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31. A Figueira e o Templo (Mc 11,1-26)

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14.05.2014 | 12 minutos de leitura
Frei João F. Júnior - OFMCap
Curso Bíblico
31. A Figueira e o Templo (Mc 11,1-26)

11


1 Jesus e os discípulos aproximaram-se de Jerusalém. Estavam perto de Betfagé e de Betânia, junto ao Monte das Oliveiras. Jesus enviou dois dos discípulos
2 e disse-lhes: “Ide até o povoado ali na frente, e logo na entrada encontrareis, amarrado, um jumentinho no qual ninguém ainda montou. Desamarrai-o e trazei-o.
3 E se alguém vos perguntar por que fazeis isso, respondei: ‘O Senhor precisa dele, mas logo o mandará de volta’”.
4 Eles foram e encontraram um jumentinho amarrado a um portão, fora, na rua, e o desamarraram.
5 Alguns dos que estavam ali disseram: “Que estais fazendo, desamarrando o jumentinho?”
6 Os discípulos responderam conforme Jesus tinha mandado, e eles permitiram.
7 Trouxeram então o jumentinho até Jesus, puseram seus mantos em cima, e Jesus montou.
8 Muitos estenderam seus mantos no caminho, enquanto outros espalharam ramos apanhados no campo.
9 Os que iam à frente e os que vinham atrás clamavam: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!
10 Bendito seja o Reino que vem, o Reino de nosso Pai Davi! Hosana no mais alto dos céus!”
11 Jesus entrou em Jerusalém e foi ao Templo. Lá observou todas as coisas. Mas, como já era tarde, ele e os Doze foram para Betânia.
12 No dia seguinte, ao saírem de Betânia, Jesus sentiu fome.
13 Avistando de longe uma figueira coberta de folhas, foi lá ver se encontrava algum fruto. Chegando perto, só encontrou folhas, pois não era tempo de figos.
14 Então reagiu dizendo à figueira: “Nunca mais ninguém coma do teu fruto”. Os discípulos ouviram isso.
15 Foram então a Jerusalém. Entrando no Templo, Jesus começou a expulsar os que ali estavam vendendo e comprando. Derrubou as mesas dos que trocavam moedas e as bancas dos vendedores de pombas.
16 Também não permitia que se carregassem objetos passando pelo Templo.
17 Pôs-se a ensinar e dizia-lhes: “Não está escrito que a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos? Vós, porém, fizestes dela um antro de ladrões”.
18 Os sumos sacerdotes e os escribas ouviram isso e procuravam um modo de matá-lo. Mas tinham medo de Jesus, pois a multidão estava maravilhada com o ensinamento dele.
19 E quando anoiteceu, Jesus e os discípulos foram saindo da cidade.
20 De manhã cedo, ao passarem, verificaram que a figueira tinha secado desde a raiz.
21 Pedro lembrou-se e disse: “Rabi, olha, a figueira que amaldiçoaste secou”.
22 Jesus lhes observou: “Tende fé em Deus.
23 Em verdade, vos digo: se alguém disser a esta montanha: ‘Arranca-te e joga-te no mar’, sem duvidar no coração, mas acreditando que vai acontecer, então acontecerá.
24 Por isso, vos digo: tudo o que pedirdes na oração, crede que já o recebestes, e vos será concedido.
25 E, quando estiverdes de pé para a oração, se tendes alguma coisa contra alguém, perdoai, para que vosso Pai que está nos céus também perdoe os vossos pecados”.
[26]

Situando...


Adentramos o capítulo 11 de Mc: Jesus e os discípulos chegam a Jerusalém, onde finalmente compreenderemos “quem ele é”, por suas últimas palavras e os derradeiros acontecimentos de sua vida. Mas ainda não é o fim do caminho. Antes, Jesus se defronta com o Templo de Jerusalém e suas estruturas políticas e religiosas. Esse enfrentamento, no entender de muitos, foi determinante para a trama de sua morte.


Entrada em Jerusalém


 Jesus e os discípulos se aproximam de Jerusalém (v. 1). O Mestre à frente dos seus, como de costume em Mc. Os versos seguintes (vv. 2-6) narram como Jesus já tem tudo preparado para sua entrada em Jerusalém: já sabe onde está o jumentinho, já sabe das objeções que alguém fará aos discípulos e tudo o mais. Que isso quer dizer? Que Jesus prediz o futuro, como um mago? Certamente não. Mas indica que, a partir daqui e na trama da execução de Jesus, ele não é simplesmente vítima, de quem arrancam a vida à força. Pelo contrário, é Jesus quem se entrega. Não que ele deseje a morte ou crie propositadamente condições para que o matem. Mas, se a fidelidade ao Pai o conduz de encontro à maldade dos homens e às consequências de seus planos perversos, ele não se esquiva, não foge. Os outros podem até arquitetar a morte de Jesus e fazer para ele uma armadilha fatal. Mas a decisão de entregar-se, de viver a própria morte como entrega de amor e esperança, isso depende só dele. E ele toma essa decisão. Ao fazer isso, Jesus está no comando, faz-se protagonista de sua morte – tal como fora sempre o protagonista de sua vida. Literariamente, ele já predissera seu fim. Por isso, é natural que ele mesmo se antecipe e prepare cada detalhe da entrada em Jerusalém.


Os vv. 7 e 8 descrevem o cumprimento de uma profecia de Zacarias: o Rei vem ao encontro dos seus, montado num jumentinho (cf. Zc 9,9). Na profecia, o Rei é o Messias, que vem unir de novo “as pontas quebradas dos anéis partidos”, ou seja, reunir o Israel disperso, tal como nos tempos de Davi. Embora seja o Messias (e a entrada em Jerusalém demonstre isso, cumprindo a profecia), Marcos já nos ensinou que Jesus é um “messias inesperado”. Ele não unirá de novo os reinos políticos, mas reconciliará as pontas de outro anel: a Aliança entre Deus e os seres humanos, rompida pelas infidelidades do povo. Em Jesus, a Aliança se refaz e encontra pleno cumprimento. A partir dele, ninguém se encontra fora dela, abandonado ou alheio ao Pai de amor que nos vem ao encontro.


No texto, as pessoas saúdam Jesus com um cortejo solene e vibrante – o Messias chegou! (v. 8). Os que vão à frente e atrás de Jesus gritam: “Hosana nas alturas!”, que significa: “socorrei-nos das alturas” ou “apiedai-vos de nós, desde as alturas” (v. 9) – o socorro e a piedade manifestados pela chegada do Messias vêm de Deus. Também um verso do Salmo 117(118) é aqui entoado: “Bendito o que vem em nome do Senhor” (Sl 118, 26). Mas também esses que gritam ainda não compreenderam que tipo de Messias é Jesus, pois o último grito manifesta uma esperança que Jesus não cumprirá: “Bendito seja o Reino que vem, o Reino de nosso Pai Davi” (v. 10). Se o Reino de Jesus fosse o de Davi, o Rei guerreiro, ele viria montado num cavalo – e não num jumentinho – e proclamaria a guerra contra Roma. Marcos já nos preveniu do contrário.


 A figueira e o Templo


Mc nos apresenta mais uma de suas já conhecidas inclusões, em que intercala dois textos aparentemente independentes, mas teologicamente implicados. No relato seguinte, Jesus amaldiçoa uma figueira sem fruto (A), expulsa os vendedores que simbolizam um sistema religioso igualmente infrutífero (B) e finalmente retorna ao destino da figueira que, sem fruto, não servem para nada (A).


Figueira sem frutos (A)


Em Jerusalém, Jesus vai ao Templo, “observa tudo” e, como já fosse tarde, vai para Betânia (v. 11). A multidão já não aparece aqui. Para Mc, não faz diferença. Interessa que Jesus “olhou tudo” antes de ir para a casa dos amigos, onde se hospedava, em Betânia.


Pela manhã, ele e os discípulos passaram por uma figueira. A figueira, como já vimos, é símbolo de Israel, da Torah, do povo, do Templo... assim como o cedro ou a videira. Ocorre, porém, que Jesus não pode saciar a fome, pois a figueira, mesmo com muitas folhas, está sem frutos (v. 12-13). Não é tempo de figos – poderiam objetar os discípulos. Ainda assim, Jesus a amaldiçoa (v. 14).


Templo sem fé (B)


Jesus e os seus chegam ao Templo. A realidade que têm diante dos olhos não é muito diferente da figueira do caminho. Pois também o Templo está cheio de “folhas” (de adornos, de riqueza, de liturgias solenes...), mas se mostra incapaz de alimentar, de oferecer sustento àqueles que acorrem famintos em suas necessidades. Isso é escandaloso! Como pode a figueira de Israel deixar de dar frutos? Como pode a Torah, a própria escritura, não sustentar os fieis e deixá-los desfalecer na fé? Que povo é esse que, mesmo sendo cultivado com carinho por Deus, se dá o direito de produzir apenas folhas viçosas, mas nenhum fruto? Há algo muito errado aqui. E Jesus aponta o que é: o Templo foi transformado num antro de ladrões (v. 17).


A moeda civil, por ter o escudo romano e o rosto de César, não pode ser ofertada. De modo que o Templo tem moeda própria, cujo câmbio é desonesto e lesa os fiéis. Já não bastam as ofertas; o sistema religioso se apropria também dos espólios advindos do câmbio monetário. Além disso, sabemos que a oposição do Templo a Roma é apenas teatral e litúrgica, pois o Sinédrio governa sob a tutela romana. Ainda mais, os animais oferecidos em sacrifício devem atender a todas as exigências da Lei. Por isso, animais “aptos” ao sacrifício são vendidos a preços abusivos no próprio Templo, àqueles que desejam oferecê-los. Ou seja, o próprio Templo os vende e os recebe de volta, como oferta. Essa prostituição civil, política e econômica à qual se presta a religião de Israel é inaceitável, aos olhos do Messias Jesus. Não é sem razão que a “figueira” (o Templo, a Torah, Israel) está estéril, incapaz de qualquer fruto. Assim, compreendemos a atitude drástica de Jesus, ao derrubar as mesas dos cambistas e dos vendedores (v. 15-16). Note-se, pois: não é o povo que acorre ao tempo sem fé; mas seus administradores que usam da fé do povo e corrompem o sistema religioso em favor de interesses próprios.


De fato, os sistemas religiosos de todos os tempos correm o mesmo risco. Por tratarem daquilo que as pessoas consideram e buscam como mais sagrado, as religiões e as autoridades religiosas podem se esquecer de seu papel de “dispensadores do mistério” e “administradores generosos da graça de Deus” (1 Pd 4,10-11). Em vez disso, podem se tornar proprietários mesquinhos e gananciosos, disponíveis a todo tipo de negociata em troca dos bens sagrados;antros de corrupção e adulteração; distribuidores de culpas e misérias àqueles que buscam refúgio e misericórdia; focos de poder tirano que esmaga em vez de fazer viver – tudo em nome do Deus que pretendem representar. Aos olhos de Jesus, são apenas figueiras sem fruto. E, por mais belas que sejam suas folhas, seu destino é um só: a maldição.


Evidentemente, os beneficiados desse sistema putrefato se erguem contra Jesus (v. 18): “sacerdotes e escribas” querem matá-lo, mas não o fazem porque a multidão está “admirada” com seu ensinamento – aquela admiração que já conhecemos em Mc. Assim, ao anoitecer, cumprida a missão, Jesus sai da cidade (v. 19).


Figueiras estéreis e Templos ateus: secura (A)


Pela manhã, novamente no caminho, na intimidade do discipulado, Jesus e os discípulos passam pela figueira – agora ressecada “até a raiz” (v. 20). Pedro nota o acontecido e interroga Jesus (v. 21). O Mestre começa sua resposta por aquilo que faltava no Templo e que o fará secar, cedo ou tarde: “Tem fé em Deus” (v. 22). E explica o sentido da fé e da oração: é já a realização esperançosa daquilo que se pede a Deus (v. 23-24); ou o exercício da gratuidade e do perdão, tal como os experimentamos do Pai (v. 25). Não se trata de mesquinhez, troca ou usura, como no Templo, há pouco. Mas da generosidade e da misericórdia – frutos genuínos da fé e da oração.


Também nisso Jesus é um “messias inesperado”, pois não vem dar novo alento às instituições clássicas de Israel. Se não é um “messias–rei”, também não é um “messias–sacerdote”. O Templo tinha finalidade basicamente penitencial. Digno de castigo segundo a Lei, o pecador oferecia no Templo uma vítima em seu próprio lugar, para expiação da culpa cometida e reconquista do favor de Deus. A execução do sacrifício era condição para reconquistar a pureza moral e, em certa medida, a cidadania civil. O que Mc nos diz é que, a partir de Jesus, todos têm acesso à misericórdia de Deus, sem pessoas ou instituições que se interponham como condição indispensável e quantificadora desse perdão divino. A fé e o coração contrito, expressos na oração sincera, são a única condição para acolher o perdão que Deus sempre concede, a todos quantos o busquem. Há lugar para a instituição religiosa? Sim, desde que em função da manutenção e aprofundamento dessa Aliança – graça de Deus e acolhida pessoal. Tudo quanto exceda a isso se configura como usura e usurpação, condenadas por Jesus.


Algumas traduções trazem no v. 26 um acréscimo que vem de Mt, em cópias posteriores: “Porém, se não perdoardes, também vosso Pai que está nos céus não vos perdoará vossas ofensas” (Mt 6,15). É a moldura final do Pai Nosso, em Mt. E traz o típico “vice-versa” de Mt: “se perdoardes, sereis perdoados; se não perdoardes, não sereis perdoados”. Em Mc, como temos visto, não há nada semelhante.


 * * *


Jesus é o “messias inesperado”, diante do qual a corrupção e as mazelas escondidas vêm à luz. Mesmo a religião pode se tornar lugar de troca, de interesses e vantagens. Não é essa a atitude que aprendemos do Mestre. Somente vivendo como ele, na honestidade e generosidade diante de Deus, com o próximo e conosco mesmos, seremos capazes de nos entregarmos como oferta viva de amor e de fé.