29. Palmas na liturgia


Eu ando meio cansada desta onda de reclamações que ecoa por aí devido à “bateção de palmas” que o povo arranja nas missas. Há alguns insistindo em querer que a missa com o povo siga o padrão das missas clássicas, com um coral cantando a três vozes em latim, o povo caladinho assistindo ao espetáculo, sem um único gesto que possa quebrar a sintonia litúrgica.
Ora, esse tempo virou quimera. Como escreveu o cantor e compositor Ari Barroso, na canção Risque: “Creia, toda quimera se esfuma, como a brancura da espuma que se desmancha na areia”. Seria tolice de nossa parte querer que os tempos antigos voltem e com ele suas liturgias. Vivemos outro momento, em que a assembleia deseja participar, manifestar-se, exprimir-se de forma mais espontânea e livre na liturgia. Coisa bem difícil, admito, uma vez que a liturgia já tem seu ritual próprio e até os “améns” permitidos à assembleia têm hora e lugar de acontecer. Não podendo extravasar e fazer da liturgia verdadeira expressão da vida como gostaria, nossa gente só pode bater palmas, quando, num repente de alegria e júbilo, desejaria fazer bem mais, é verdade. Vai e volta, quando o padre termina a proclamação do Evangelho, alguém puxa umas palmas. É só a equipe de música tirar uma canção mais animadinha e lá vai nossa gente batendo palmas de novo. E, quando não são palmas, são mãos estendidas para o alto, balançando o folheto de música, numa tentativa quase inglória de dar vida a uma liturgia que – infelizmente – ainda não favorece a participação dos leigos.
Eu sei que a liturgia tem seu ritmo, que cada gesto, cada símbolo, cada rito tem seu significado. Mas que adianta teólogos e liturgistas saberem disso, se isso não diz nada à nossa gente? Nossa gente não reza mais como nós rezávamos, precisamos admitir. Certamente uma influência neopentecostal contribuiu, mas isso também não é o fim do mundo. Em vez de a gente ficar resmungando por causa das palmas, dos améns fora de hora, da mão estendida mais alto que a moderação católica admite, não seria razoável nos perguntar: “o que podemos fazer para que o povo de fato celebre a liturgia?”. Somos ou não um povo sacerdotal, como afirma a Primeira Carta de Pedro? Ou a liturgia é do presbítero e não, como ensinou o Vaticano II, do povo celebrante?
Percebo também que, para os ouvidos sensíveis de religiosos que durante sua vida inteira rezaram a missa dentro de seus conventos e seus seminários, a barulheira de nossa gente pode ser um incômodo. Mas seria bom lembrar que nós, os teólogos e religiosos, somos minoria na liturgia. Nossa gente, acostumada com o barulho das escolas de samba ou do batidão do funk (enquanto nós cantamos gregoriano ao som de órgão), não está dando conta de nossas músicas, ditas litúrgicas, sem se dar pelo menos o direito de ritmá-las com palmas.
Eu pediria tolerância aos presbíteros, em nome do amor… Não reprimam nossa gente com indelicadezas de sermões moralistas ou com argumentos que zelam pelas normas litúrgicas e não pelo povo. Não pode haver norma maior que o direito do povo de celebrar a vida a seu modo, ainda que nós teólogos preferíssemos que a celebração tomasse outros formatos. Vamos pensar nisso?
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