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12. O livro de Naum: Um dia é da caça; outro, do caçador...

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15.12.2013 | 5 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Livros Bíblicos
12. O livro de Naum: Um dia é da caça; outro, do caçador...

O livro de Naum é um daqueles intrigantes textos da Bíblia que, se lido sem prévia orientação, pode causar antipatia e aversão no leitor. Os oráculos de Naum contra a Assíria – cuja capital era Nínive – parecem pesados demais para nossos corações sensíveis, já tocados pela boa nova do evangelho que nos orienta a amar e a perdoar até mesmo os inimigos (cf. Mt 5,43-48). Deus se mostra colérico, raivoso e vingativo demais para ser Deus de fato. Sua justiça é tão rigorosa que o amor parece ter sido eliminado; a bondade, esquecida; o perdão, descartado. O profeta Naum deseja o mal a Nínive e profetiza sua ruína, sem dó nem piedade. Entendamos o contexto em que o livro foi escrito, a linguagem do autor e a teologia que sustentam sua profecia.


Sobre o contexto. O livro de Naum foi, com certeza, escrito depois da experiência da destruição de Samaria, capital do Reino do Norte, pela invasão dos Assírios, em 722 aC. O império assírio não só dominou o Reino do Norte (Israel), como subjugou o povo, dispersou-o por entre as nações, encheu a terra de Samaria de povos estrangeiros vindo das mais diversas regiões... Samaria nunca mais foi a mesma; nunca mais se reergueu; nunca mais foi independente. Foi um golpe duro, bem cruel, que a Assíria lhe aplicou, deixando-a em nocaute. Logo em seguida, alguns anos depois, na trajetória de seu domínio, a Assíria fez o mesmo com Tebas, importante cidade do Egito (cf. 3,8). Animada por vitórias consecutivas, a Assíria seguia invicta como se fosse inatingível. Mas Naum é homem vivido; lê os sinais dos tempos... sabe que esta alegria não durará para sempre. Um dia é da caça; outro, do caçador. Que a Assíria não se iluda, pois sua imponência não se sustentará para sempre. De fato, Naum estava certo. Em 612 aC, a Babilônia, que crescera no cenário internacional, conquistou Nínive cujo reinado conheceu seu fim. Quem até agora caçou a presa e a subjugou com o poder da força vai ser agora caçado por outro predador mais forte. É a lei da selva! Quando Naum escreveu estas profecias, estavam fervilhando na sua cabeça as cenas humilhantes que Israel e Tebas viveram nas mãos dos assírios.


Sobre a linguagem. Não é incomum nas Sagradas Escrituras o uso de um recurso literário, presente também na nossa linguagem, o antropomorfismo. Mas o que é antropomorfismo? É dar forma e sentimentos humanos a algo que não é humano, por exemplo, aos animais, como vemos nas fábulas. Este é um recurso comum especialmente no Antigo Testamento. Os escritores projetam em Deus seus sentimentos; eles escrevem sobre Deus a partir de suas experiências. Quem escreveu os livros bíblicos projeta em Deus sua indignação, sua raiva, sua cólera... O autor descreve Deus com sentimentos humanos. Mais ou menos assim: “Se eu fosse Deus, faria isso e aquilo em tal situação”. É assim que faz Naum. Indignado com tudo que viu sua gente passar, profetiza as ruínas da Assíria e – sem piedade – prevê sua queda, quase dizendo: “Bem feito! Bem feito! Quem mandou pisar os povos, humilhar as gentes, saquear as cidades, destruir nossas esperanças?”. Naum sabe que ninguém vence sempre. Uma hora a Assíria encontraria alguém mais forte que ela que usaria com sua gente os mesmos critérios de crueldade que ela usou com os povos subjugados. Entenda, pois, o leitor, que não é Deus quem vai punir, vai pisar, vai destruir. É o ciclo da vida: um dia é da caça; outro, do caçador. É assim que a vida funciona. Nesta roda da vida, o autor vê a mão de Deus punindo os infiéis.


Sobre a teologia. Perpassa a cabeça do autor uma antiga teologia: Deus é bom para os bons, mas pune as maldades dos ímpios. É a famosa teologia da retribuição, que pouco a pouco foi se retirando do cenário bíblico, até chegar em Jesus que nos ensinou que Deus é bom com todos, justos e injustos. Seu amor não depende de nosso merecimento, de nossa justiça. É amor gratuito; ele nos amou primeiro e, na relação amorosa com ele, não pode haver espaço para o medo, para o temor, para o castigo (cf. 1Jo 5,16-21). Naquele tempo, porém, não era plenamente conhecida essa face amorosa de Deus, que seu Filho nos revelou. Como falamos anteriormente, ao ver as vicissitudes da vida, pensava-se que o Senhor estava castigando os maus, para que – pelo temor do castigo – o bem proliferasse. Logo, se a Assíria se comportou mal, fez o mal, o mal será dado a ela na medida de sua maldade. Ela vai provar do próprio veneno. Então o autor, sabendo que ninguém fica impune nesta vida, usa e abusa de antropomorfismos para dizer que a Assíria vai encontrar um inimigo à sua altura pelo caminho. E nisso, ele vê a mão de Deus.


Apesar das dificuldades de leitura – por causa destes detalhes acima explicados – o livro de Naum é um belo escrito e vale a pena ser lido. São apenas 3 capítulos! O livro ajuda o leitor a penetrar nos mistérios da vida, a perceber as reviravoltas que a vida dá e chama a atenção para as consequências de nossos atos. Estamos sempre sujeitos às intempéries da vida. Mais dia menos dia, pode se voltar contra nós o mal que fizemos, ou o bem que deixamos de fazer. Ou como diz sabiamente o dito popular: “Quem semeia vento, colhe tempestade!”. Melhor pensar nisto!