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130. Efêmero

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04.04.2017 | 4 minutos de leitura
Yuri Lamounier Mombrini Lira
Crônicas
130. Efêmero

“Seca-se a erva, murcha-se a flor” (Is 40,7)



“Congela o tempo pr'eu ficar devagarinho

Com as coisas que eu gosto

E que eu sei que são efêmeras

E que passam perecíveis

Que acabam, se despedem,

Mas eu nunca me esqueço”


(Tulipa Ruiz)



Há poucos dias recebi uma notícia que me deixou profundamente abalado. No meio da tarde, recebi um telefonema de minha mãe dizendo que uma de minhas amigas de infância havia falecido. Ouvir aquela notícia me provocou um arrepio; era como se tivesse acabado de ouvir o som seco e pavoroso da matraca da Sexta-feira da Paixão.


Isso me fez pensar na brevidade da vida. Já é lugar comum afirmar: “a vida passa muito rápido, por isso devemos aproveitar cada instante”. Quem não conhece a expressão latina, carpe diem, se tornou popular por causa de um poema do grande Horácio? “Carpe diem quam minimum credula póstero” que, de maneira bem livre, pode ser traduzido assim: “Aproveita bem o dia; confia o mínimo no amanhã”. 


Pensar nessas coisas provoca certa melancolia. Parece até que a vida fica sem encanto ou sentido. Se tudo é tão fugaz, o que podemos fazer? Haverá algo capaz, de alguma forma, driblar a brevidade da existência? O cantor popular Toquinho comparou a nossa vida com uma aquarela que pintamos ao longo da existência, mas que um dia descolorirá. “Seca-se a erva, murcha-se a flor” (Is 40,7), observou o profeta Isaías. Talvez exatamente por causa dessa efemeridade, desejamos congelar o tempo, sobretudo aqueles momentos especiais que vivemos ao lado das pessoas que são importantes para nós.


Marcelo Jeneci, na canção Dar-te-ei, diz à sua amada que não lhe daria flores, pois essas murcham e morrem; não lhe daria presentes, porque eles envelhecem; também não lhe daria bombons, pois eles derretem; tampouco daria festas, pois elas terminam; nem daria papéis, pois eles rasgam; também não daria discos, pois eles se repetem e ficam arranhados... Quando ouvi essa música, fiquei intrigado e, num momento de desesperança, comecei a pensar o que então poderia ser dado a alguém. O que ofertar a quem a gente ama? Como demonstrar nosso amor se tudo que ofertamos é perecível e efêmero? Fui então surpreendido pelo refrão da canção: “Dar-te-ei a mim mesmo agora e serei mais que alguém que vai correndo pro fim. Esse morre, envelhece, acaba e chora, ama e quer, desespera, esse vai, mas esse volta...”. Dar-se a si próprio, inteiramente: eis o melhor presente.


Essa canção nos ajuda a redescobrir algo precioso. O que realmente traz sentido para nossa vida não são presentes, mas é estar presente; é viver cada momento ao lado de quem a gente ama dando-nos a elas por inteiro. Mas dar-se a si próprio é algo bastante desafiador. Quase sempre é mais fácil oferendar coisas que a própria interioridade.


No relato da multiplicação dos pães, Jesus insiste em dizer algo parecido com isso para os seus discípulos. Diante da multidão faminta e da escassez de recursos para saciar a fome de tanta gente, o Mestre de Nazaré diz: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Lc 9,13). Essa expressão de Jesus é muito mais que uma ordem para que cada um abandone seu egoísmo e reparta sua merenda guardada na sacola. Não se trata de dar o pão aos famintos, mas de ser pão. Mais que dar o pão é dar a si mesmo como alimento. É cada um de nós se oferecer por inteiro como dom àqueles que convivem conosco. É estar junto, compartilhar a vida com suas alegrias e angústias. Na maioria das vezes não é preciso falar nada, nem oferecer nada: basta estar presente.