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182. Indigência fecunda

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12.06.2018 | 4 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Crônicas
182. Indigência fecunda

“Só tenho um punhado de farinha

e um pouco de azeite na jarra” (1Rs 17,12)


 

Eis o que eu venho te dar,

Eis o que ponho no altar,
T

oma, Senhor, que ele é teu,

Meu coração não é meu

(Padre Zezinho)


 

Em meio a tanta confusão no país, a gente nem sabe mais o que fazer, a quem apoiar, o que dizer. Andamos desconfiados de tudo e de todos. Por trás de um bom projeto, de uma boa causa, se escondem motivações perversas, assustadoras... Apesar dessa insegurança, uma coisa é certa: quem acredita no Deus de Jesus Cristo sabe pelo menos de que lado deve ficar: do lado dos pobres, dos excluídos, dos sofredores, daqueles que não têm voz nem vez, daqueles que estão subjugados pelo sistema econômico, dos que veem seus direitos roubados e sua dignidade ameaçada, sem ter como se defender. O lado dos pobres é o lado do Deus bíblico, o Deus que se fez homem e assumiu as misérias humanas.


Ficar do lado dos pobres, porém, tem alto preço. O preço da coerência, que obriga à partilha e à vivência fraterna. Não dá para ser “esquerda caviar” na fé cristã, ou seja, não dá para falar de pobres, direitos humanos, exclusão, injustiça etc. e não colocar a mão na lata de farinha, ainda que ela esteja no resto.


Repartir o pouco que temos é regra evangélica. A viúva, cujo provimento estava no fim, acolheu o apelo de Elias, amassou o pão com o pouco de farinha e de óleo que havia em sua despensa e dividiu-o com o profeta. A viúva do relato de Marcos (12,44) – de novo as mulheres desamparadas; elas são mestras em generosidade! – entregou as duas moedas que tinha. Não reservou nada para si, não guardou na poupança, não economizou generosidade. Compartilhou seu sustento depositando-o no cofre do Templo e foi digna de elogios. Também no relato da multidão saciada (Mc 6,32-44; Mt 14,13-21; Lc 9,10-17; Jo 6,5-15), os evangelistas fazem questão de mostrar que tudo começa com a generosidade de um anônimo na multidão, que tem cinco pães e dois peixes para compartilhar. “Mas o que é isso para toda esse gente?”, perguntam os discípulos, acostumados à lógica do “salve-se quem puder” e não à economia evangélica.


De fato, em meio a tantas necessidades e urgências, muitas vezes temos vergonha de mostrar nossa oferta. “O que podemos fazer?”, pensamos... E logo temos a resposta: “Nada, nada, nada!”. Sentimo-nos impotentes. Olhamos para nós mesmos e nos vemos como um grão de areia na imensidão da praia, uma gota d’água diante do oceano, ou uma andorinha sozinha, que não consegue fazer verão. Frente a essa impotência, paralisamo-nos e o pouco que podíamos fazer fica somente nos projetos e sonhos. A gente pensa: “Eu podia agasalhar um pobre, mas são tantos, nem sei a quem doar meu cobertor”. Ou então: “Eu preciso repartir o pão, mas a quem entregá-lo?”. Com tantos famintos, ficamos estarrecidos e não fazemos nada. Absolutamente nada.


Quem já brincou de pique-estátua quando criança sabe do que eu estou falando. A gente vivia fazendo essa brincadeira na infância. Quando um amigo encontrava o outro, dizia: “Estátua”. Quem recebia essa ordem tinha de parar os movimentos do corpo na hora e ficar na mesma posição até receber ordens para falar, andar e voltar à vida normal. Dava uma aflição, um pânico, uma sensação de estranhamento... É assim que ando me sentindo atualmente. O sistema econômico nos paralisou, nos congelou, nos deixou “estatuados”. Não concordamos com a fome, nem com a miséria, nem com o acúmulo de riquezas, nem com os privilégios dos grandes – políticos, juízes e milionários –, mas não sabemos como romper esse círculo vicioso. Queremos uma solução mágica, mas ela não vem. Queremos uma resolução de cima, que não nos exija mais sacrifícios, mas ela não existe. Não queremos distribuir nossa própria indigência, repartir o pouco que temos, nos sacrificar ainda mais. Parece legítimo isso. Mas quem segue Jesus já sabe que não há outra solução para as crises a não ser a oferta de si mesmo. Vamos ter de colocar no altar da vida, a oferta da viúva, já tão empobrecida. Ou vamos ter de partilhar nossos pãezinhos e peixes, sem medo da multidão. Talvez seja hora de cantar a antiga canção religiosa: “Sabes, Senhor, o que temos é tão pouco pra dar, mas este pouco, nós queremos com os irmãos compartilhar”. O pouco que temos pode se multiplicar quando a oferta é generosa. É preciso acreditar na fecundidade de nossa própria indigência.