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4. Jonas: A misericórdia de Deus abraça a todos

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20.10.2013 | 5 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Livros Bíblicos
4. Jonas: A misericórdia de Deus abraça a todos

O livro de Jonas, como Tobias e Rute, é também uma intrigante novela, uma parábola genialmente criada para transmitir uma mensagem religiosa. Não faltam elementos que apontam para esse aspecto novelístico do texto: um grande peixe engole Jonas e devolve-o são e salvo depois de três dias, uma mamoneira cresce e morre sobre a cabeça do profeta num piscar de olhos, homens e gado fazem jejum diante do anúncio do profeta. Como todo midraxe[1], o livro de Jonas foi escrito para atualizar as Escrituras. No caso de Jonas, o texto que serviu de ponto de partida para a criação desta bela novela é Ex 34,6-7: “O Senhor, o Senhor, Deus misericordioso e clemente, é paciente, rico em bondade e fiel; conserva a misericórdia por mil gerações e perdoa culpas, rebeldias e pecados, mas não deixa nada impune, castigando a culpa dos pais nos filhos e netos, até terceira e quarta geração”. O tema da misericórdia de Deus foi cantado em prosa e verso no Antigo Testamento, especialmente nos salmos e em diversos outros relatos.


Muitos, no entanto, insistem em ensinar que o Deus do AT é vingativo, mau e colérico. Não entendem os antropomorfismos[2] tão abundantes nas Escrituras Judaicas. Em Ex 34,6-7, por exemplo, a misericórdia de Deus fica estampada. Deus perdoa até a milésima geração, enquanto castiga até a terceira ou quarta geração. Se entendemos um pouquinho a linguagem bíblica, sabemos que o escritor sagrado só cita o castigo possível em função da misericórdia. É incomparavelmente maior a capacidade de perdoar de Deus (mil gerações) que de castigar ou punir (três ou quatro gerações). Não tem nem comparação! Para não deixar dúvidas quanto ao amor e a bondade de Deus, o salmista retomou o texto de Ex e disse: “O Senhor é misericordioso e compassivo, lento para a cólera e rico em bondade” (Sl 103,8).


Nem sempre, no entanto, é fácil compreender a misericórdia sem medidas de Deus, especialmente se ela é estendida a todos sem exceção. Foi o que aconteceu com o povo do século IV aC, quando foi escrito o livro de Jonas. Para a comunidade de Israel era possível aceitar a misericórdia de Deus para com ela, que fora desposada pelo Senhor, mas não para os gentios, povos estrangeiros, politeístas, sem temor ao Deus de Abraão. Aí já era demais! Como compreender que Deus não puniria a infidelidade dos pagãos com castigos horrendos e dolorosos? A misericórdia de Deus era exclusividade de Israel. O livro de Jonas enfrenta, então, tema espinhoso!


Jonas é um profeta do Senhor e recebe a missão de anunciar a palavra de Deus em Nínive, uma cidade dos gentios, capital da Assíria[3]. O profeta não gostou da tarefa que lhe foi dada. Tentou escapar de Deus, juntou as malas e fugiu para Társis. Pegou um navio em outra direção, sem se importar com a palavra do Senhor. Mas não foi possível escapar de Deus. No meio da viagem, o navio enfrenta dificuldades e Jonas é descoberto como um rebelde, aquele que não obedece a voz de Deus (ao modo dos gentios). Não restou outra alternativa aos marinheiros a não ser jogar Jonas no mar. Um grande peixe, no entanto, abriu sua boca, engoliu Jonas e transportou-o até Nínive, deixando-o sem nem um arranhão nas praias da capital inimiga. Jonas atravessa a cidade e anuncia, cheio de cólera, que Deus vai castigar a cidade e destruí-la por causa de sua iniquidade. Mas o povo se converteu, fez penitência, e Deus não mandou castigo algum para surpresa e revolta de Jonas. Isso foi demais para o profeta que, ao deparar-se com a misericórdia de Deus em favor até dos inimigos, ficou deprimido e resolveu pedir a morte. Era melhor morrer que ver tal coisa! Mas o Senhor, sempre misericordioso e paciente, tem também paciência com o calundu de Jonas, que fugira de Deus e se escondera no deserto. Deus faz nascer uma mamoneira, símbolo da efemeridade, sobre a cabeça de Jonas que fervia sob o sol do deserto. Jonas ficou feliz, mas – para seu horror! – um verme comeu a mamoneira e Jonas se pôs a chorar feito criança birrenta. Foi quando Deus lhe perguntou: “Se tu te compadeces de uma mamoneira qualquer, muito mais eu não deveria me compadecer do povo de Nínive?”. E termina sem resposta a novela de Jonas, convidando os leitores a repensar sua postura intransigente e a acolher a misericórdia infinita do Senhor.


Para saber mais sobre o livro de Jonas, leia na página de artigos, o texto “Jonas: um profeta às avessas”.










[1] Um midraxe é um texto que retoma algum antigo texto da Escritura no intuito de atualizar a palavra do Senhor. Sabendo que Deus continuar a falar ao seu povo, o autor sagrado não tem escrúpulos de criar novos textos, inclusive novelas bem fantasiosas, para fazer com que a palavra de Deus continue ecoando em sua comunidade.




[2] Figura de linguagem que atribui forma humana a algo que não é humano, como nas fábulas onde as os animais falam, as árvores pensam e agem, os bonecos ganham vida. No AT não faltam antropormofismos em relação a Deus: ele tem braços, pernas, boca, mãos, nariz etc. E mais, Deus pensa como homens; age como homens, sente o que nós sentimos: por isso é descrito com cólera, ciúmes, ira e promete vingança. Mas é preciso entender que este é modo de falar, não uma realidade de Deus, que é amor e só sabe amar, conforme nos revelou Jesus, o Deus conosco.




[3] A Assíria fora responsável pela destruição do reino do Norte, Israel, por volta de 722 aC, logo ela era considerada um dos mais poderosos inimigos do povo de Deus.