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25. Arrogantes e humildes na dinâmica do Reino (Mt11,20-30)

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09.09.2015 | 11 minutos de leitura
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Curso Bíblico
25. Arrogantes e humildes na dinâmica do Reino (Mt11,20-30)

11


20 Então Jesus começou a censurar as cidades nas quais tinha sido realizada a maior parte de seus milagres, porque não se converteram.
21 “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Se em Tiro e Sidônia se tivessem realizado os milagres feitos no meio de vós, há muito tempo teriam demonstrado arrependimento, vestindo-se de saco e cobrindo-se de cinza.
22 Pois bem! Eu vos digo: no dia do julgamento, Tiro e Sidônia terão uma sentença menos dura do que vós.
23 E tu, Cafarnaum! Acaso serás elevada até o céu? Até o inferno serás rebaixada! Pois se os milagres realizados no meio de ti se tivessem produzido em Sodoma, ela existiria até hoje!
24 Eu, porém, te digo: no dia do juízo, Sodoma terá uma sentença menos dura do que tu!”
25 Naquela ocasião, Jesus pronunciou estas palavras: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos.
26 Sim, Pai, assim foi do teu agrado.
27 Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
28 Vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso.
29 Tomai sobre vós o meu jugo e sede discípulos meus, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós.
30 Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”.
Situando...

Como vimos, adentramos agora o terceiro “livrinho” do Evangelho de Mt. Ainda não chegamos ao Sermão das Parábolas do Reino, mas nos preparamos para ouvi-lo por meio da parte narrativa que o precede. Já sabemos, pois: algo sobre o Reino nos é dito por essas palavras e atitudes de Jesus que precedem o sermão. Nos versículos anteriores, Jesus censurava “esta geração” por sua incredulidade: não acreditou em João Batista e em sua austeridade do deserto, tampouco acreditou em Jesus e em sua palavra terna sobre a proximidade de Deus. Literariamente, Jesus interpela seus contemporâneos; no tempo da redação do Evangelho, é o autor quem interpela seus contemporâneos, especialmente os judeus, advertindo-os contra a incredulidade.


Jesus passa, então, a censurar “as cidades nas quais tinha sido realizada a maior parte de seus milagres, porque não se converteram” (v. 20). De fato, o Evangelho narra muitos feitos de Jesus nessas cidades. O objetivo, entretanto, não é contrapor Jesus e os habitantes desses lugares, tampouco exprimir uma condenação de Jesus a eles. Para Mateus, como bom entendedor das Escrituras Judaicas, é inconcebível que Jesus tenha sido rejeitado, pois ele é precisamente o “Messias esperado”, prometido nas Escrituras e cumpridor das antigas promessas feitas ao povo desde Abraão. Todo aquele que tomar nas mãos as Escrituras saberá reconhecê-lo – assim pensa Mateus. Portanto, como é possível que, tendo-se passado tanto tempo desde sua morte (o evangelista escreve por volta do ano 80), tantos ainda não creiam em Jesus? E ainda mais: como é possível que os judeus expulsem das sinagogas aqueles que confessem a fé em Jesus como Cristo de Deus? Até os magos do oriente – ensina Mateus com ironia – que nunca tiveram nas mãos as palavras da Torah, souberam ler “nas estrelas” os sinais da divindade de Jesus. Como ainda não crer nele? É essa, no fundo, a incredulidade que o texto aponta com severidade. Nas palavras afiadas de Jesus, é Mateus que se refere a seus contemporâneos e lhes condena a falta de fé. Já era tempo, pensa Mateus, de os judeus entenderem que Jesus é o Messias, o Filho de Deus enviado ao mundo.


Tanto é essa a lógica das imprecações (maldições), que sua estrutura é sempre semelhante: contrapõe cidades de Israel e cidades estrangeiras, dizendo que se elas fossem testemunhas dos feitos de Jesus, rapidamente teriam se convertido. Que uma cidade estrangeira se converta à palavra de um profeta, isso não é novo. Foi assim com Jonas, que, após resistir ao chamado de Deus, pregou a Nínive. Para sua surpresa e decepção, a cidade inteira se converteu, do menor dos moradores ao rei (cf. Jn 3,4-10). Outros tantos estrangeiros se mostraram muito piedosos diante da fé no Deus de Israel e muito prontos em cumprir suas palavras: Natã, o sírio (cf. 2Rs5,1-19), a viúva de Sarepta (1Rs 17,8-16), Rute – a moabita, que mereceu um livro inteiro dedicado à sua história etc. Tanta obediência dos estrangeiros à Torah poderia envergonhar um judeu por sua desobediência aos mandamentos. No Evangelho, Mateus afirma o mesmo: a essas cidades estrangeiras não faltou fé, mas oportunidade de conhecer os feitos de Jesus. Se tivessem testemunhado seu ensinamento e suas obras, teriam rapidamente se convertido. “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida!” (embora não sejam relatadas passagens de Jesus por essa cidades, em Mt, são cidades de Israel e, presumivelmente, esperam pelo Messias e conheceram Jesus).“Se em Tiro e Sidônia (cidades estrangeiras, famosas por sua fé pouco pura e pouco confiável) se tivessem realizado os milagres feitos no meio de vós, há muito tempo teriam demonstrado arrependimento, vestindo-se de saco e cobrindo-se de cinza” (v. 21). Vestir-se de saco e cobrir-se de cinza é o sinal excelente de arrependimento e contrição. Foi assim que os ninivitas se penitenciaram após a pregação de Jonas (cf. Jn 3,6). E Jesus conclui dizendo que, “no dia do Juízo, Tiro e Sidônia serão tratadas com menos dureza” do que Corazim e Betsaida. O acento escatológico, comum a todo o Novo Testamento, está presente. Mas, acima de tudo, significa: a decisão pela aceitação ou a rejeição do Reino é grave e determinante. Uma vez diante do Evangelho, não é possível se esquivar: ou se o abraça ou se o rejeita. E essa decisão é escatológica, ou seja, mostra-se definitiva em todas as suas consequências.


Confirmando a binaridade típica da linguagem bíblica, Mateus repete o jogo literário, agora com Cafarnaum e Sodoma. De fato, Cafarnaum é muito querida nos relatos de Mt e foi palco de acontecimentos importantes no Evangelho: a primeira pregação de Jesus, convidando à conversão e à entrada no Reino (cf. Mt 4,12); a cura do servo do centurião romano, ele mesmo um estrangeiro cheio de fé (cf. Mt 8,5ss); e ainda virá o episódio de uma pesca maravilhosa, após a discussão sobre o imposto ao imperador (17,24). Tanta intimidade com Jesus seria bastante para erguer essa cidade aos céus (v. 23)? Para Mateus, não! Não basta estar próximo de Jesus, é preciso acreditar nele; não basta apreciar o Reino, é preciso entrar nele. Pela incredulidade, ela será “rebaixada ao inferno” – muito mais do que Sodoma. Sodoma e Gomorra eram as cidades do Gênesis famosas por seus muitos pecados. A ponto de não respeitarem sequer os enviados de Deus (cf. Gn 19,1-29). Tanta maldade rendeu-lhes uma destruição exemplar, da qual escaparam, segundo o relato fantástico, apenas Ló e sua família (cf. Gn 19,29). Pois bem, para Mateus, a falta de fé da cidade de Cafarnaum a torna mais abominável do que Sodoma e mais digna de castigo. Pois em Sodoma houve maldades terríveis, mas ninguém daquele lugar teve acesso a Jesus e às suas palavras, ao passo que Cafarnaum foi tão querida ao Mestre e ainda assim o rejeitou – e o rejeitou de modo que não tem volta (v. 24). Mais uma vez: não se trata de uma maldição de Jesus a essas cidades, mas do gênero narrativo da imprecação, dirigido pelo evangelista à incredulidade de seus contemporâneos.


Os pequeninos


Mas o Reino não conheceu apenas incredulidade e desprezo – nem no tempo de Jesus, nem na época do evangelista e nem hoje. Por isso, o texto sofre um corte brusco e Jesus passa a louvar aqueles que o receberam, creram nele e fizeram do Reino o seu modo de viver: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (v. 25). Se por um lado há incredulidade dos judeus, especialmente dos fariseus e autoridades religiosas, por outro lado há adesão à proposta de Jesus por parte dos pequenos, daqueles que nada sabem da Torah, mas tem o coração aberto à ação divina. Mateus sabe que, muito mais que eloquência, erudição, conhecimento e domínio das Escrituras, vale a disposição para acolher o evangelho e a vontade de seguir os passos do Mestre de Nazaré. A comunidade de Mateus experimenta isso na pele. Os sábios de seu tempo, os eruditos, os escribas e fariseus – na sua autossuficiência – rejeitam o cristianismo. Já sabem demais; não precisam aprender a lições corriqueiras e simples do Homem de Nazaré. Confiavam na sabedoria adquirida ao longo do tempo, naquele conhecimento que tinha vindo de Jerusalém, do grande centro religioso, dispensando a acolhida do povo. Mateus critica aqueles que não compreenderam que a fé é constante devir, ou seja, é um bem jamais adquirido. A fé é um vir-a-ser, ou melhor, é uma resposta pessoal de cada um de nós a Deus e deve ser dada a cada dia. Os grandes não entendem isso – disse Mateus –, mas só os pequeninos. Os grandes querem respostas definitivas que correspondam a suas certezas absolutas, sem possibilidade de questionamento ou dúvida. Só os pequenos, aqueles cuja vida está referida a Deus e dele depende em tudo, conseguem dar essa resposta diária. Por eles, Jesus louva o Pai. Há coisas que os grandes não sabem, ainda que pensem sabê-lo. Que fiquem na ilusão, se é esse seu desejo, diz o Evangelho de Mt.


E Mateus ainda se atreve a mais: ousa dizer que esse escondimento da verdade aos grandes é do agrado do Pai (v. 26). Porque o Pai se revela sobremaneira e de modo definitivo em Cristo, Mateus sabe disso. Quem não está disposto a aceitar Jesus, quem não está disposto a deixar sua vida sofrer a inversão escatológica que Jesus, o Filho do Pai, traz (como a revelação da verdade aos simples e o velamento da mesma aos grandes), não é capaz da verdade; prefere o erro, escolhe viver de aparências, de status, de privilégios...


O jugo do amor


A quem, no entanto, se faz pequeno e se reconhece necessitado de Jesus, Deus dá em Cristo a graça de se tornarem leves os fardos da vida (v. 28). Mateus sabe muito bem os fardos que sua comunidade, de origem judaica e convertida ao cristianismo, carrega. As leis da Torah, antes pensadas para aliviar a vida e fazê-la menos dura, torna-se um fardo insuportável de carregar. Na tentativa de cumprir os mandamentos, a religião judaica prescrevia 613 mandamentos. Eram 365 prescrições negativas – uma para cada dia do ano – e 248 positivas. Uma lista interminável de coisas a fazer para permanecer puro e uma lista ainda maior do que não fazer para não se tornar impuro. Um fardo insuportável que nem mesmo os fariseus cumpriam regularmente. Sinal desse descumprimento é a existência do culto. Na liturgia do Templo de Jerusalém, no tempo de Jesus, por meio de oferendas e sacrifícios, os judeus se reconciliavam com Deus, acreditando que ele completava o que eles não deram conta de viver. E, se já era difícil para os mestres da Lei cumprir os preceitos, imagine só para os pequenos e simples que nem sabiam ler e escrever, quanto mais guardar todas as prescrições de cor e cumpri-las sem nenhuma transgressão!


Mateus está convicto que, em Cristo, o fardo é leve. Nada de peso da Torah! Nada de 613 mandamentos a cumprir! Nada de jugos e fardos a carregar. Os discípulos de Jesus não estão mais sujeitos a Torah; estão sujeitos ao Mestre que ama e ensina a amar. Ele é manso e humilde de coração (v. 29) e não ameaça com castigos os não-cumpridores das leis. Ao contrário, àqueles que se sentem enfraquecidos e sem condições de cumprir seus preceitos, ele estende a mão e os sustém no seu amor. O jugo de Jesus é o amor: o amor é leve, a vida no amor é suave (v. 30). Quem escuta e acolhe essas palavras de Jesus se prepara para as estranhezas das parábolas que virão a seguir no capítulo 13.


* * *


Se para os grandes e arrogantes, para os autossuficientes cujo coração está cheio de si sem necessidade de Deus, há uma imprecação; para os pequenos e humildes, há um louvor e uma promessa. Esses estão vazios de si e prontos para receber a revelação do amor, estão aptos ao socorro amoroso de Deus. Para esses, uma bendição: Deus os ajudará a carregar os fardos, mesmo aqueles que os arrogantes lhes impõem.