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15. O Livro de Ageu: A controvertida reconstrução do Templo

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05.01.2014 | 5 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Livros Bíblicos
15. O Livro de Ageu: A controvertida reconstrução do Templo

O Livro de Ageu, de tão minúsculo – dois capítulos apenas – passa despercebido para quem folheia a Bíblia sem um olhar criterioso. O tema do qual ele trata não é também um dos mais atrativos: a reconstrução do Templo. Há até que ache inútil a profecia de Ageu, pois vê a reconstrução do Templo, como centralização do culto em Jerusalém, imposta pelo rei Salomão em tempos de seu governo (970-931 aC.). Estamos, então, diante de um tema espinhoso, que não goza de consenso. Mesmo assim, vamos arriscar. Não vamos ignorar a mensagem do profeta, uma vez que o seu livro também faz parte do cânon. Alguma coisa boa o povo viu neste texto para conservá-lo. Alguma experiência de Deus ele transmite, pois nunca deixou de fazer parte da Bíblia. Nunca houve sombra de dúvidas acerca de sua canonicidade. E, ainda que alguns discordem da mensagem de Ageu entendendo seu esforço como uma tentativa inútil de reconstituir o poder religioso perdido no exílio da babilônia, sabemos que o Templo fora uma referência importante para o povo durante muito tempo.


Vamos situar o profeta. Ageu atuou certamente depois da volta do povo exilado na Babilônia, quando Ciro – rei da Pérsia – proclamara um edito, determinando o retorno para as terras de origem. A política dos persas era bem diferente da política dos babilônios. Estes deportavam as gentes dominadas para suas terras, visando ao desenvolvimento de suas cidades às custas do trabalho delas. Mesmo sabendo que os deportados não eram escravos e podiam até prosperar em terras estrangeiras – como foi o caso de muitos judeus – o exílio não era bem-vindo. Ciro, no entanto, governava de modo diverso: cada qual na sua terra, trabalhando muito, produzindo riquezas e pagando altos impostos para a Pérsia: esta era sua política. Assim, esta fora, pois, uma ocasião de muito empobrecimento. Quem voltou da Babilônia com alguma coisa no bolso viu seu dinheiro escoar como água, suas terras serem vendidas, seus bens serem vertiginosamente diminuídos, tudo para pagar dívidas exorbitantes impostas pela Pérsia. Ciro morrera, mas Dario que veio depois dele não fez muito diferente. Foram tempos difíceis para o povo.


Tendo voltado para sua terra de origem, tornou-se muito importante para o povo a unidade em torno de seus ideais. E a religião era o ponto unificador destes ideais. Aí entra o papel do Templo. Ageu não está discutindo se Salomão fez bem em construir o Templo, organizar o culto, centralizar a religião em Jerusalém. Não! Ageu já pegou a coisa assim e, para ele, no momento em que vive, o Templo tem papel fundamental. Ele é elemento agregador, que servia de estímulo para o povo se reorganizar como tal. Se cada um ficasse disperso em seu canto, só pensando em pagar as próprias dívidas, em reconstruir sua própria vida, não seria possível ser de novo “povo de Deus”; não adiantaria nada ter voltado do exílio. Pra que tanto esforço, se depois do retorno, cada um vive para si? Ageu lutará pela reconstrução do Templo, defendendo-o como sinal da unidade dos repatriados e da solidariedade que deve reinar entre eles.


Vejamos! Zorobabel, o governador da Judéia, e Josué, o sacerdote, empenhavam-se no trabalho da reconstrução do Templo. Mas nem todos pareciam partilhar o mesmo empenho (cf. 1,1-2). É neste contexto que Ageu entra em ação com sua profecia. Ele adverte o povo, especialmente os ricos, que de modo egoísta refizeram suas casas com fino acabamento, sem nem se importar com a coletividade. Ageu não concorda com tal comportamento. E reclama da pouca prodigalidade deles, que trabalham muito, plantam, colhem, ajuntam e nem ligam para seus empregados; não se preocupam em saber se eles têm o mesmo bem-estar (cf. 15-7). É hora de parar de olhar para o próprio umbigo e voltar-se para o coletivo. A construção do Templo simboliza esse descentramento de si para olhar a necessidade conjunta. Em vez de tirar madeira para refazer suas casas opulentamente das quais cada rico vai gozar individualmente, que tal retirar madeira para reconstruir o Templo do qual todos vão usufruir? (cf. 1,8).


E Ageu vai mais longe ainda. Para ele, o empobrecimento dos repatriados se deve ao egoísmo cultivado em seus corações. Eles trabalham em vão. Produzem, produzem, produzem... mas a Pérsia leva suas riquezas em forma de impostos. Se eles cuidassem do Templo do Senhor, se eles se unissem, quem sabe não seria diferente? Na seca, na peleja e na não-prosperidade, Ageu vê a mão de Deus punindo o povo pelo descaso com o bem comum: o Templo (cf. 1, 9-11). Afinal, na leitura do profeta, Deus é a favor da reconstrução do Templo (1,12-14).


A aprovação de Deus aparece ainda mais claramente no capítulo segundo. “Força, Zorobabel! Força, Josué! Força, povo todo do país! E mãos à obra, que eu estou convosco!” (2,4). Se o povo investir energias na reconstrução do Templo e no culto, Deus promete que o esplendor da sua Casa será ainda maior que antes da destruição provocada pela Babilônia (cf. 2,9) e que a prosperidade reinará em Jerusalém ainda mais do que antes (2,19). Certamente não num passe de mágica, mas porque o egoísmo nunca foi bom conselheiro enquanto a solidariedade sempre foi fonte de vida.


Difícil o Livro de Ageu? Acho que não! Controvertido, talvez! Mas não podemos negar que Ageu tem razão: cada um ficar isolado no seu canto construindo a sua própria vida não poderá trazer bons resultados. Certamente que não usaremos o Livro de Ageu para legitimar a construção deliberada de templos. Não é isso! Ageu não legitima a opulência religiosa, nem a centralidade do culto. Ao contrário, Ageu pleiteia a descentralização: dos interesses próprios para o bem-comum. Continua atual a palavra do profeta.