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16. Instruções complementares II (Mt7,13-29)

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03.12.2014 | 13 minutos de leitura
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Curso Bíblico
16. Instruções complementares II (Mt7,13-29)

7


13 “Entrai pela porta estreita! Pois larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram!
14Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida, e poucos são os que o encontram!
15“Cuidado com os falsos profetas: eles vêm até vós vestidos de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes.
16Pelos seus frutos os conhecereis. Acaso se colhem uvas de espinheiros, ou figos de urtigas?
17Assim, toda árvore boa produz frutos bons, e toda árvore má produz frutos maus.
18Uma árvore boa não pode dar frutos maus, nem uma árvore má dar frutos bons.
19Toda árvore que não dá bons frutos é cortada e lançada ao fogo.
20Portanto, pelos seus frutos os conhecereis.
21“Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor! Senhor!’, entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus.
22Naquele dia, muitos vão me dizer: ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos? Não foi em teu nome que expulsamos demônios? E não foi em teu nome que fizemos muitos milagres?’
23Então, eu lhes declararei: ‘Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade’.
24“Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática é como um homem sensato, que construiu sua casa sobre a rocha.
25Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos deram contra a casa, mas a casa não desabou, porque estava construída sobre a rocha.
26 Por outro lado, quem ouve estas minhas palavras e não as põe em prática é como um homem sem juízo, que construiu sua casa sobre a areia.
27Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos sopraram e deram contra a casa, e ela desabou, e grande foi a sua ruína!”
28Quando ele terminou estas palavras, as multidões ficaram admiradas com seu ensinamento.
29De fato, ele as ensinava como quem tem autoridade, não como os escribas.

Situando


O Sermão da Montanha está sendo concluído e, com ele, o primeiro dos cinco livrinhos que estruturam a obra mateana (cf. estudo 3). Antes de voltar à planície, o Mestre lança uma advertência final: sua palavra não é apenas para ser ouvida, senão, sobretudo, para ser abraçada, sem reservas, e traduzida numa vida em sintonia com o amor gratuito do Pai. Diversas metáforas, também presentes em Lc, servem a esse propósito (cf. Lc 13,23-24; 6,43-45; 6,46; 13,25-27; 6,47-49; 4,32; 7,1).


Duas portas, dois caminhos


Uma categórica exortação abre a perícope: “Entrai pela porta estreita!” (13a). Em seguida, uma inquietante observação: a porta e o caminho que levam à perdição são amplos e muito frequentados (v. 13b). Ao contrário, a porta e o caminho que conduzem para a vida são apertados e, por isso mesmo, pouco transitados (v. 14). Uma cena arrepiante e bastante familiar cruza, então, a nossa mente... Imaginamos São Pedro, em meio a nuvens e a sons de harpas e violinos, exercendo o difícil ofício de porteiro e os falecidos de todos os tempos tentando entrar no Céu, com muito esforço e suor, mas com pouco sucesso, pois a porta é estreita demais para ser atravessada... Será isso que Jesus quer nos dizer? Antes de arriscarmos uma resposta, lembremos que o amor gratuito do Pai, que está para além de toda recompensa, é o cerne do Primeiro Evangelho. Todo o Sermão da Montanha, de fato,visa a desmontar a chamada Teologia da Retribuição, que reduzia – e continua reduzindo! – o relacionamento com Deus a um mesquinho sistema de méritos, deméritos e pagamentos, onde a cada boa ação do homem corresponde um prêmio e a cada escorregada, um castigo. Mas Jesus já avisou que o Pai não é assim, uma vez que ele “faz nascer o seu sol sobre maus e bons e faz cair a chuva sobre justos e injustos...” (Mt 5,45). O Pai não é, pois, um profissional contável, que registra escrupulosamente nossas boas obras, numa coluna, e nossos pecados, na outra, para retribuir a cada um segundo o balanço final. Imaginar a Deus assim não lhe faz justiça... Como entender, então, a passagem comentada? Basta bater o olho no texto para observar que Jesus não está falando nem do céu, nem do inferno, nem da morte, nem da “vida eterna”, senão que está discorrendo sobre a vida, sem mais, sem qualificativos, sem acréscimos. A porta e o caminho que levam à vida não são outros que o amor gratuito, generoso e desinteressado, que nos torna filhos do Pai (cf. Mt 5,9.45). Quando passamos por essa porta e transitamos por esse caminho, pisamos em solo firme, intuímos o sentido da existência e enxergamos um horizonte maior. E, no entanto, a porta é estreita e o caminho apertado, pois a passagem da legalidade para a gratuidade, à qual o Evangelho nos convida, não está livre de resistências, nem acontece de um dia para o outro. A porta estreita e o caminho apertado não são, entretanto, nem a única porta, nem o único caminho. Sabemos, por própria experiência, que há outras possibilidades, aparentemente mais confortáveis e, por isso mesmo, tentadoras. Mas, em contrapartida da sua maior largura, essa porta e esse caminho conduzem a uma existência sem fundamento sólido, sem rumo certo e sem perspectiva. É de bom senso, pois, escolher a porta estreita.


Falsos profetas e frutos amargos


A advertência contra os falsos profetas era um motivo bem conhecido da comunidade mateana. O antigo Israel, de fato, tinha sido prevenido, inúmeras vezes, contra homens e mulheres que, apesar de falarem pretensamente em nome de Deus, seguiam, na verdade, a própria inspiração e estavam longe da verdadeira justiça (cf. 2Cr 18,4-13; Jr 14,11-22; 27,14-22;28; Ez 13–14; Mq 2,6–3,8; Zc 13,2). Com frequência, Deus fazia ouvir sua queixa contra eles: “O que esses profetas anunciam em meu nome é mentira, não os enviei, não lhes dei ordens, nem falei com eles; o que anunciam é apenas uma visão mentirosa, adivinhação, ilusão e logro da cabeça deles” (Jr 14,15). Mas, nem por isso, o povo deixava de prestar ouvido, pois seus oráculos coincidiam exatamente com o que muitos corações queriam escutar.


Ora, nesse ponto, o Novo Israel de Deus, reunido em torno de Jesus Cristo, não é diferente do Antigo. Daí a advertência do Mestre: “Cuidado com os falsos profetas...” (v. 15a). A comunidade eclesial não se iluda – está-nos dizendo Mateus – achando-se a salvo do perigo que esses falsários representam. Ao contrário, permaneça vigilante e esperta, pois são lobos ferozes (cf. Ez 22,27), embora se vistam de ovelhas (v. 15b – cf. Ez 34,23). Mas quem são, em concreto, os falsos profetas? O evangelista não o diz expressamente, mas o contexto leva a pensar que se trata de membros da própria comunidade mateana – e, por extensão, da Igreja de todos os tempos –, que, à medida que se apegavam à Lei, ou melhor, ao legalismo, recusavam o dom gratuito do Reino e ameaçavam, desse modo, a vida e a fé da comunidade.


Como distinguir, então, os falsos dos verdadeiros profetas, se, por fora, se parecem tanto? Jesus dá o critério para distingui-los: “pelos seus frutos os conhecereis” (v. 16a). A imagem da árvore e dos frutos perpassa toda a literatura sapiencial, que ilustra profusamente as vantagens de uma existência ancorada na Torah (cf. Pr 11,30; Sl 1,3; Eclo 27,6). Em continuidade com essa tradição, Jesus dirige o olhar para os frutos da vida, pois estes revelam o mais íntimo do coração humano e permitem distinguir a falsa da verdadeira profecia. Porque, assim como os espinheiros não dão uvas nem as urtigas produzem figos, também o coração do homem perverso é incapaz de dar frutos que prestem (v. 16b). Os frutos permitem, pois, examinar a qualidade da árvore, porque, para Mateus, está muito claro: se a árvore for boa, dará, necessariamente, frutos bons; mas, se for ruim, seus frutos serão, irremediavelmente, amargos (v. 17). A possibilidade de que bondade da árvore não se condiga com a bondade dos frutos não é sequer contemplada pelo Primeiro Evangelista, uma vez que a qualidade do fruto é que define a bondade da planta e não o contrário (v. 18).


Ora, ninguém quer no quintal uma planta ruim. Por isso – conclui Jesus –, toda árvore que não presta é cortada a golpe de machado e lançada na fogueira (v. 19). Como no caso da porta larga e do caminho espaçoso (vv. 13-14), o Mestre não está falando do temido “inferno”, senão do destino lógico e previsível de quem, por aferrar-se ao rigorismo – moral, canônico, litúrgico ou do tipo que for –, acaba comprometendo a alegria do Evangelho. Não se trata, pois, de uma ameaça, senão de uma simples constatação. Jesus, por isso, insiste: “Pelos seus frutos os conhecereis” (v. 20).


Quando o fazer não confirma o dizer...


A aclamação “Senhor, Senhor” provém, com toda probabilidade, do contexto litúrgico e exprime a fé da comunidade eclesial, reunida em gozosa oração, para celebrar a vida do Ressuscitado (v. 21a). Jesus (Mateus) não questiona a expressão em si, uma vez que essa condensa o cerne da fé pós-pascal. Sua condenação se dirige à dissociação entre a fé professada no culto e a vida; tal dissociação esvazia o culto de significado. De nada adianta, de fato, proclamar exteriormente que Jesus é o Senhor, se a vida não sustenta, pelos frutos, o que a boca proclama. Engana-se, pois, quem profere “Senhor, Senhor” apenas da boca para fora, como se de uma fórmula mágica se tratasse, porque só quem pratica a verdadeira justiça entrará no Reino dos Céus (v. 21b – cf. estudo 5). De novo, não se trata apenas de entrar nos Céus quando a morte chegar, mas de entrar nos Céus já, no aqui e no agora da história, deixando Deus reinar em nossas vidas. A expressão “Reino dos céus” – como já foi dito – é um semitismo que Mateus utiliza para salvaguardar a transcendência do Criador (cf. estudo 8).


De nada servirá dizer: “em teu nome profetizamos, expulsamos demônios e realizamos milagres”.O decisivo não é invocar o nome do Senhor – também os falsos profetas o invocam –, mas é realizar a vontade do Pai, ou seja, buscar em primeiro lugar o Reino e a sua justiça (v. 22 – cf. Mt 6,33). A expressão “naquele dia” remete ao “dia do Juízo”, metáfora que exprime a esperança, alimentada pelos profetas, no dia em que Deus reinará plenamente e desterrará, para sempre, o mal da história (cf. Is 2,6-22; Jr 46,10; Ez 30; Jl 2,1-11; Am 8,9-14). Por sua vez, os carismas e ministérios mencionados – profecias, exorcismos e milagres – remetem à experiência das primeiras comunidades (cf. 1Cor 13).


“Naquele dia”, Jesus dirá, como às virgens insensatas da parábola: “Jamais vos conheci” (cf. Mt 25,1-13). E acrescentará: “Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (v. 23). Desse modo, o evangelista mostra o trágico final que aguarda àqueles que, apesar de dizerem “Senhor, Senhor”, praticam a “iniquidade” (em grego, anomia), isto é, vivem à margem da Lei do Pai. Não é de se estranhar, pois quem não sabe viver no amor gratuito, que é o centro da Lei paterna, mal aceitará viver em comunhão com Deus.


Dois ouvintes; dois construtores


Uma última e poderosa metáfora encerra o discurso.


Quem ouve as palavras do Mestre e as põe em prática é como um homem sensato, ou seja, de bom juízo, que constrói sua casa sobre rocha firme (v. 24). Mesmo se a tempestade chegar – e pode ter certeza que chegará –, a sua casa, quer dizer, a sua vida, resistirá aos embates do vento, porque foi construída sobre a Lei da gratuidade, que resiste a qualquer tormenta (v. 27 – cf. Sl 18,3). No dizer do salmista, esse homem, além de sensato, viverá feliz: “Ele será como uma árvore plantada à beira de um riacho,que dá fruto no devido tempo; suas folhas nunca murcham; e em tudo quanto faz sempre tem êxito” (Sl 1,3).


Ao contrário, quem ouve as palavras do Mestre, mas não as põe em prática é como o homem sem tino nem bom senso, que constrói sua casa sobre a areia (v. 26). Se a tempestade chegar – e é certo que também para ele chegará –, a vida desabará e grande será sua ruína, porque o legalismo, que é areia mole e movediça, não manterá a casa em pé (v. 27).


Note-se que a diferença entre uma e outra casa não reside na intensidade da tormenta, pois uma e outra construção são ameaçadas pelo mesma água e pelo mesmo vento. A vida, de fato, não poupa ninguém das adversidades. O verdadeiro discípulo, que opta pela gratuidade, e o homem insensato, que escolhe o legalismo, vivem expostos à mesma intempérie. A diferença entre os dois reside, única e exclusivamente, no fundamento de sua existência.


Conclusão


A expressão “Quando ele terminou estas palavras” é uma fórmula tipicamente mateana, que a aparece, com pequenas variantes, no final de cada sermão (cf. Mt 11,1; 13,53; 19,1; 26,1). Encerrado o discurso inaugural, Mateus insere, a modo de epílogo, uma concisa observação: as multidões, que foram mencionadas no começo do ensinamento (cf. Mt 5,1), ficam admiradas com as palavras do Mestre (v. 28b). Não é para menos, uma vez que ele ensina “como quem tem autoridade”. Ele é, de fato, o novo Moisés e, mais ainda, a nova Torah. Diferente dos letrados judeus, cuja autoridade provinha da tradição transmitida pelos sábios do passado, Jesus não precisa apelar a um apoio externo. Ele é o Filho e sua palavra basta (v. 29).


* * *


Ao descermos da montanha com o Mestre, ecoa apenas um único mandato: amar gratuitamente, sem esperar nem pedir nada em troca... Eis a Lei e os Profetas (cf. Mt 5,17;7,12. Eis a perfeita felicidade (cf. Mt 5,1,12). Isso e mais nada.







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