92. O povo gosta


Quando criticados sobre certas posturas pastorais, alguns presbíteros não hesitam em encher a boca para dizer: “...mas o povo gosta!”. Justificando-se a partir do gosto popular, trabalham mais ou menos como políticos populistas, sempre no interesse de agregar mais gente e captar a benevolência das massas, como se número elevado de pessoas fosse critério da ação do Espírito. E a ladainha de justificativas segue: o povo gosta, o povo se ajunta quando fazemos assim, a igreja fica lotada etc.
Não sei de onde vem esse modo de justificar a pastoral, mas suspeito que ela não coadune com o evangelho de Jesus Cristo. Apesar de os Evangelhos, sempre hiperbólicos, mostrarem Jesus acompanhado de multidões, o Homem de Nazaré não seguiu gostos populares: suas palavras nem sempre agradaram, sua pregação nem sempre comoveu os interlocutores, seus ensinamentos nem sempre arrecadaram a benevolência dos ouvintes, sua ação libertadora nem sempre foi bem acolhida. Não faltam nos escritos do NT exemplos que mostrem isso. Tomemos apenas dois. No Evangelho de João, quando Jesus fala abertamente sobre “comer sua carne e beber seu sangue”, ou seja, assumir a sua existência e nutrir-se do que movia sua vida, seu discurso escandalizou a muitos. Em vez de agregar multidões, Jesus espalhou. Alguns de seus seguidores até desistiram de continuar o caminho com o Mestre depois de uma exigência tão radical. Jesus, vendo que muitos se foram, perguntou aos discípulos se também eles não queriam deixá-lo. Pedro – sempre intempestivo – respondeu: “A quem iremos, Senhor? Só tu tens palavras de vida eterna (Jo 6,68). As palavras de Jesus não caíram no gosto popular e ele não fez muito sucesso. Outro exemplo: Marcos, querendo mostrar que o ser humano é lugar da ação divina e não opressão e exploração, relata o curioso caso dos espíritos que saíram de um homem e foram parar nos porcos (tão impuros quanto eles!). Ao ver o prejuízo que Jesus deu pois os porcos foram precipitados no abismo, o povo ficou descontente e pediu a Jesus para sair de Geraza. Bastam esses dois exemplos para mostrar que o discurso de Jesus incomodava; sua prática pastoral não agradava sempre. Tanto é que não demorou muito para o Nazareno ir parar numa cruz, denunciado por companheiros da sua religião. O mesmo aconteceu com os discípulos Paulo, Pedro, Estevão e tantos outros que seguiram os caminhos do Crucificado. Tendo sido fiéis aos ensinamentos de Jesus, desagradaram multidões, foram presos, perseguidos e tiverem o mesmo fim do Mestre.
O contrário, porém, pode ser verdade. Quanto mais populista o discurso, quanto mais mágico-pentecostal a prática pastoral, mais o trabalho pode cair no gosto popular e agradar multidões imensas. Em Atos dos Apóstolos, Lucas insiste em mostrar que a pitonisa faz sucesso e Simão, o mago, tem multidões em torno dele.
Assim, o gosto popular não é critério pastoral seguramente evangélico, apesar de muitos presbíteros insistirem nessa argumentação. Não basta o povo gostar para a prática pastoral ficar legitimada. Um povo com formação cristã duvidosa costuma gostar de coisas abomináveis, e o gosto do povo costuma justificar vícios pastorais que há muito já deveriam ter sido superados. Um círculo vicioso se forma: o povo não é bem formado, a falta de formação cria costumes que caem no gosto do povo, o gosto do povo torna-se critério pastoral... Ora, se o povo está gostando, para que outra formação, para que mexer, para que inovar? E assim vai... Na preguiça de soar a camisa pelo reino, muitos seguem dizendo “fazemos assim porque o povo gosta”.
Aos que continuam com o mesmo e velho refrão “o povo gosta’, lembramos duas coisas: o povo gosta porque não conhece coisa melhor; o gosto do povo não é critério teológico. Fica aí a dica!
Dica anterior: 91. Missa de Cura
Próxima dica: 93. O Deus do sucesso
-
280. “Tu lhes falarás minhas palavras – quer te escutem quer não – pois são uns rebeldes” (Ez 2,7)O anúncio da palavra da vida não se apresenta como tarefa fácil, mas sempre necessária apesar dos percalços. Fazer-...24.08.2020 | 1 minutos de leitura
-
279. “Não terás outros deuses além de mim” (Ex 20,3)Uma tentação que sempre perseguiu o povo da Bíblia é a de trocar o Deus da vida por ídolos, que prometem vida fáci...12.08.2020 | 1 minutos de leitura
-
278. “Toda a comunidade dos israelitas partiu para o deserto de Sin, seguindo as etapas indicadas pelo Senhor” (Ex 17,1)O deserto é lugar de desolação, de solidão, de prova, de abandono. Mas é também lugar do encontro com Deus e de fa...04.08.2020 | 1 minutos de leitura
-
277. “O Senhor disse a Moisés: Ordena aos israelitas para que mudem de rumo” (Ex 14,1)Sempre é tempo de mudar nosso destino e iniciar um percurso de recomeço. A pandemia e o distanciamento social que ela ...24.07.2020 | 1 minutos de leitura
-
276. “O ser humano tem a vida curta e cheia de inquietações. É como a flor que se abre e logo murcha” (Jó 14,1)A ligeireza da vida deveria ser para nós motivo para o bem-viver. O tempo passa tão rápido. Fechamos os olhos e quand...23.07.2020 | 1 minutos de leitura
-
275. “Deixa, pois, que alivie um pouco a minha dor” (Jó 10,20)A prece de Jó hoje é nossa. O peso da vida tem nos feito curvar e quase sucumbir. Rezamos todos os dias um rosário ...22.07.2020 | 1 minutos de leitura
-
274. “Acaso sou forte como as pedras? E minha carne será de bronze?” (Jó 6,12)Nesses tempos de crise sanitária por causa do coronavírus e de crise humanitária por causa do descaso do governo, é ...17.07.2020 | 1 minutos de leitura
-
273. “Que tipo de casa podereis construir para mim? Que lugar me poderia servir de pousada?” (Is 66,1b)Em tempos de pandemia, quando não podemos nos reunir para celebrar a liturgia eucarística, nunca é muito lembrar que ...03.07.2020 | 1 minutos de leitura
-
272. “Procurai o bem e não o mal para poderdes viver e para que assim o Senhor esteja convosco” (Am 5,14)O Deus da vida, amoroso e bom, nos dispensa seu amor e nos oferece sua graça sem exigir nada de nossa parte. Mas, para ...01.07.2020 | 1 minutos de leitura
-
3. Carta aberta à ComunidadeQuando receber a visita dos catequistas da paróquia, acolha-os com carinho. Se tem crianças ou jovens em casa, procure...14.02.2020 | 3 minutos de leitura
- 109. Mapear as necessidadesBasta a gente ter boa disposição e humildade para aprender.05.11.2020 | 4 minutos de leitura
- 108. Organizar para melhor servirPara se fazer uma boa pastoral é preciso planejamento e investimento. É preciso saber onde estamos e onde queremos chegar. Só aí podemos traçar o...21.10.2020 | 4 minutos de leitura
- 107. O caos pastoralNesses tempos de pandemia, por exemplo, não seria difícil acompanhar as famílias, os idosos, os doentes, os desempregados etc., se tivéssemos tudo...15.10.2020 | 4 minutos de leitura
- 106. Em tempos de pandemiaA pandemia revelou a fragilidade de nossa pastoral. Escorada em duas pernas de barro, os sacramentos e a devoção popular, nossa pastoral ruiu quando...13.10.2020 | 5 minutos de leitura
- 105. Sétima arte a serviço da fé cristãO cinema conquistou seu espaço no mundo da arte. Ganhou status, cresceu, caiu no gosto popular. Nos tempos idos, havia a magia da película projetada...14.06.2018 | 3 minutos de leitura
- 104. O bicho papão do comunismoNossa gente vive com medo do bicho papão do comunismo. Reforçam essa fantasia o tal segredo de Fátima, as ditas aparições de Nossa Senhora em Med...06.06.2018 | 3 minutos de leitura
- 103. Elogio à diversidadeFaz parte da cultura judaica a diferenciação. No primeiro relato da criação no Livro do Gênesis (1,1–2,4), essa diferenciação fica muito bem ...15.05.2018 | 3 minutos de leitura
- 102. Crendices e temores quaresmaisCom a quaresma chegam as crendices e os medos. Apesar de toda informação disponível hoje, não falta quem pense que esse tempo é mais perigoso que...28.03.2018 | 3 minutos de leitura
- 101. Penitências quaresmaisQuaresma: tempo de conversão e, por isso, tempo de penitência, ensina a Igreja. A penitência quaresmal ganha diversos formatos, especialmente nas p...14.03.2018 | 4 minutos de leitura
- 100. Rituais apenas10.01.2018 | 2 minutos de leitura