531. REFLEXÃO PARA O DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO – Lc 19,28-40 (Ano C) – PROCISSÃO
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12.04.2025 | 13 minutos de leitura

Evangelho Dominical

Com a liturgia do Domingo de Ramos, a Igreja abre solenemente a Semana Santa, recordando a entrada decisiva de Jesus na cidade santa de Jerusalém e os últimos momentos da sua vida terrena, ao fazer memória da sua paixão e morte na cruz. Por isso, nesta celebração são lidas duas passagens do Evangelho, compreendidas como reciprocamente complementares. Neste ano, por ocasião do ciclo litúrgico C, as duas passagens são tiradas do Evangelho de Lucas: 19,28-40 e 22,14–23,56. Apesar da considerável distância entre elas, ambas estão intrinsecamente relacionadas, tanto por afinidade quanto por contraste, afinal, aquele que morre na cruz, praticamente abandonado por todos, é o mesmo que foi euforicamente aclamado rei, ao entrar na cidade. Isso torna a liturgia deste domingo, como é a de toda a semana santa, altamente paradoxal. A primeira passagem do Evangelho lida neste dia corresponde ao relato mesmo da entrada de Jesus em Jerusalém, enquanto a segunda consiste na narrativa da paixão, morte e ressurreição.
Como se sabe, os quatro evangelistas são unânimes em narrar a entrada decisiva de Jesus em Jerusalém, cada um à sua maneira, como acontece com os outros eventos igualmente narrados pelos quatro. Cada evangelista o fez de acordo com suas intenções teológicas, suas habilidades literárias e as necessidades catequéticas das comunidades destinatárias. Tratemos, portanto, do relato lucano, como prescreve o ano litúrgico vigente. Começamos por recordar que em todos os evangelhos, a entrada decisiva de Jesus em Jerusalém possui grande importância. Se trata de um momento marcante da sua vida com amplas repercussões na vida de seus seguidores, e é isso o que confere tanta relevância ao relato. Pode-se afirmar, contudo, que esse acontecimento adquire um significado ainda mais profundo no contexto do Evangelho de Lucas, especialmente quando se considera o conjunto da obra. Ora, até este ponto – capítulo 19 –, grande parte da narrativa foi construída sob a perspectiva do caminho de Jesus da Galileia a Jerusalém. Portanto, a chegada na grande cidade foi altamente preparada, alimentada por muitas expectativas. Foram praticamente dez capítulos de preparação, nos quais Lucas mostrou Jesus apresentando seus ensinamentos mais profundos e originais. E a entrada em Jerusalém é a conclusão desse percurso.
O caminho de Jesus para Jerusalém começou ainda em 9,51, quando o evangelista afirmou que ele tomou uma “firme decisão”. Um pouco antes, na transfiguração, com exclusividade, Lucas disse que Moisés e Elias conversavam com Jesus sobre o “êxodo” dele que se consumaria em Jerusalém (Lc 9,30-31). Portanto, ao entrar na cidade, o êxodo começa a acontecer, o que foi amplamente preparado. Ao longo do caminho, o evangelista recordou várias vezes que a meta era Jerusalém, o que vem a recordar de novo, já perto da entrada: «Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém» (v. 28). Ao caminhar à frente, Jesus demonstrava consciência e determinação do que estava fazendo. Estando à frente, ele assumia sua condição de Senhor e mestre, aquele indica o caminho e deve ser seguido. Ele assume um protagonismo único, a ponto de não poder ser substituído por ninguém. Quer dizer que ninguém poderia distraí-lo nem o desviar do seu propósito. O trecho do caminho em que se encontravam, de acordo com este primeiro versículo do evangelho de hoje, era exatamente a penúltima etapa. Já tinham passado de Jericó, onde Jesus fez coisas admiráveis: curou um cego (18,35-43) e provocou a conversão de Zaqueu, um chefe dos cobradores de impostos (19,1-10). O caminho, portanto, estava sendo altamente positivo, enquanto oportunidade de realização do Reino de Deus, mediante o agir compassivo e humanizante de Jesus.
A última etapa do caminho começa no monte das Oliveiras, de onde já estavam se aproximando, como diz o texto: «Quando se aproximou de Betfagé e Betânia, perto do monte chamado das Oliveiras, enviou dois de seus discípulos» (v. 29). A proximidade destes povoados indica que Jerusalém já estava muito perto, inclusive, já poderia ser vista. O percurso que falta é muito curto, por isso, começam os preparativos para a chegada propriamente. Dos dois povoados mencionados, Betânia ocupa um lugar especial no Novo Testamento, cujo nome pode significar “casa da aflição” ou “casa dos pobres”, duas nomenclaturas que se aplicam muito bem à teologia de Lucas, o evangelista da misericórdia e da clara opção pelos pobres. O monte das oliveiras constitui outro indicativo especial, em todos os evangelhos, e mais ainda na obra lucana, pois é o lugar da ascensão (Lc 24,50; At 1,12): se foi de lá que Jesus partiu para a cruz, será de lá também que partirá para os céus, retornando ao mundo do Pai, após a ressurreição. Com isso, o evangelista ressalta a inseparabilidade entre a cruz e a glória na vida de Jesus, como deve ser na vida dos seus seguidores em todos os tempos. Entre a entrada de Jesus em Jerusalém e sua saída para a ascensão está a totalidade do mistério pascal.
O monte das Oliveiras, localizada a cerca de três quilômetro de Jerusalém, é sempre um ponto de partida no êxodo de Jesus e da comunidade dos seus seguidores. De lá, ele ordena a dois dos seus discípulos: «Ide ao povoado ali na frente. Logo encontrareis um jumentinho amarrado, que nunca foi montado. Desamarrai-o e trazei-o aqui» (v. 30). Aqui surge a primeira surpresa do relato, pois até então, desde o início da vida pública, o evangelista não fez qualquer aceno à utilização de um animal de montaria como meio de transporte empregado por Jesus. Em suas andanças pela Galileia, à exceção de quando atravessava o lago de Genesaré em barco, tudo indica que Jesus se locomovia a pé, enquanto desenvolvia sua missão itinerante. De repente, quando o destino já estava tão próximo, fala-se da escolha de um animal para montar. O sentido, obviamente, é teológico. Trata-se de uma ação simbólica que ele vai cumprir, à maneira dos antigos profetas. Ora, os discípulos continuavam alimentando expectativas triunfalistas, imaginando seguir um messias guerreiro, valente. A escolha do jumentinho como montaria serve para tirar de vez todas essas expectativas. O jumento representa o oposto do cavalo, montaria dos guerreiros e poderosos, como os discípulos imaginavam o Messias. Contudo, ao contrário das expectativas, a tradição profética apontava um Messias humilde, montado justamente em um jumentinho novo (Zc 9,9). Mas a expectativa dos discípulos não estava ancorada nesta passagem.
À ordem dada, os discípulos obedecem e fazem tudo conforme as instruções recebidas, mesmo sem entender: «Os enviados partiram e encontraram tudo exatamente como Jesus lhe havia dito. Quando desamarravam o jumentinho, os donos perguntaram: “Por que estais desamarrando o jumentinho?” Eles responderam: “O Senhor precisa dele”» (vv. 32-34). A princípio, tudo parecia previamente ajustado com os donos do jumentinho, devido à conformidade entre a ordem de Jesus e aquilo que os discípulos encontraram. Mas a pergunta dos donos do jumentinho revela o contrário. Com isso, o evangelista imprime mais dramaticidade à sua narrativa, provocando mais surpresa no leitor. O fato de o “Senhor precisar” do jumentinho ressalta sua predileção pelo que parece desqualificado. Recorda as opções de Deus pelo que é frágil e pequeno. Também revela que Jesus já não se preocupava mais em manter sua messianidade em sigilo. Ele mesmo deseja revelar quem é, até para convencer os discípulos que não era um Messias conforme eles sonhavam, ou seja, guerreiro e valente. É um Messias simples, pobre, desprovido de qualquer recurso que inspire segurança e poder. Um Messias totalmente ao revés das expectativas, embora respaldado pela tradição profética.
Não se sabe se a justificativa dos discípulos para levar o jumentinho convenceu os proprietários, mas tudo indica que sim, pois eles «levaram o jumentinho a Jesus. Então puseram seus mantos sobre o animal e ajudaram Jesus a montar» (v. 35). Provavelmente, prepararam o jumentinho para Jesus montar a contragosto, vendo ruir as últimas expectativas de sucesso e anseios de grandeza, afinal, estavam preparando uma montaria inexpressiva, incompatível com a realeza e o poder que esperavam possuir o sonhado Messias. Mesmo assim, cederam seus mantos e ajudaram Jesus a montar. Há quem veja nesta dupla atitude uma imagem da missão da Igreja: ceder o que tem para que o Evangelho possa ganhar o mundo, espalhar-se, passar adiante. O manto, na tradição bíblica, é sinal de segurança e dignidade. E a segurança e a dignidade da Igreja consistem exatamente em servir o Evangelho, facilitar seu caminho pelo mundo. Montado, Jesus cumpre seu destino. E, por onde passa, transforma, humaniza e salva, através do seu amor. Ao montar o jumentinho, definitivamente Jesus faz desmoronar todas as aspirações de poder nos seus discípulos. Ele revela de uma vez por todas que o seu Reino não é deste mundo, pois não se configura à maneira como os reis deste mundo exercem o poder. Apesar de não ser deste mundo, é claro que o Reino dele é para este mundo, pois consiste na efetivação do sonho de Deus para este mundo: a instauração da civilização do amor, com a primazia da justiça, da fraternidade e da paz. Por sinal, a paz é outro bem messiânico anunciado pela imagem do jumentinho. Enquanto os reis “normais” usavam cavalos, tradicional instrumento de guerra, Jesus monta um animal que evoca humildade, mansidão e paz.
Depois de montado, diz o evangelista que «enquanto Jesus passava o povo ia estendendo suas roupas no caminho» (v. 36). Isso quer dizer que ele estava sendo reconhecido como Messias ou pelo menos como cumpridor de um gesto profético. Estender as roupas para que ele passasse significa saudá-lo com as honrarias reservadas a um rei. Isso traz alegria aos discípulos, levando-os a recordar o que ele já tinha feito em favor das pessoas durante o seu ministério. Por isso, «Quando chegou perto da descida do monte das Oliveiras, a multidão dos discípulos, aos gritos e cheia de alegria, começou a louvar a Deus por todos os milagres que tinha visto» (v. 37). A descida do monte das Oliveiras é, de fato, a última etapa do caminho para entrar em Jerusalém. Deus é louvado pelo que Jesus fez em seu nome, pelo seu agir compassivo. Para Lucas, quem louva a Deus por Jesus e o aclama rei é a multidão dos discípulos; são eles quem reconhecem Jesus como Messias e rei, e não toda a multidão dos peregrinos. Também chama a atenção que Lucas, e somente ele, omite qualquer menção aos ramos e palmas estendidos em honra a Jesus.
Enquanto aclamavam Jesus, «Todos gritavam: “Bendito o Rei, que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!”» (v. 38). Finalmente, Jesus ele é reconhecido como rei. Essa expressão de reconhecimento é feita pela síntese de uma citação do Salmo 118,26 e parte do canto dos anjos pelo nascimento de Jesus, texto do próprio Lucas, no início do seu Evangelho (Lc 2,14). O Salmo citado fazia parte da liturgia das grandes festas de Israel. Jesus é reconhecido rei porque vem em nome do Senhor. E tudo o que ele fez foi promover o Reino de Deus, com seu agir misericordioso em favor de todas as pessoas, especialmente as mais necessitadas. Ora, vir em nome de alguém significa possuir todas as prerrogativas para agir em seu lugar, trazendo toda a dignidade e autoridade. Com isso, o evangelista expressa a plena identificação de Jesus com Deus, o Pai. De fato, Jesus é o enviado de Deus para revelar plenamente o seu rosto ao mundo. E o rosto de Deus que revelou é todo misericórdia e amor. É um grande avanço que os discípulos o reconheçam como rei, embora recuem pouco tempo depois, durante o processo, como se vê no relato da paixão. E o reconhecem como um rei de paz, que não exerce o poder pela força nem violência. O fato de vir montado num jumentinho já indica isso.
Como acontece em todos os momentos da vida de Jesus, também na sua entrada em Jerusalém não falta a tradicional oposição, como observa o evangelista: «Do meio da multidão, alguns dos fariseus disseram a Jesus: “Mestre, repreende teus discípulos!”» (v. 39). Essa objeção dos fariseus é mais uma exclusividade de Lucas, como é também a resposta de Jesus a eles. É claro que os fariseus não aceitavam que Jesus fosse aclamado rei pelos seus discípulos e nem pelas multidões. Por isso, querem que Jesus não apenas silencie os discípulos, mas os repreenda, certamente porque viam como blasfema a aclamação, além de perigosa politicamente, pois poderia provocar a reação dos romanos, o que traria consequências para toda a população. A intervenção dos fariseus, portanto, pode ser vista como indício de inveja e, ao mesmo tempo, de medo e precaução, tendo em vista que a proclamação de um judeu como rei significava mesmo uma afronta ao poder dominante, o que era bastante perigoso. Essa é a última participação dos fariseus no Evangelho de Lucas. Isso quer dizer que eles não participam do complô final que levará Jesus à morte na cruz, segundo a perspectiva lucana, apesar de terem sido adversários tão combativos durante sua vida pública.
À objeção dos fariseus, «Jesus, porém, respondeu: “Eu vos declaro: se eles se calarem, as pedras gritarão”» (v. 40). Trata-se de uma resposta carregada de ironia, como costumavam ser suas reações aos questionamentos dos fariseus. Apesar de jamais reivindicar honrarias para si, Jesus não se opõe à aclamação dos discípulos, reconhecendo-o como rei. Se eles conviveram tanto com ele, ouviram seus ensinamentos, viram suas obras, deveriam compreender a natureza da sua realeza. A resposta de Jesus indica tratar-se de algo inevitável, uma realidade que não poderia mais permanecer oculta, como eram a sua realeza e messianidade. Ele é bendito porque vem da parte de Deus. Sua vida é a resposta de Deus ao mundo em todas os sentidos. Seu jeito de amar, de perdoar, de escutar, enfim, seu jeito de viver, constitui a maneira de Deus responder à humanidade inteira, mesmo sem receber qualquer correspondência. Os discípulos, portanto, não devem ser silenciados apenas porque há quem não concorde com eles. Mesmo que ninguém lhes dê atenção, eles devem anunciar Jesus com sua verdadeira identidade, sua condição de enviado de Deus para transformar o mundo pelo amor. Por isso, ele é rei, embora diferente dos reis deste mundo.
Celebrar o Domingo de Ramos, portanto, é declarar-se da parte de Jesus, assimilando a sua vida e suas posições com a própria vida. É reconhecer o seu amor como único caminho de humanização do mundo, com disposição para assumir as consequências que essa opção implica.
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