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99. Sem deixar de sonhar

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16.08.2016 | 6 minutos de leitura
Yuri Lamounier Mombrini Lira
Crônicas
99. Sem deixar de sonhar

“Vai e faze tu a mesma coisa” (Lc 10,37)




“Onde houver trevas, que eu leve a luz!”



Olhando o cenário atual do Brasil e do Mundo – e os fatos noticiados nos meios de comunicação nos últimos dias não nos deixam mentir – infelizmente, constatamos que vivemos tempos de intolerância, ódio, racismo, falta de diálogo. Atentados terroristas na Europa e no Oriente Médio, assassinatos truculentos nos Estados Unidos, o caos da segurança pública no Rio de Janeiro, a violência e as drogas que assombram nossas cidades... Entretanto, em meio a esse cenário de trevas, a Palavra de Deus surge sempre como luz no fim do túnel ou brasa que ainda teima em queimar em meio às cinzas.


No Evangelho de Lucas, Jesus conta uma história comovente, que nos inquieta e nos faz pensar o que é o amor e a quem devemos amar. Um Mestre da Lei desafia Jesus e lhe pergunta o que é preciso fazer para “herdar a vida eterna”. Eternizar! Desejo de todos nós. Ao ouvir a questão posta pelo homem da Lei, Jesus não lhe responde, mas lhe devolve a pergunta: “O que está escrito na Lei? Como lês?”. Na pergunta de Jesus fica claro que não basta saber o que está escrito; é preciso também saber interpretar o registro. Hermenêutica! Palavra muito importante hoje. Nosso modo de compreender a Escrituras Sagrada depende do modo como a lemos. É justamente na interpretação do texto que surgem as querelas e os conflitos, pois numa única palavra pode estar a paz ou a guerra, o amor ou o ódio.


O homem respondeu o que já sabia de cor: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.  Jesus então lhe disse algo parecido com isto: “Muito bem! Você já sabe o que deve fazer, agora basta agir assim e viverá plenamente!”. Não é difícil,nem coisa do outro mundo;é simples. Afinal, como diz Dt 30,14,“Essa palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir”.


Então, o Doutor da Lei respondeu a Jesus: “Mas quem é meu próximo?!”. No fundo o que ele diz é o seguinte: “Não coloquei em prática essa palavra porque não sei quem é meu próximo”. Para ajudar o Doutor da Lei a vencer sua ignorância, Jesus conta uma história surpreendente.


Havia um homem caído e machucado à beira da estrada... Um homem – sem nome, sem rosto, sem raça, sem credo... Seria rico ou pobre? Um homem bom ou malfeitor? Nada disso sabemos. Sabemos apenas que fora assaltado e, por isso, estava caído, abandonado, gravemente ferido. Eis que, por aquela estrada, surgem alguns viandantes... Passaram um sacerdote e um levita, pessoas ilibadas diante da Lei, “cidadãos do bem”, mas indiferentes ao sofrimento alheio. A parábola não diz se por comodismo, por receio de ficar impuro ou até por medo, aqueles piedosos judeus seguem seu caminho sem se abalar com a cena do sofredor. Mais tarde, porém, aparece na estrada um samaritano, “gentalha”, um homem mal visto pelos religiosos do judaísmo. Ele faz gestos simples, mas fundamentais: “Chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos. Depois colocou o homem em seu próprio animal e levou-o a uma pensão onde cuidou dele” (Lc10,33-34).  O Samaritano teve compaixão de um desconhecido. Compaixão, o mesmo sentimento que Deus tem por nós. Compaixão é “fazer das tripas o coração”; deixar-se impactar pelo rosto do outro; colocar-se em seu lugar; não permanecer indiferente à sua presença. Foi isso que fez o samaritano. Deixou-se interpelar pelo grito do sofredor, como Deus por ocasião do sofrimento do povo no Egito (cf. Ex 3,7-8)


Terminada a história, Jesus então perguntou ao Doutor da Lei que o interpelou: “Qual dos três foi o próximo daquele homem?”. E o Perito em Escritura lhe respondeu: “Aquele que agiu com misericórdia”. Então, Jesus disse mais ou menos assim: “Parabéns! Agora, é com você... Vá e faça a mesma coisa!”.


É quase impossível ler esse relato sem nos deixar impactar por ele. Com maestria, Lucas dá uma reviravolta no texto, invertendo o foco do olhar inicial do Doutor da Lei. Não importa saber quem é meu próximo. Importa saber de quem me faço próximo. Pois próximo é aquele que se aproxima do outro. O homem caído na beira da estrada não tem condições de se aproximar de ninguém. Não tem forças sequer para pedir socorro. Não é capaz de interpelar os viandantes. Mas os passantes, cheios de energia para a caminhada, podem se fazer próximos dele. Tudo vai depender do olhar lançado sobre o sofredor: indiferença ou compaixão?


A parábola do Bom Samaritano nos inspira a nos aproximar do outro, em atitude de comunhão e misericórdia. Ela nos ensina a ser cuidadores uns dos outros sem jamais nos cansar de fazer o bem (cf. Gl 6,9).No cenário atual, quando os noticiários nos fazem crer que as trevas reinam sobre o nosso planeta,não podemos deixar de acreditar no ser humano; não podemos perder a esperança. Ainda há muitos samaritanos por aí. Ainda tem muita coisa bacana acontecendo. Há muitos sinais de esperança e fé no meio desse mundo cruel e sangrento. Tem muita gente boa se aproximando do sofredor e colocando-o em sua montaria. Tem muitos samaritanos se desdobrando na árdua tarefa de ajudar o homem caído a se reerguer.


Se não podemos consertar o mundo, se não podemos fazer algo grande e impactante capaz de mudar os rumos da história, podemos seguir em frente nos fazendo próximos pelo menos dos que estão fisicamente mais perto de nós. Importa não perder a esperança e a força para lutar. Cantemos com Gonzaguinha “Não se desespere não, não pare de sonhar. Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs. Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar. Fé na vida, fé no homem, fé no que virá. Nós podemos tudo, nós podemos mais. Vamos lá fazer o que será”. Nossos pequenos gestos de acolhida e bondade podem ser o diferencial que vai trazer vida e força a muitas pessoas.