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13. O livro de Habacuc: A desconcertante impotência do Deus Onipotente

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22.12.2013 | 6 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Livros Bíblicos
13. O livro de Habacuc: A desconcertante impotência do Deus Onipotente

O Livro de Habacuc é como outros livros da coleção dos profetas menores: minúsculo. São apenas três capítulos de muita fé e nenhuma ilusão: um hino à desconcertante impotência de Deus, diante da liberdade humana.


Para entender bem a mensagem de Habacuc, recordemos o tempo ao qual o profeta se refere. Mesmo sabendo das difíceis questões que envolvem a datação dos livros bíblicos e até mesmo da atuação dos profetas, podemos afirmar que Habacuc é posterior à queda de Samaria (722 aC.), quando o Reino do Norte – Israel – foi atacado pela Assíria. Nosso profeta fala do avanço dos caldeus ou babilônios, que vinham se impondo no cenário internacional e ganhando o respeito dos inimigos. Muitos se entusiasmaram com a ascensão da Babilônia, entendendo que este reino teria um domínio mais humano sobre os pequenos e vingaria os desmandos da Assíria. Muitos se alegraram, pois a queda do inimigo sinalizava a presença potente de Deus na história. Doce ilusão! Habacuc não está entre esses escritores que espera a recompensa de Deus. Sabe que um reino sucede a outro, mas não se ilude com essa flutuação de poderes. “São todos iguais”, pensa ele. E segue sua vida sem se abalar com os desmandos dos poderosos, apenas confiante na presença de Deus.


Poderíamos dizer que nosso profeta é um descrente. Sua descrença, porém, é cheia de fé. Habacuc é descrente, pois não acredita que Deus vai vingar a maldade dos ímpios e premiar os bons. Vê a vida com um realismo tal, que chega a causar espanto nos leitores mais piedosos. Percebe a impotência do Deus Onipotente e exclama: “Até quando ficarei clamando sem que me dês atenção? Até quando gritarei por ti: ‘Violência!’, sem que me tragas salvação?” (1,2). Habacuc se sente desiludido. Grita e torna a gritar por socorro, mas o socorro não vem do céu como lhe ensinaram. Deus parece não se importar com o sofrimento do profeta e de sua gente. A vida segue seu curso, sem que Deus interfira; sem que ele desça seu braço forte sobre os malvados; sem que ele cubra com seu manto protetor os bons. Por outro lado, Habacuc é homem de fé, de uma fé tão madura e consistente, que – mesmo diante das contradições da vida, do silêncio de Deus, da sua impotência – o profeta não se abala. Sua fé independe da ação divina, da intervenção de Deus. E garante: “O justo vive da fé” (2,4); não da intervenção justiceira de Deus.


O realismo deste livro nos desconcerta. Ao olhar para o mundo, a vida, as pessoas, Habucuc nota que o fato de crer no Senhor onipotente não elimina a dor, nem o sofrimento, nem a morte... nada! Ele chega a peitar Deus, quase com insolência: “Por que ficas, então, olhando os velhacos e te calas quando um patife engole alguém mais correto do que ele?” (1,13). Habacuc está digerindo a indigesta aporia da fé: “O Deus Onipotente é impotente diante do mal que assola a Terra”’. Parece que Deus fica de camarote assistindo a derrocada dos bons; ele olha a vitória dos maus e não faz nada; continua impassível, sem reação de vingança a favor dos bons. Nosso profeta está estarrecido diante desta descoberta. O que fazer diante disto? Renegar a fé? Esquecer a presença amorosa de Deus que o acompanhou até agora? Desdenhar a experiência de fé que seus pais lhe transmitiram? Não! Habacuc faz uma descoberta maravilhosa que aparece descrita no seu texto: “Vai se acabar quem não é reto; o justo viverá pela fé!” (2,4). Nosso profeta percebe que a fé vale a pena, independente de qualquer resultado prático. E que a maldade não vale a pena, ainda que traga muitos benefícios imediatos. Por isso, elenca depois desta descoberta uma seqüência de cinco “ais”: ai de quem se enriquece injustamente; ai dos que querem a todo custo escapar da pobreza; ai dos que constroem sua vida com o sangue; ai dos que causam desonra; ai dos que escolhem os ídolos – em vez do Deus vivo!


Ao final do livro – capítulo 3 – Habacuc reza. Uma bela oração! “Mas para que rezar, se Deus não faz nada?”, perguntariam alguns. Habacuc segue rezando, pois sua oração não quer mudar Deus, nem convencê-lo de nos fazer o bem ou nem lhe apontar o mal que ele displicentemente não vê. O profeta reza, pois quem crê não põe sua referência em si mesmo, mas em Outro que é maior do que ele. Habacuc continua rezando, ainda que Deus não atenda sua prece, ainda que ele não vingue os maus. A oração é como a fé; tem valor em si mesma; independe da ação de Deus. A resultante da oração não é a intervenção divina, mas a comunhão com ele, a crescente confiança na sua presença, o fortalecimento dos laços de amizade com Deus. Este fruto é certeiro; os outros possíveis, dependendo da correnteza da vida.


Habacuc nos ensina que o maior prêmio que a fé pode trazer é uma vida colocada nas mãos de Deus com toda confiança. Ainda que Deus pareça impotente, ainda que a injustiça pareça reinar, ainda que nossas preces fiquem sem resposta, O Deus Onipotente está conosco nos amando e amparando. Sua onipotência não se encontra numa intervenção mágica e milagreira que tiraria a vida de seu curso normal, que romperia com a liberdade humana, que alteraria o curso da história. A pregação do profeta elimina aquela fé interesseira através da qual buscamos Deus não pelo que ele é, mas por causa de seus favores. Ele nos ensina que crer vale a pena e não há recompensa maior para a fé que o próprio ato de crer. A onipotência de Deus se revela na sua presença constante, no seu amor sem igual. Sua força não está na sua capacidade de intervir, mas na capacidade de nos amar sem limites...






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