“Deus não faz acepção de pessoas” (At 10,34)
Recentemente, estava escutando algumas composições católicas que fazem sucesso atualmente e embalam a nossa juventude. Dentre as frases mais citadas nas letras das músicas, a que se sobressaia era a expressão: “não somos do mundo”, “deixar as coisas do mundo” etc. Questionei os jovens do grupo que acompanho sobre o porquê de tanta insistência em desprezar o mundo e me disseram que o cristão é convidado a ser santo, e, para isso, deve ser separado da vida das imundícies do mundo. Assim, compreendem que o cristão é convidado a abandonar costumes mundanos e a entregar-se a uma vida de ascese, para conformar-se a Jesus e receber sua recompensa eterna. Mas será mesmo assim?
No judaísmo, havia uma corrente religiosa, o grupo dos fariseus, que insistia em princípio parecido e ensinava-o ao povo. Depois da reforma religiosa promovida por Esdras e Neemias (520-400 aC), após o Exílio Babilônico, grande realce foi dado à teologia da pureza ritual. Insistiu-se muito no binômio puro-impuro e a expressão “Sede santos como Eu, o Senhor Deus, sou santo” (Lv 20,7) tornou-se uma espécie de lema dessa corrente religiosa. A palavra santo, kadosh, em hebraico, significa separado. Deus é santo; é separado do ser humano, não porque ele se separe de nós – ao contrário, ele se mistura com seu povo – mas porque Deus e o ser humano são inconfundíveis; ele é criador; nós somos criaturas; logo ele é separado. A partir da do livro do levítico e da reforma religiosa de Esdras e Neemias, foi criado um código jurídico e de cunho ritualístico, com liturgias solenes que visavam a purgação do malefício (pecado) em prol da comunhão com Deus. Exemplo disso era a grande festa do Yom Kippur, uma das festas máximas do judaísmo, na qual eram expiados todos os pecados e a pessoa ficava em paz com Deus para recomeçar a vida.
Esses costumes rituais de purificação perduraram até o tempo de Jesus. Mas qual era a prática de Jesus e das primeiras comunidades cristãs? Jesus, apesar de ser provavelmente formado pela pregação dos fariseus – como todo judeu que frequentava a sinagoga – não se mostra afeito a esses rituais. Na verdade, mostra-se avesso a essas práticas: comia sem fazer as abluções, não observava com rigor o sábado, comia com prostitutas e cobradores de impostos, misturava com gente impura etc. Por ser um homem totalmente livre em Deus, Jesus não se permitia escravizar por nada, nem mesmo por dogmas e preceitos religiosos. Convidou seus discípulos a imitá-lo e a seguir os seus passos.
Os discípulos de Jesus parecem ter aprendido a lição do mestre. Lucas anuncia no livro dos Atos dos Apóstolos: “Deus não faz acepção de pessoas” (At 10,34). Aliás, uma das grandes problemáticas que permeia o livro dos Atos dos Apóstolos, e que faz convocar o chamado “Concílio de Jerusalém” (At 15), é justamente a rivalidade entre cristãos judaizantes, que queriam impor a Lei Mosaica aos gentios que abraçavam o cristianismo pela fé, e os cristãos de origem grega, que desprezavam tais práticas. A pastoral de Jesus e das primeiras comunidades, e que o papa Francisco tenta retomar, é a pastoral da misericórdia e não a pastoral da pureza, do afastamento do mundo, do desprezo das coisas mundanas. O papa insiste que ser santo não é abster-se de se misturar com os outros, não é ser separado no sentido de cada um viver para um lado. Ao contrário, ele insiste numa pastoral em saída, cujo princípio da misericórdia leva o cristão a ser “separado” pelo amor que vive e anuncia e não por ritos e preceitos cumpridos.
E a nossa pastoral? A pastoral que está se difundindo em nossas paróquias é a pastoral farisaica que separa, que exclui, que desagrega, ou é a pastoral da misericórdia que faz ir ao encontro do outro, sem julgá-lo? Em nome da conservação da fé e da vivência da santidade, a desunião e a exclusão entraram em nossas comunidades eclesiais. A proposta de Jesus é a vida de santidade, mas não vivendo em guetos, grupos fechados de pretensos santos. A proposta de Jesus é uma santidade encarnada na vida do povo, pois ele mesmo – sendo Deus – encarnou-se no meio de nós e assumiu a nossa vida.
Ser santo não é cumprir rituais ou excluir-se da convivência dos “pecadores”. É deixar que Deus molde à sua imagem e semelhança o nosso interior, e não cumprir um monte de práticas rituais exteriores que, muitas vezes, pouco comunica de Deus. Será que a nossa prática pastoral deve consolidar-se nos moldes de uma religião legalista ou nos moldes de Jesus Cristo, Boa Nova que desinstala e provoca a gente a amar? Enquanto obcecadamente nos preocupamos com a “fuga do mundo”, perdemos energias que deveriam ser gastas para viver o amor e a gratuidade de Deus. Com esse tipo de pastoral que privilegia a pureza e a lei, será que “quando o Filho do Homem vier, vai encontrar fé sobre a terra?” (Lc 18,8)
Penso que estamos necessitados de uma aprendizagem sobre ESCUTAR DEUS. Vivemos em um mundo em que não hã músicas suaves e instrumentais e que, para muitos fazem dormir. As vigílias são acompanhadas de bateria, musicas “enfogueadas”, palmas, danças. Não se falam em retiros silenciosos, onde se pode fazer uma revisão de vida. Na adoração ao Santíssimo poucas vezes se fazem silêncio. Não sou contra as músicas, as palmas… Sou totalmente a favor do parar um pouco, do silenciar e ouvir. Quando ouvimos Deus não precisamos nos afastar no mundo, sentimos sim, grande necessidade de nele inserir.
Paz e Bem
Oi, Rita.
Obrigada por nos escrever.
O silêncio, a meditação e a oração são caminhos da interioridade, mas é preciso entender que os tempos mudaram. As novas gerações curtem músicas mais barulhentas, acompanhadas de instrumentos mais pesados. É só uma característica de nosso tempo. As músicas lentas, acompanhadas de órgão, ou os hinos cantados a muitas vozes cederam espaço para outras expresões musicais. Os gostos musicais são variados e, por meio de todos eles, Deus pode se comunicar. Na bíblia, Deus não fala só no silêncio da brisa, mas também no trovão, no terremoto, no fogo, no barulho. São expressões diferentes do divino, mas todas elas igualmente possíveis. É preciso compreender e acolher as novidades de nosso tempo, ainda que não nos identifiquemos com elas.
Um abraço,
Equipe Fique Firme.