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37.Personalização da fé: risco ou conquista da contemporaneidade?

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08.11.2017 | 5 minutos de leitura
Yuri Lamounier Mombrini Lira
Diversos
37.Personalização da fé: risco ou conquista da contemporaneidade?

Os tempos contemporâneos são marcados por grandes e profundas transformações. Tudo mudou e continua mudando a cada momento. As mudanças podem ser notadas a partir de nossa maneira de relacionar com o tempo, com o espaço, com as pessoas e até com Deus.  Até pouco tempo atrás a fé era entendida como algo herdado e como toda herança, era transmitida de forma hereditária. A fé era cultivada em casa, vinha do berço e, era algo estável e permanente. De modo que quem nascesse numa família católica, automaticamente seria católico também e, assim, as pessoas passavam a ter laços indeléveis com a crença professada.


No entanto, cada vez mais podemos observar que a fé está sendo individualizada e as pessoas não criam mais laços com uma determinada religião apenas, mas com várias ao mesmo tempo. Aliás, Guimarães Rosa no clássico Grande Sertão: veredas observa com irreverência essa característica de nossa época: “Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo...” Esse trecho de Grande sertão: veredas ilustra esse desejo tão presente na vida do sujeito contemporâneo, pois cada pessoa quer personalizar a fé a seu modo, pegando somente o que convém ou interessa, alguns dizem que se vive uma espécie de bricolagem da fé. Para usar uma palavra que está em evidência no Brasil nos últimos dias, tem muita gente privatizando a fé, escolhendo o que convém, mas sem comprometer-se com nada.


Embora a individualização do ato de crer seja algo tão em voga ultimamente, ela pode ser algo perigoso. Segundo o teólogo francês Denis Villepelet em seu livro O futuro da catequese: “Ser cristão não significa, em princípio, uma pertença estável, recebida em herança e automática; não mais representa uma questão de engajamento solidário na missão; mas designa uma forma de identidade simbólica. A adesão é fortemente personalizada, mas móvel. A procura espiritual é deslocada, migrando para o interior de si”.


Para Villepelet, o processo de personalização da fé nos coloca diante do desafio comunitário da fé. Entretanto, para ele, a comunidade não é entendida apenas como Instituição hierárquica com normas a serem cumpridas, mas “a ideia de comunidade remete ao entre nós. Representa um lugar humano relacional, fruto de um engajamento mútuo e de adesão de vontade longe das mediações institucionais”. (VILLEPELET, 2007, p. 98). Assim, o processo de personalização da fé, embora seja feito por cada pessoa, precisa estar inserido no interior da comunidade, para que desse modo possa acontecer um intercâmbio de experiências. O teólogo Leonardo Boff defende algo semelhante ao falar sobre a experiência de fé: “Experimentar Deus não é pensar sobre Deus, mas sentir Deus com a totalidade de nosso ser. Experimentar Deus não é falar de Deus aos outros, mas falar a Deus junto com os outros (BOFF, 2012, p.7)”. A experiência com o Sagrado, portanto, possui uma dimensão pessoal e outra comunitária.   


Tornou-se comum chamar de católico não praticante, as pessoas que são católicas, mas não vão à Igreja. Esse termo, no entanto, é equivocado; talvez, a melhor expressão seria católico não participante ou católico sem ligação com Igreja. Porém, ainda que o sujeito não frequente a Igreja, se ele se diz, cristão, de alguma maneira, ele se inspira em Jesus Cristo e, tenta viver sua fé, a seu modo. E não vai à Igreja talvez por causa de alguma decepção com as lideranças institucionais ou por causa de uma carência catequética ou ainda porque não descobriu a beleza de professar a fé em comunidade. Pode ser que a pessoa apenas não cumpra o preceito religioso de ir à Igreja mas esforce para viver os ensinamentos de Jesus. Por outro lado, há muitas pessoas que vão à Igreja, porém,  não aprenderam ainda a fazer com que a fé professada no templo se transforme em vida.


Assim sendo, na contemporaneidade, a personalização da fé pode ser entendida como risco, à medida que conduz a uma não pertença e, de algum modo à fuga de um lugar pré-estabelecido, no caso, da Igreja, como lugar de encontro com o Sagrado. E, essa fuga pode denotar a uma atitude de fuga interior e que gera uma busca sem fim que cansa e não leva a lugar nenhum e, à pessoa, por fim, pode se ver diante de um vazio existencial. Por outro lado, a personalização da fé, pode ser entendida como uma conquista da contemporaneidade, se ela for vivida com maturidade e levar a uma autêntica experiência com Sagrado.  






Referências bibliográficas:


BOFF, Leonardo. Experimentar Deus: a transparência de todas as coisas. Petrópolis: Vozes, 2012.


VILLEPELET, Denis. O futuro da catequese. São Paulo: Paulinas, 2007.