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255. REFLEXÃO PARA O 7º DOMINGO DO TEMPO COMUM – Lc 6,27-38 – Ano C

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19.02.2022 | 1 minutos de leitura
Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues
Evangelho Dominical
255. REFLEXÃO PARA O 7º DOMINGO DO TEMPO COMUM – Lc 6,27-38 – Ano C
Neste sétimo domingo do tempo comum, a liturgia propõe a continuação da leitura do chamado “discurso da planície” do Evangelho de Lucas (cf. Lc 6,17-49), versão paralela e alternativa ao famoso “discurso da montanha” do Evangelho de Mateus (cf. Mt 5–7). Certamente, ambos os evangelistas utilizaram a mesma fonte ou tradição, mas cada um adaptou-a às suas intenções teológicas e às necessidades de suas respectivas comunidades, de modo que são bem evidentes as diferenças entre as duas versões, conforme já acenamos na reflexão do domingo passado, a começar pelo cenário da cena: enquanto Mateus localiza o discurso no alto de uma montanha, Lucas diz que a proclamação se deu numa planície. Além das variações no conteúdo, talvez essa seja a principal diferença entre as duas perspectivas.

O texto lido hoje – Lc 6,27-38 – é a sequência imediata daquele do domingo passado (cf. Lc 6,17.20-26). Naquela ocasião, Jesus identificou um mundo escandalosamente dividido entre pobres e ricos, pessoas que choram e outras que sorriem, saciados e famintos, perseguidos e exaltados. Movido por uma íntima relação com o Pai, pois tinha acabado de descer da montanha, onde tinha orado ao Pai e escolhido os Doze, Jesus tinha certeza que aquele mundo dividido e desigual não correspondia aos propósitos de Deus. Por isso, ele tomou partido pelo lado mais fraco, o lado dos pobres e famintos, os que choram e são perseguidos, proclamando-os bem-aventurados e incentivando-os à luta perseverante e transformadora, para superar aquele abismo, garantindo-lhes a primazia no Reino de Deus, que se constrói desde agora. Por outro lado, aos ricos, risonhos, saciados e exaltados, Jesus proferiu sérias denúncias, com a proclamação das chamadas “maldições”, introduzidas pela fórmula profética de lamento e denúncia “ai de vós”. É necessário recuperar essa imagem de um mundo dividido e desigual, para compreender a mensagem do evangelho de hoje, que pode ser considerado um hino ao amor e ao perdão.

Antes de tudo, é interessante recordar que Jesus não se limitou a diagnosticar a situação. Ele foi bem além. Claramente, ele escolheu um lado, o dos pobres e pequenos, e propôs um caminho de superação, correspondente aos propósitos do Pai: “A vós, que me escutais, eu digo: amais os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam” (27). O convite à escuta é um importante indicativo da transmissão oral do ensinamento, inicialmente; é também um indício de importância da mensagem, que é destinada a todas as pessoas que, em qualquer época, tenham contato com o Evangelho. Inclusive, a sequência da mensagem vai revelar seu caráter universalista. Ora, diante de um mundo ferido pela ganância, desigual e dividido, o caminho de superação não pode ser outro senão o amor. É o amor a base da sociedade alternativa proposta por Jesus, correspondente ao que ele chama de Reino de Deus.

Por “inimigos”, neste texto e neste primeiro versículo, sobretudo, compreende-se as pessoas que praticam o mal, aquelas que são prejudiciais e responsáveis pelo sofrimento do outro. São as pessoas que, segundo uma lógica puramente humana, deveriam ser odiadas. Jesus propõe uma verdadeira revolução pelo amor, e esse é o grande diferencial da sua mensagem. Para isso, não ilustra seu ensinamento com exemplos abstratos, mas com situações bem concretas: “Bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles que vos caluniam. Se alguém te der uma bofetada numa face, oferece também a outra. Se alguém te tomar o manto, deixa-o levar também a túnica. Dá a quem te pedir e, se alguém tirar o que é teu, não peças que o devolva” (vv. 28-30). Essas são situações do dia-a-dia, acessíveis a todos e todas e bastante desafiadoras. Provavelmente, eram situações já vividas pelas primeiras comunidades cristãs e agravadas nos tempos em que Mateus e Lucas compuseram suas obras, por volta das décadas de 70 e 80 do primeiro século. Diante das hostilidades, era forte a tendência a distanciar-se da radicalidade exigida pela mensagem de Jesus que é seu próprio jeito de viver. Por isso, a insistência dos evangelistas.

Como se vê, Jesus não ensina uma doutrina, mas apresenta uma proposta de vida, cuja regra de ouro é: “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles” (v. 31). Essa regra é a resposta a todo movimento ou sistema que prega a violência ou a reciprocidade nas relações. É considerada a regra de ouro da caridade e da vida cristã. Embora tenha antecedentes no Antigo Testamento, a formulação de Jesus é original. Em Tb 4,15a, temos: “Não faças a ninguém o que não queres que te façam”. A originalidade da formulação de Jesus é a motivação a um agir concreto, a fazer o bem, e não apenas a não praticar o mal. O empenho exigido por Jesus é bem maior. Com isso, ele está também combatendo a indiferença.

Do outro, nada se exige; o cristão deve é se colocar no lugar do outro e refletir sobre as consequências de suas ações, como será explicitado nos versículos seguintes: “Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem somente aos vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim. E se emprestais somente àqueles de quem esperais receber, que recompensa tereis? Até os pecadores emprestam aos pecadores, para receber de volta a mesma quantia” (v. 32-34). Existe um nível de comportamento e de relações acessível a todos, e que é praticado em praticamente todas as sociedades: a reciprocidade. Por exemplo, amar alguém sabendo que é amado por esse alguém, é uma atitude que não exige o conhecimento do Evangelho nem intimidade com Jesus. “Os pecadores”, aqui, significa todas as categorias de quem não pauta a vida segundo o Evangelho; não quer dizer as pessoas más, e sim quem ainda não conhece o Evangelho. O princípio do amor se aplica também a outros tipos de relações, como o fazer o bem de um modo geral, e a prática dos empréstimos.

Novamente no imperativo, o convite a amar os inimigos é reforçado, junto com o fazer o bem: “Ao contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande, e sereis filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os ingratos e maus” (v. 35). É necessário que o discípulo e o discípula de Jesus façam além do óbvio, que pratiquem o amor e a justiça de modo gratuito e desinteressado. Porém, inevitavelmente a recompensa virá, não como salário em forma material, mas em dignidade: ser filhos ou filhas do Altíssimo. Ser filho, nessa perspectiva, significa ser parecido com o pai. É essa a dinâmica do amor proposto por Jesus: tornar o ser humano parecido com Deus, sendo bondoso como Ele é. Para reforçar ainda mais a necessidade de tornar-se parecido com Deus, Jesus parte da principal característica desse Deus: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso” (v. 36). Aqui, Jesus ousa reformular o solene mandamento de Levítico 19,2: “Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo”. Esse mandamento fora decisivo para a construção da identidade de Israel e, por consequência, de seu orgulho e privilégio de povo eleito; compreendia-se a santidade como a separação dos outros povos. Jesus inova e faz uma reinterpretação decisiva para a sua comunidade: ser misericordioso significa ser bondoso, é cultivar somente bondade dentro de si e nas relações com o próximo, sem necessidade de separação; pelo contrário, é necessário misturar-se, como ele, com gente de “todo tipo”, para facilitar a irradiação do amor e, assim, tornar conhecido o verdadeiro rosto de Deus. Amor e bondade são traços inseparáveis, e são os sinais mais distintivos na vida dos seguidores e seguidoras de Jesus.

Ainda de acordo com a “regra de ouro” das relações – “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles” (v. 31) – Jesus acrescenta: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante será colocada no vosso colo; porque, com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos” (vv. 37-38). É claro que ele não está afirmando que o agir humano é critério para o agir de Deus. Pelo contrário, é Deus o critério, sobretudo na bondade e no amor. Porém, mais uma vez, ele reivindica a coerência de vida. Julgar e condenar não são prerrogativas de nenhum ser humano. É no campo das relações com o próximo que os cristãos e cristãs revelam como se relacionam com Deus e como absorveram o Evangelho de Jesus.

Essa foi, portanto, a resposta e o caminho para um mundo ferido, injustiçado, dividido e desigual reencontrar o seu equilíbrio: acolhendo o ensinamento de Jesus sobre o amor e vivendo intensamente esse amor. Para isso, não é suficiente esperar passivamente a mudança de estruturas, mas cada um e cada uma deve, no dia-a-dia, experimentar esse amor e pautar a vida a partir dele, começando pelas relações com o próximo e as experiências concretas do cotidiano. Para concluir, é importante recordar que o amor e o perdão sem medidas, como ensina o evangelho de hoje, não se opõe à luta por justiça e pela superação das desigualdades. Ao pregar o amor aos inimigos, Jesus não está cancelando os “ai de vós” àqueles que fazem os pobres passar fome, chorar e ser perseguidos.
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