma contar mais consigo mesmo do que com a graça de Deus. Santa Teresa afirma, nas quartas moradas de seu Castelo Interior, que há o risco de “autocanonização”, ou seja, a pessoa experimenta um excesso de confiança em si e conta menos com ajuda divina, como se Deus quisesse suas obras e não o seu coração. Por isso a próxima etapa – a mais dolorosa de todas – se torna imprescindível: a crise ou “noite escura”. Deus não se deixa manipular como se fosse apenas mais um ao lado de tantos outros. Nós não o conhecemos como se fosse o vizinho da esquina. Não o dissecamos com a nossa razão instrumental que tende à evidência e à demonstração objetiva e fria. Ele é o indemonstrável, o indeterminado que tudo determina, o indisponível que de tudo dispõe. É o que faz existir o ser e não o nada, como fundamento último e transcendente de todo criado. É o ser humano que, se quiser conhecê-lo, terá que se submeter a Ele. Para o seu próprio bem e sua felicidade. Mas terá que aprender que os caminhos de Deus não são os seus caminhos e o fará através da crise ou “noite escura”.
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