22. O CREDO: Padeceu sob Pôncio Pilatos


Padeceu
O Credo, depois de afirmar que Jesus nasceu da Virgem Maria, afirma que ele padeceu. Há um salto, portanto. E a vida de Jesus, o que ele fez antes de sua morte: suas palavras, obras, milagres, o anúncio do Reino, no qual reconhecemos o centro de sua mensagem? O verbo padeceu resume, no Credo, todo o caminho de Jesus, marcado pelo sofrimento. E podemos imaginar quais foram os seus sofrimentos: nasceu numa situação de extrema simplicidade e sua vida em Nazaré não se deu na opulência. Ele certamente trabalhou para ganhar a vida. Naquele tempo, o pai transmitia sua profissão ao filho e Jesus aprendeu a arte da carpintaria com José. Não faz sentido imaginar que Jesus passou 30 anos de sua vida só em oração e recolhido. Jesus conheceu as labutas dos trabalhadores de sua época. Quanto a seu ministério, não lhe angariou sucessos, mesmo se a multidão se admirava com o que ele dizia e fazia. Os fariseus e escribas buscavam por Jesus a prova, pois queriam encontrar motivos para condená-lo.
Ele foi tentado (cf. Mt 4,1-11). O episódio das tentações resume provações sofridas por Jesus ao longo da vida. A pior delas, talvez, a tentação de um messianismo glorioso, fortemente rejeitado por Jesus na obediência ao Pai. “Tudo isso te darei se prostrado, me adorares” (Mt 4,9). Ele resiste: “Vai-te Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e a ele prestarás culto” (Mt 4,10). Sua obediência não desfalece. “Foi ele que, nos dias de sua vida mortal, dirigiu orações e súplicas, com veemente clamor e lágrimas, àquele que podia salvá-lo da morte, e foi atendido por causa de sua submissão. E, embora fosse Filho, pelos sofrimentos suportados, aprendeu a obediência” (Hb 5,8). Foi desacreditado, perseguido, abandonado pelos amigos, traído por um deles. Frente à iminente morte na cruz, revela toda sua angústia: “Tomou consigo Pedro, Tiago e João e começou a sentir medo e angústia. E lhes disse: minha alma está numa tristeza mortal” (Mc 14,33-34). Na cruz, se sentirá abandonado pelo Pai: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes”? (Mc15,34). Jesus se sente abandonado pelo Pai, o que significa um sofrimento cuja intensidade somos incapazes de mensurar. “Trata-se de uma noite para nós insondável”, como afirma o grande teólogo Balthasar.
Mas não devemos cair num dolorismo pessimista. Jesus também se alegrou e conheceu os prazeres saudáveis da vida. Alegrou-se com a proximidade dos apóstolos, com a contemplação da criação de Deus, com a preferência que ele tem pelos mais pobres e simples, que entendem sua mensagem melhor que os sábios e inteligentes (cf. Mt 11,25-26). Jesus amou com todas as fibras do seu ser, e quem ama assim conhece uma alegria e uma paz para além dos sofrimentos cotidianos. Ele tudo vive na confiança em Deus, seu Pai, por isso sua existência não podia ser só de tristeza e sofrimento, porque assim não conseguiria transmitir a beleza de sua mensagem. Nele encontramos uma coincidência total entre ser e fazer. O que faz expressa a riqueza de sua interioridade. Não só anuncia o Reino, mas o Reino se realiza na sua pessoa.Ele é o amor de Deus encarnado. E não o esqueçamos, fomos salvos pelo amor de Jesus que, quando acolhido, transforma nossa vida porque nos faz participar da sua. Não fomos salvos pelos seus sofrimentos, embora eles elevem o amor de Jesus a um grau inimaginável. A cruz simboliza até que ponto chega o amor de Jesus pela humanidade.
Sob Pôncio Pilatos
Quem era Pilatos? Ele era o procurador (prefeito) romano da Judeia na época de Jesus. Governou a Judeia de 26 a 36 d.C. Sua menção no Credo evidencia que o evento salvífico de Deus em Cristo aconteceu em nossa história. A história da salvação se insere na história humana, que se mostra sempre a história de Deus com os homens. O que aconteceu com Jesus pode, portanto, ser historicamente delimitado e datado. Pilatos não é, entretanto, apenas um personagem importante que o Credo menciona por acaso. O Credo afirma que Jesus padeceu sob Pôncio Pilatos, ou seja, Pilatos tinha poder político e o exercia como domínio sobre as pessoas. Representa a potência romana dominadora da Judeia e age segundo interesses políticos e econômicos. Seu poder em nada se parece com o de Deus, que só busca o bem dos outros, porque é amor incondicional.Ele sabe que Jesus é inocente, não encontra nele motivo de condenação (cf. Jo 18,38), mas não quer comprometer suas pretensões políticas e por em jogo sua amizade com o imperador César (cf. Jo 19,12-13). Por isso, cedendo à injustiça, ele entrega Jesus para que seja crucificado (cf. Jo 19,16), lavando, assim, as suas mãos (cf. Mt 27,24). O poder humano costuma se basear apenas em interesses egoístas e arbitrários. E onde entra os interesses do poder, o amor não tem chances de germinar. O Credo nos fala da condenação de Jesus de modo sintético e realista. E é muito preciso: Jesus não padeceu nos tempos em que Pilatos era procurador na Judeia, ele padeceu sob Pôncio Pilatos, ou seja, sob o poder político dominador de Pilatos.
E não só o poder de Pilatos se levanta contra Jesus. Os outros poderes seguem o mesmo caminho: o judeu de Herodes (cf. Lc 23,7-12) e o religioso de Caifás (cf. Mt 26,57-67). Jesus foi condenado também diante do Sinédrio, tribunal judaico da época, mas esse não tinha o poder de condenar à morte a não ser por apedrejamento, como é o caso de Estevão, o primeiro mártir cristão (cf. At 7,54-60). A lapidação que almejam para Jesus é ainda mais cruel e só poderia aplicá-la o poder romano. E esses três poderes juntos conseguem manipular a multidão para que se volte contra Jesus. A mesma multidão explorada por estes poderes é agora por eles manipulada: eis a contradição da história, que parece se repetir ainda hoje. E por que Jesus padece? A resposta é simples: por viver os valores do Reino que ele anunciou (fraternidade, paz, justiça, misericórdia). Tais valores são contrários aos valores do antirreino, que nascem da ganância, do egoísmo e da busca desenfreada do poder. A história se repete quando os justos pagam pelos injustos. Os poderosos sempre manipulam as massas em vista de seus interesses. Jesus é continuamente condenado naquele que sofre as consequências da ganância dos poderes corruptos. Mas a causa de Jesus não se resume no padeceu sob Pôncio Pilatos, ela termina na ressurreição. O Pai toma partido e fica do lado de Jesus. Mas ainda precisamos falar um pouco mais de sua morte, afinal, o Credo continua: foi crucificado, morto e sepultado.
-
94. Silêncio13.07.2023 | 1 minutos de leitura
-
50. A relevância do silêncio no magistério de Francisco08.05.2023 | 32 minutos de leitura
-
66. EspiritualidadeNesse diálogo, refletimos sobre a dimensão da espiritualidade, e sua grande relevância para a atualidade.10.11.2022 | 1 minutos de leitura
-
52. Pe. Johan Konings, O Escritor13.06.2022 | 1 minutos de leitura
-
43. Diálogo InterreligiosoNesse episódio, versamos sobre os esforços para a promoção do diálogo intereligioso na contemporaneidade.24.03.2022 | 1 minutos de leitura
-
28. Tempo do Advento01.12.2021 | 1 minutos de leitura
-
46. Espiritualidade do Advento - Noite da Vigília de Natal“Encontrareis um menino”, diz-nos o anjo. Mas não há encontro sem procura, não há achado sem busca. Para achá-l...25.12.2019 | 8 minutos de leitura
-
45. Espiritualidade do Advento – IV DomingoA fé não se pode converter num sonhar com outra vida, enquanto renunciamos à única existência que possuímos, a que...22.12.2019 | 14 minutos de leitura
-
44. Espiritualidade do Advento – III DomingoEste terceiro domingo do advento é conhecido como domingo da alegria. Chamamo-lo assim por estarmos mais próximos da c...15.12.2019 | 12 minutos de leitura
-
43. Espiritualidade do Advento - II DomingoNeste segundo domingo do advento não teremos a liturgia costumeira, tão bela quanto profunda, sobre o profeta do deser...08.12.2019 | 11 minutos de leitura
- 52. Bendita sois vós entre as mulheres23.09.2022 | 1 minutos de leitura
- 51. O Senhor é convosco15.09.2022 | 1 minutos de leitura
- 50. Cheia de graça08.09.2022 | 1 minutos de leitura
- 49. Maria04.08.2022 | 1 minutos de leitura
- 48. Ave! Alegra-te!27.07.2022 | 2 minutos de leitura
- 47. Ave Maria21.07.2022 | 1 minutos de leitura
- 46. Espiritualidade do Advento - Noite da Vigília de Natal“Encontrareis um menino”, diz-nos o anjo. Mas não há encontro sem procura, não há achado sem busca. Para achá-lo é preciso caminhar, pôr-se...25.12.2019 | 8 minutos de leitura
- 45. Espiritualidade do Advento – IV DomingoA fé não se pode converter num sonhar com outra vida, enquanto renunciamos à única existência que possuímos, a que recebemos como dom de Deus. E...22.12.2019 | 14 minutos de leitura
- 44. Espiritualidade do Advento – III DomingoEste terceiro domingo do advento é conhecido como domingo da alegria. Chamamo-lo assim por estarmos mais próximos da celebração do Natal; a salva...15.12.2019 | 12 minutos de leitura
- 43. Espiritualidade do Advento - II DomingoNeste segundo domingo do advento não teremos a liturgia costumeira, tão bela quanto profunda, sobre o profeta do deserto; João Batista. Não teremo...08.12.2019 | 11 minutos de leitura