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189. Replantios

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05.09.2018 | 4 minutos de leitura
Pe. Eduardo César Rodrigues Calil
Crônicas
189. Replantios

“O justo é como árvore plantada à beira do rio” (Sl 1,1)




“Quando entrar setembro


E a boa nova andar nos campos

Quero ver brotar o perdão

Onde a gente plantou

Juntos outra vez”


(Beto Guedes)


 

Faria bem ao animal humano descobrir que ele é parte da natureza. Que ele está não só em interação, mas em dependência do rio, do ar, da vegetação e dos animais não-humanos com os quais convive. Mas uma má interpretação do texto bíblico fez o animal humano crer que ele deve submeter a natureza, como quem a subjuga e explora seus recursos até o fim. Deveríamos, isso sim, cuidar da natureza (que também somos!) por causa de motivações espirituais, filosóficas, holísticas. E, se não as quisermos, ao menos das razões práticas e objetivas não deveríamos abrir mão: ao destruir a natureza, acabaremos mais cedo ou mais tarde por engendrar nosso próprio fim.


Temos muito mais a ver com a natureza que nos cerca do que suspeitamos. Homens e árvores, por exemplo, têm certo parentesco. Também o ser humano precisa lançar raízes em algum solo fértil para que possa se desenvolver. Se as árvores precisam de sol e água, o ser humano precisa do cuidado e do respeito que nutrem a vida, enchem-na de dignidade, cercam-na dos nutrientes necessários para enfrentar as crises e as dificuldades. Se as árvores lançam suas raízes no seio da terra, abrem-se também com suas copas vicejantes em direção ao céu. Também o humano precisa de enraizamento: deitar raízes em sua própria humanidade, aprender a acolher sua condição terrosa e a aceitar sua imanência. Sem raízes profundas, o humano se deixa levar ao sabor do vento. Mas o humano também é chamado a ter abertura. Abertura ao que o cerca, ao outro, ao mistério. Não se pode contentar ou se reduzir à proteção das raízes; terá que se lançar na vida com suas brisas e tempestades. E se as árvores se nutrem da seiva, fará bem que o humano descubra o sentido que pode alimentar sua existência, ou os sentidos e amores que podem encher a copa de frutos.


Como pode acontecer às árvores, o humano também pode ser replantado. Replantios são difíceis. Acostumar-se a outro clima, outro solo. As folhas podem ressequir, a saúde da árvore pode fraquejar. O ser humano sofre com replantios, muitas vezes. Adaptar-se é um dos seus segredos, mas essa adaptação pode ser custosa e exigente. Exige paciência e esmero no cuidado. Se as árvores precisam receber todo o amparo necessário para vingar em outros solos, e elas próprias têm em si recursos para se adaptarem, recursos sem os quais qualquer esforço externo seria dispensável, também o homem precisa de amparo e possui em si recursos indispensáveis para vingar diante da mudança.


A vida, muitas vezes, nos replantará. Um emprego novo, uma cidade nova, uma nova escola, um novo país, um novo grupo de convívio, um novo setor no serviço. Não é difícil entristecer, descosturar os sentidos do viver, ou até adoecer diante dessas realidades. Quantos cuidados serão necessários para que as raízes machucadas e a copa ressequida se restabeleçam. Sem eles, os replantios serão mais sofridos e, muitas vezes, poderão causar a morte da árvore. Há que se atentar também para aquilo que é particular a cada um: uma araucária não cresce vigorante no cerrado mineiro. Decerto, alguns replantios não são promovidos pela vida e sua sabedoria, mas pela maldade e perversidade humana; a estes, talvez devêssemos resistir, o quanto possível. Mas às vezes não é possível. Vale lembrar aquela máxima nesses casos: florir, onde a vida nos plantar. Porque florir, quando não esperam isso de nós, é a maior resistência que podemos oferecer!