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22. O CREDO: Padeceu sob Pôncio Pilatos

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07.01.2016 | 6 minutos de leitura
Pe. Paulo Sérgio Carrara- C.Ss.R
Para Pensar
22. O CREDO: Padeceu sob Pôncio Pilatos

Padeceu


O Credo, depois de afirmar que Jesus nasceu da Virgem Maria, afirma que ele padeceu. Há um salto, portanto. E a vida de Jesus, o que ele fez antes de sua morte: suas palavras, obras, milagres, o anúncio do Reino, no qual reconhecemos o centro de sua mensagem? O verbo padeceu resume, no Credo, todo o caminho de Jesus, marcado pelo sofrimento. E podemos imaginar quais foram os seus sofrimentos: nasceu numa situação de extrema simplicidade e sua vida em Nazaré não se deu na opulência. Ele certamente trabalhou para ganhar a vida. Naquele tempo, o pai transmitia sua profissão ao filho e Jesus aprendeu a arte da carpintaria com José. Não faz sentido imaginar que Jesus passou 30 anos de sua vida só em oração e recolhido. Jesus conheceu as labutas dos trabalhadores de sua época. Quanto a seu ministério, não lhe angariou sucessos, mesmo se a multidão se admirava com o que ele dizia e fazia. Os fariseus e escribas buscavam por Jesus a prova, pois queriam encontrar motivos para condená-lo.


Ele foi tentado (cf. Mt 4,1-11). O episódio das tentações resume provações sofridas por Jesus ao longo da vida. A pior delas, talvez, a tentação de um messianismo glorioso, fortemente rejeitado por Jesus na obediência ao Pai. “Tudo isso te darei se prostrado, me adorares” (Mt 4,9). Ele resiste: “Vai-te Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e a ele prestarás culto” (Mt 4,10). Sua obediência não desfalece. “Foi ele que, nos dias de sua vida mortal, dirigiu orações e súplicas, com veemente clamor e lágrimas, àquele que podia salvá-lo da morte, e foi atendido por causa de sua submissão. E, embora fosse Filho, pelos sofrimentos suportados, aprendeu a obediência” (Hb 5,8). Foi desacreditado, perseguido, abandonado pelos amigos, traído por um deles. Frente à iminente morte na cruz, revela toda sua angústia: “Tomou consigo Pedro, Tiago e João e começou a sentir medo e angústia. E lhes disse: minha alma está numa tristeza mortal” (Mc 14,33-34). Na cruz, se sentirá abandonado pelo Pai: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes”? (Mc15,34). Jesus se sente abandonado pelo Pai, o que significa um sofrimento cuja intensidade somos incapazes de mensurar. “Trata-se de uma noite para nós insondável”, como afirma o grande teólogo Balthasar.


Mas não devemos cair num dolorismo pessimista. Jesus também se alegrou e conheceu os prazeres saudáveis da vida. Alegrou-se com a proximidade dos apóstolos, com a contemplação da criação de Deus, com a preferência que ele tem pelos mais pobres e simples, que entendem sua mensagem melhor que os sábios e inteligentes (cf. Mt 11,25-26). Jesus amou com todas as fibras do seu ser, e quem ama assim conhece uma alegria e uma paz para além dos sofrimentos cotidianos. Ele tudo vive na confiança em Deus, seu Pai, por isso sua existência não podia ser só de tristeza e sofrimento, porque assim não conseguiria transmitir a beleza de sua mensagem. Nele encontramos uma coincidência total entre ser e fazer. O que faz expressa a riqueza de sua interioridade. Não só anuncia o Reino, mas o Reino se realiza na sua pessoa.Ele é o amor de Deus encarnado. E não o esqueçamos, fomos salvos pelo amor de Jesus que, quando acolhido, transforma nossa vida porque nos faz participar da sua. Não fomos salvos pelos seus sofrimentos, embora eles elevem o amor de Jesus a um grau inimaginável. A cruz simboliza até que ponto chega o amor de Jesus pela humanidade.


Sob Pôncio Pilatos


Quem era Pilatos? Ele era o procurador (prefeito) romano da Judeia na época de Jesus. Governou a Judeia de 26 a 36 d.C.  Sua menção no Credo evidencia que o evento salvífico de Deus em Cristo aconteceu em nossa história. A história da salvação se insere na história humana, que se mostra sempre a história de Deus com os homens. O que aconteceu com Jesus pode, portanto, ser historicamente delimitado e datado. Pilatos não é, entretanto, apenas um personagem importante que o Credo menciona por acaso. O Credo afirma que Jesus padeceu sob Pôncio Pilatos, ou seja, Pilatos tinha poder político e o exercia como domínio sobre as pessoas. Representa a potência romana dominadora da Judeia e age segundo interesses políticos e econômicos. Seu poder em nada se parece com o de Deus, que só busca o bem dos outros, porque é amor incondicional.Ele sabe que Jesus é inocente, não encontra nele motivo de condenação (cf. Jo 18,38), mas não quer comprometer suas pretensões políticas e por em jogo sua amizade com o imperador César (cf. Jo 19,12-13). Por isso, cedendo à injustiça, ele entrega Jesus para que seja crucificado (cf. Jo 19,16), lavando, assim, as suas mãos (cf. Mt 27,24). O poder humano costuma se basear apenas em interesses egoístas e arbitrários. E onde entra os interesses do poder, o amor não tem chances de germinar. O Credo nos fala da condenação de Jesus de modo sintético e realista. E é muito preciso: Jesus não padeceu nos tempos em que Pilatos era procurador na Judeia, ele padeceu sob Pôncio Pilatos, ou seja, sob o poder político dominador de Pilatos.


E não só o poder de Pilatos se levanta contra Jesus. Os outros poderes seguem o mesmo caminho: o judeu de Herodes (cf. Lc 23,7-12) e o religioso de Caifás (cf. Mt 26,57-67). Jesus foi condenado também diante do Sinédrio, tribunal judaico da época, mas esse não tinha o poder de condenar à morte a não ser por apedrejamento, como é o caso de Estevão, o primeiro mártir cristão (cf. At 7,54-60). A lapidação que almejam para Jesus é ainda mais cruel e só poderia aplicá-la o poder romano. E esses três poderes juntos conseguem manipular a multidão para que se volte contra Jesus. A mesma multidão explorada por estes poderes é agora por eles manipulada: eis a contradição da história, que parece se repetir ainda hoje. E por que Jesus padece? A resposta é simples: por viver os valores do Reino que ele anunciou (fraternidade, paz, justiça, misericórdia). Tais valores são contrários aos valores do antirreino, que nascem da ganância, do egoísmo e da busca desenfreada do poder. A história se repete quando os justos pagam pelos injustos. Os poderosos sempre manipulam as massas em vista de seus interesses. Jesus é continuamente condenado naquele que sofre as consequências da ganância dos poderes corruptos. Mas a causa de Jesus não se resume no padeceu sob Pôncio Pilatos, ela termina na ressurreição. O Pai toma partido e fica do lado de Jesus. Mas ainda precisamos falar um pouco mais de sua morte, afinal, o Credo continua: foi crucificado, morto e sepultado.