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20. Reflexão para o 25º domingo do Tempo comum (Mt 20,1-16)

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23.09.2017 | 9 minutos de leitura
Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues
Evangelho Dominical
20. Reflexão para o 25º domingo do Tempo comum (Mt 20,1-16)

A liturgia deste vigésimo quinto domingo do tempo comum propõe o texto de Mateus 20,1-16 para o Evangelho. É um texto rico e complexo, exclusivo do Evangelho segundo Mateus e contém uma das mais belas e difíceis parábolas sobre o Reino. A primeira dificuldade gira em torno do título mais adequado a ser atribuído a essa parábola: “Parábola dos trabalhadores da vinha” ou “Parábola do patrão generoso”? Talvez seja melhor não atribuirmos nenhum título, pelo menos inicialmente, e perceberemos a sua riqueza ao longo da leitura. O certo é que se trata de mais uma parábola do Reino dos céus, como prefere Mateus.


Antes de adentrarmos diretamente no texto, é necessário que o contextualizemos, tendo em vista uma compreensão mais adequada do mesmo. O contexto geral é o da viagem de Jesus com seus discípulos para Jerusalém (cf. Mt 19–20). É importante recordar que, quanto mais Ele se aproximava de Jerusalém, mais necessidade tinha de instruir seus discípulos sobre a natureza do Reino que estava propondo. Ora, os discípulos e as multidões que o seguiam sonhavam com a restauração do rein0 davídico-salomônico e, por isso, tinham dificuldades de compreender e aceitar a sua proposta de Reino. Com isso, Jesus procurava cada vez mais apresentar as particularidades do Reino dos céus e a mudança de mentalidade que esse exigia, com suas novas relações, sobretudo, no que diz respeito à religião, ao mundo do trabalho, à prática da justiça e, enfim, a todos os âmbitos da vida humana.


Os episódios que antecedem o nosso texto no Evangelho são: o encontro de Jesus com o jovem rico (cf. 19,16-22) e a reação dos discípulos ao desfecho desse encontro (cf. 19,23-30). A parábola que estamos tentando compreender é, portanto, a resposta de Jesus a essas duas situações, principalmente à pergunta de Pedro, em nome do grupo: “E nós que deixamos tudo e te seguimos, que recompensa teremos?” (19,27). Ora, Pedro aproveitou a falta de coragem do jovem rico para despojar-se de suas riquezas e resolveu tirar vantagem da situação. Jesus lhe assegura que seu seguimento não ficará sem consequências, mas não garante privilégios pois, no Reino dos Céus, vale a máxima “muitos dos primeiros serão os últimos, e muitos dos últimos serão os primeiros” (19,30). Essa expressão proverbial que antecede a parábola é a mesma que a conclui, de modo que a longa parábola nada mais é que a explicação dessa máxima: “Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (19,30; 20,16).


Podemos, agora, voltar a nossa atenção diretamente para o texto, recordando que, por ser uma parábola, não nos deteremos em cada um dos versículo, uma vez que o mais importante é a mensagem geral, embora seja necessário observar alguns pormenores. Eis o início do texto: “O Reino dos Céus é como a história de um patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha” (v. 1). Jesus está introduzindo uma parábola do Reino dos Céus, e isso confere ao texto um grau de máxima importância, considerando a centralidade do Reino em sua pregação. As parábolas apresentam imagens comparativas, jamais descritivas, do Reino. Como o Reino consiste em um mundo novo, uma s0ciedade alternativa, completamente diferente das sociedades humanas até então experimentadas, ele não pode ser descrito, uma vez que ainda não foi experimentado. O texto litúrgico erra ao apresentar a figura de um patrão; na língua original, o texto fala de um pai de família ou dono de casa, uma imagem bem mais suave e mais próxima do Deus que Jesus quis revelar do que a de um patrão.


Desde o Antigo Testamento, Deus é apresentado como o dono de uma vinha (cf. Is 5,1-7). A vinha é a imagem clássica do povo de Deus e, nessa passagem, passa a ser imagem da comunidade cristã, embrião do Reino dos céus. Chama a atenção o fato de ser o próprio proprietário a sair em busca de operários para a vinha. Ele não manda um encarregado, mas vai pessoalmente. Com isso, Jesus ensina que o antigo sacerdócio do templo e toda a hierarquia religiosa da época estava descartada e vencida. Os chefes religiosos do seu tempo não estavam mais autorizados a falar em nome de Deus Pai, por isso apresentavam um Deus patrão e castigador. O Deus Pai de Jesus, pelo contrário, ao invés de castigar, apenas ama, sai ao encontro, inclui e, por isso, salva!


O proprietário demonstra um zelo ímpar para com a sua vinha: sai diversas vezes durante o dia em busca de trabalhadores: pela madrugada (v. 1), às nove da manhã (v. 3), ao meio dia (v. 5), às três (v. 5) e às cinco da tarde (v. 6). O contato interpessoal do proprietário com os operários contratados deixa ainda mais clara as novas relações entre a humanidade e o Deus da vida que Jesus revelou. Um Deus presente, realmente “Conosco”, como apresenta Mateus ao longo de todo o seu Evangelho (cf. 1,23; 18,20; 28,20). Um Deus que apenas chama, não pede currículo algum, porque sua intenção é a inclusão: Ele não quer que ninguém fique fora do seu Reino, ao contrário da religião que segrega e exclui, ao classificar as pessoas entre justos e pecadores.


Ao contrário do sistema vigente na época de Jesus e no período da redação do Evangelho segundo Mateus, no Reino por Ele anunciado, não havia lugar para a competitividade, nem para a meritocracia. É claro que nem todos conseguiam assimilar com facilidade essa nova mentalidade inclusiva: a passagem da religião da lei para a da misericórdia. Essa dificuldade é demonstrada na parábola pela reação dos primeiros contratados à lógica do patrão no momento do pagamento. Ora, ao pagar primeiro aos últimos contratados, e dar-lhes o mesmo valor dado aos contratados ainda na madrugada, o patrão inverteu completamente a lógica da economia e do mundo do trabalho, fez uma reviravolta total nas relações: ao invés de agir conforme a lei, ele agiu com misericórdia e bondade, deixando furiosos aqueles que tinham sido contratados primeiro, como diz o texto: “ao receberem o pagamento, começaram a resmungar contra o patrão: ‘Estes últimos, trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro’” (vv. 11-12). O patrão tinha duas opções: agir conforme a lei e, assim, perpetuar a desigualdade, ou agir pela bondade e, assim, promover a igualdade. Como preferiu a segunda opção, foi contestado.


Com a reação dos primeiros contratados, Jesus denuncia a mentalidade competitiva entre os discípulos e, ao recordar isso, Mateus também denuncia a situação da sua comunidade, composta predominantemente por cristãos provindos do judaísmo. Esses reivindicavam vantagens e privilégios sobre os cristãos convertidos do paganismo. Assim como os primeiros contratados alegavam ter suportado cansaço e calor, os cristãos de origem judaica alegavam conhecer e observar a Lei e os Profetas, imaginando que isso lhes daria privilégios dentro da comunidade, por serem os verdadeiros herdeiros das antigas promessas. Esse comportamento se assemelha ao do filho mais velho na parábola do “Pai misericordioso” ou “Filho pródigo” de Lucas (cf. Lc 15,11-31), de modo que podemos equipará-las na ênfase à misericórdia do Pai revelada por Jesus.


A reação do patrão ao murmúrio dos primeiros contratados é a clara denúncia de Jesus e de Mateus às pessoas religiosas que queriam controlar o agir de Deus, prendendo-o a doutrinas e normas: “Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja porque estou sendo bom?” (v. 15). O desconforto de uma religião sustentada pela mentalidade meritocrática, retributiva e legalista é grande quando se descobre que o Deus verdadeiro é um Pai que ama, perdoa, vai pessoalmente ao encontro das pessoas afastadas e prom0ve a igualdade. Jesus contesta radicalmente a religião que se propõe a determinar a maneira de Deus agir. Para Ele, isso é um verdadeiro atentado.


Certamente, a denúncia de Jesus e do evangelista continua válida também para os dias atuais. Pois, como sabemos, ainda hoje, muitas pessoas religiosas ainda tem dificuldade de aceitar um Deus misericordioso que age com liberdade e doa seu amor a todos, sem distinção. Na verdade, esse Deus continua sendo negado por essas pessoas. É inadmissível um Deus que não premia os bons e castiga os malvados! Para essas pessoas, a salvação é um prêmio e não um dom; Deus é um soberano e não um Pai; o outro é um c0ncorrente e não um irmão; a Igreja é um tribunal e não uma família. Infelizmente, essa mentalidade prevalece ainda em muitas comunidades, grupos e movimentos nos dias atuais!


Assim, chegamos à conclusão e síntese da parábola: “Os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos” (v. 16). Como tínhamos afirmado na introdução, a parábola em si é a explicação para essa máxima proverbial. Não se trata de uma exclusão aos que chegaram primeiro no grupo de discípulos ou na comunidade, mas uma demonstração de que o fato de chegarem primeiro não lhes dá privilégios nem supremacia sobre os que vierem depois. Essa expressão é apenas um modo de enfatizar que aqueles que forem chamados por último terão os mesmos direitos que os primeiros e, principalmente, que na comunidade do Reino não há distinção entre os seus membros, uma vez que o Reino é família e, em família, todos são irmãos e irmãs.