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43. O Bem-te-vi e a Sabiá

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10.07.2015 | 10 minutos de leitura
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43. O Bem-te-vi e a Sabiá

Solange
Maria do Carmo



Padre Geraldo Orione de Assis Silva


O Bem-te-vi e a Sabiá, desde pequeninos, foram criados por zelosas mamães-aves, mas em bosques diferentes. Ambos aprenderam a voar cedo e procurar alimento nas árvores frutíferas da região. Eram dois passarinhos sabidos. Bem-te-vi via tudo, até o que não devia. Sabiá sabia tudo, até o que não convinha. Por causa dessa capacidade especial dos dois pássaros, a Sabiá e o Bem-te-vi não escapavam de algumas encrencas.


Foi por acaso que eles se conheceram. O Bem-te-vi passeava com mamãe e seu bando quando, desgarrou-se, encantado pela beleza de uma flor. E gritava: “Bem-te-vi! Bem-te-vi!”. Pois não se continha ao ver uma beleza! Junto ao galho onde pousava contemplativo, observando uma rara orquídea lilás, viu uma pobre passarinha cabisbaixa, extenuada, sem forças. Foi aí que escutou uns grunhidos. A pobre avezinha chorava, soluçava, quase sem fôlego de tanto chorar. O Bem-te-vi, que tudo vê, não pode ignorar a cena. E a Sabiá, que tudo sabia, logo desconfiou que alguém a notara. Mas nem era preciso muita sabedoria... Com aquela gritaria!... Bem-te-vi ficou sem jeito de ver o que não devia, a intimidade do choro que desnuda a alma. E a Sabiá ficou sem jeito, pois sabia que o outro a vira. Bem-te-vi fingiu que não viu. A Sabiá não tolerou ser ignorada e ralhou: “Bisbilhotando, o quê, Bem-te-vi?”. O Bem-ti-vi quase morreu de susto e suas penas ficaram caídas de vergonha. “A intimidade das pessoas não é coisa que se bisbilhota”, ele bem sabia disso conforme ensinara sua mamãe passarinha. A Sabiá ficou corada de vergonha, mas a tristeza era tanta que não moveu uma pena para sair do lugar. Desse desencontro nasceu uma bela amizade.


Desde esse episódio, a Sabiá e o Bem-te-vi, depois de trocarem muitos desaforos, acabaram se entendendo e se amando. Ninguém entendia aquele amor: “Como pode uma sabiazinha tão sábia amar um bem-te-vi tão tagarela?”, perguntavam atônitos os outros passarinhos. Além do mais, o namoro dos dois contrariava as regras do “cré com cré; lé com lé”, aprendido desde criança na escola da natureza. Mas naquele dia em que o Bem-te-vi consolou a Sabiá, o amor nasceu. Desde então, a Sabiá ajudou o Bem-te-vi a controlar seus ímpetos. E o Bem-te-vi procurava ajudar a Sabiá a saber um pouco menos, pois informação demais pode ter seu preço. Os familiares estranharam, mas a família da Sabiá era moderna, sabia das novidades do mundo; logo se acostumaram com a ideia. O Bem-te-vi era sozinho no mundo. Tinha se desgarrado do bando desde o dia em que encontrara a sua Sabiá. Logo, não tinha ninguém para implicar. A implicância vinha mesmo era do resto da passarinhada. Tirando as famílias dos sabiás, que já sabiam das novidades do mundo, os outros passarinhos viviam fofocando sobre essa relação. Até os pombos, sempre puros e prudentes, com aquela brancura alva por dentro e por fora, não escapavam de ouvir as intrigas. O máximo que eles faziam era se absterem de comentários, mas acabavam ouvindo as maledicências de seus amigos penosos.


Apaixonado, o casalzinho não dava ligança pra maledicências. Vivia voando por todo canto, curtindo o amor e aproveitando sua bem-aventurança. Na companhia um do outro, os dois alçavam voos mais ousados; atreviam-se a percursos desconhecidos. A Sabiá vivia preocupada por saber demais. E o Bem-te-vi não evitava encrencas, pois, ao ver o que não devia, delatava bem alto gritando assustado: “bem-ti-vi, bem-ti-vi!”. Apesar de tão diferentes, os dois se entendiam. A Sabiá sabia das coisas, mas não abria o bico em cantorias que denunciam os acontecidos. Com ele, a notícia não corria veloz, nem precipitada, pois podia ser inverídica a informação sabida. Mas isso tinha seu preço: algumas vezes a Sabiá se arrependeu de não dado importância à sua sabedoria. O Bem-te-vi, ao contrário, nem sabia de nada direito ainda e já estava a cantar bem alto, anunciando os acontecidos. Mas os dois passarinhos estavam felizes juntos; viviam um amor nunca imaginado.


Tudo ia bem para o casal apaixonado até o dia em que a Sabiá soube que sua amiga Paloma Branca procurava um marido para se casar. Contou ao namorado Bem-te-vi que, ao ver a Paloma com seu futuro namorado, o Pombo Juriti, lavando-se nas águas claras do riacho, deu com a língua nos dentes e gritou bem alto: “Bem-te-vi! Bem-te-vi!”. Os apaixonados não se deram conta da cantoria, mas o pai da pombinha estava descansando num galho de pitanga, quando escutou a gritaria. Na ligeireza de seu voo, pegou os apaixonados num beijo molhado de pombinhos. E a Paloma Branca ficou proibida de ver o seu amor. Papai Pombo não queria saber de saliências. Esse namoro não era nada convencional: sua avezinha mal saída das fraldas com um pombo experiente, namorador... A fama do Pombo Juriti não era de passarinho casadouro, mas de galanteador inveterado, um sedutor de pombinhas inocentes! E o velho Papai Pombo não quis nem saber se as intenções do Pombo Juriti eram boas. Foi logo proibindo o namoro.


A Sabiá era mocinha e sabia do preço de ficar mal falada. Sabia que isso tinha acontecido com muitas de suas amigas e vira o sofrimento delas. Ela mesma tinha sofrido muito quando escolhera amar o diferente: o seu Bem-te-vi. Então, ralhou com o Bem-te-vi: a culpa era dele que gritava alto toda vez que via algo novo. O Bem-te-vi culpou a Sabiá: quem mandou ela passar informação da vida alheia pra frente? E os dois amantes se desentenderam... A briga foi feia. Ninguém sabia por que, mas os dois não voavam mais juntos. E os pássaros diziam em coro: “Isso não ia mesmo dar certo; uma Sabiá com um Bem-te-vi... Onde já se viu isso?”.


Papai e mamãe Sabiá, que sabiam da vida e seus mistérios, insistiram que era bobagem se aborrecer com tão pouco. Era da natureza do Bem-te-vi cantar assim. Era preciso entender o parceiro. Não fora exatamente isso que encantara a Sabiá naquele dia em que ela chorava tristonha e fora despertada com o olhar e o canto curioso de seu Bem-te-vi? Pois, então? Era preciso relativizar, saber perdoar... Mas a Sabiazinha, tão jovem, mesmo sabida, não sabia das coisas do amor, e não quis saber de perdoar.


Depois da separação, a Sabiá andava desinteressada por novas informações; não queria saber mais de nada. A curiosidade ainda lhe roía as vísceras, mas não havia motivação para o saber. Com quem partilhar, se seu amigo e amante Bem-te-vi não se interessava mais por seu saber? O bosque ficou sem circular informações... O descaso da Sabiá pelas novidades espantava até a Coruja, que vivia vigilante a noite toda à procura de novas manchetes...


O Bem-te-vi ficou sem graça e nem gritava mais de surpresa e espanto quando via algo novo. Ele até tinha vontade, mas faltavam forças. Vinha um ímpeto de gritar desde dentro, saído lá das entranhas, e morria na garganta de ouro do passarinho cantador. Saía apenas um piadinho sem graça, para o qual ninguém da bicharada dava a menor confiança. Faltava-lhe inspiração pra cantar: o amor de sua musa, a sua Sabiá. E cada qual levava sua vida; chorando seu tanto, quieto em seu canto.


Até o dia em que o Bem-te-vi viu algo estarrecedor. A Cobra Coral planejava seu bote em cima da Paloma Branca, que – coitada! – chorava tristonha de saudades de seu amor. Perdida em pensamentos, imaginando seu casamento que não viria a acontecer, Paloma Branca parecia mais ingênua e descuidada que antes. Não percebeu quando a Cobra Coral chegou perto. Bem-ti-vi quis gritar, mas as forças faltaram numa primeira tentativa. Mas, imaginando sua Sabiá nas garras da Cobra, encontrou energias para avisar Paloma Branca, que – despertada de seus sonhos pela cantoria do Bem-te-vi – voou bem alto e escapou do bote da Cobra.


A Sabiá soube do feito. Ficou orgulhosa do seu Bem-te-vi. A notícia se espalhou pelo bosque. Papai Pombo, ao saber da notícia, ficou emocionado e foi agradecer o passarinho cantador. Em prova de sua gratidão, nunca mais permitiria que alguém falasse mal do namoro do Bem-te-vi com a Sabiá. Usaria toda sua reputação, alva como suas penas, para defender o namoro dos dois. Quem poderia atestar contra a palavra de tão grande testemunha? E, para ajudar na reconciliação dos passarinhos, falaria ele próprio com a Sabiá que seu namorado era um herói e que sua cantoria alvoroçada tinha vantagens, poderia salvar vidas como a de sua Paloma Branca. E, além do mais, no medo de perder sua filhinha querida sem realizar seu sonho de passarinha jovem – casar-se com seu Pombinho – Papai pombo relativizou sua posição. Seu desejo de preservar sua filha e arranjar-lhe ele mesmo um pretendente digno de sua alvura não poderia ser maior que a brancura de seu amor por sua filha. Decidiu então permitir que Paloma Branca e Pombinho Juriti reatassem o namoro.


E Papai Pombo foi ele mesmo procurar a Sabiá, intercedendo pelo Bem-te-vi. Mostrou para a Sabiá como ele mudara de ideia acerca do namoro de sua filha, como os preconceitos podem ser prejudiciais e não precisou de muito cu-cu-ru-cu-cu para convencer a Sabiá a voltar para seu amor.


A Paloma Branca e o Pombo Juriti namoraram um bom tempo, mas papai pombo tinha razão. Ele não era pombo para sua filha. Não é que ele namorava a Juruti Rosa do bosque ao lado? E enganava a Paloma Branca com a maior cara de pau. Isso durou tempos, até que Paloma Branca percebeu as escapadas do Pombo traidor. E resolveu encarar a verdade, dando crédito à palavra de seu pai. E partiu pra outra.


A Paloma Branca curtiu uma fossa danada até que, certo dia, mudou-se para a região o Pombo Correio. E a Paloma Branca se encantou pelo pombinho carteiro. Pombo Correio levava cartas, poemas, bilhetes de amor para sua amada. Era só gentilezas... Não demorou muito para que a Paloma Branca se apaixonasse. E, apesar de galanteador, esse sim era um pombo sério, casadouro.... E os dois se casaram depois de longo e provado namoro. A Sabiá e o Bem-te-vi foram testemunhar o amor dos amigos, mas não quiseram se casar. Isso não era para eles, mas para a alvura da família dos pombinhos. Continuaram seu amor, celebrando-o com cada canto encantado do Bem-te-vi diante das maravilhas que descobriam juntos. E, desde então, até a Sabiá passou a cantar mais forte, porque o amor dá forças e revigora a alma.