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129. Carne fraca

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29.03.2017 | 4 minutos de leitura
Yuri Lamounier Mombrini Lira
Crônicas
129. Carne fraca

“Quando sou fraco,

então é que sou forte” (2Cor 12,10)


 

“Coisas do corpo: dentro dele cabe o universo”

(Rubem Alves)


 

Nos últimos dias, acompanhamos assustados os desdobramentos da operação “Carne fraca”, realizada pela Polícia Federal. Por meio de diversas denúncias, constatamos que parte da carne produzida no Brasil vinha sendo adulterada por grandes empresas. Carne vencida estava sendo maquiada com ácidos e outros produtos químicos para parecer carne fresca e até papelão estava sendo misturado nos produtos. Mais assombroso que o descaramento dos produtores da carne é a omissão de nossos políticos e o envolvimento dos mesmos no esquema. Dá nojo! A situação atual de nosso país é cada vez mais vergonhosa.


 Ao ouvir o nome da operação da Polícia Federal, impossível não pensar na famosa frase que justifica tantos deslizes cotidianos; desculpa esfarrapada muitas vezes repetida: “a carne é fraca!”, advinda do Evangelho de Mateus (Mt 26,41).


Ao contrário do que parece à primeira vista, a fraqueza da carne não é desculpa para infidelidades. Paulo, o apóstolo dos gentios, não justifica suas quedas quando fala da fraqueza da carne; antes dá novo sentido à sua fragilidade, mostrando como ela pode se transformar em virtude, força da parte de Deus: “Quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,10). Paulo descobriu algo precioso: a fraqueza pode ser fonte de muita força quando assumida em Deus. Mas, infelizmente, nossa cultura nos ensina a esconder nossas mazelas, incentivando-nos a permanecer na covardia, na mediocridade, e não a fazer dela motivo e ocasião de crescimento.


Se retomarmos a história, veremos que esse conceito de carne como algo mau não é exclusividade da teologia cristã popular. Antes mesmo do cristianismo, a carne já era vista como algo negativo, associada ao pecado e à culpa. Platão já havia feito uma confusão nesse sentido; defendia o princípio da dualidade humana: alma e corpo. O corpo era visto como a prisão da alma e esta, sempre boa, estava condenada a permanecer num corpo mortal que a encarcerava e oprimia.


A bíblia, no entanto, apresenta uma visão diferente. Se fizermos uma leitura atenta dos textos da Escritura, perceberemos que o ser humano é concebido como uma unidade; um ser inteiro, que não pode ser dividido. Para os judeus, o ser humano é uma totalidade: corpo e alma perfeitamente integrados; ambos bons e cheios de potencialidades, porque bom é o ser humano criado à imagem de Deus.


Tão bom é o ser humano, que o Verbo Divino se fez carne em Jesus de Nazaré: “A Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).  A fé cristã mostra que Jesus assumiu a fragilidade da carne humana, fazendo-se semelhante a nós, em tudo, exceto no pecado (cf. Fl 4,6-8), mas o pecado não é mesmo algo que humaniza; ao contrário, ele degrada e destrói a humanidade da gente!


Adélia Prado, no Poema Festa do Corpo de Deus, fala do amor que o corpo do Crucificado revela; mostra que o corpo de Jesus comunica amor mesmo quando está fragilizado, suspenso no madeiro da maldição:



Ó mistério, mistério,
suspenso no madeiro
o corpo humano de Deus [...]


E teu corpo na cruz suspenso
E teu corpo na cruz, sem panos:
Olha pra mim.


Eu te adoro, ó salvador meu
Que apaixonadamente me revelas
A inocência da carne.


Expondo-te como um fruto
nesta árvore de execração,
o que dizes é amor,
amor do corpo/amor



Se o corpo aniquilado do Crucificado é força de amor para a humanidade, por que o nosso corpo unido a Cristo pelo mistério de sua encarnação não seria uma força para o mundo? Como diz o povo, nossa carne pode até ser fraca, erramos muitas vezes, desviamos de nossos propósitos, não somos perfeitos, mas nossa fé em Cristo nos faz entender que nossa verdadeira força não está em nós mesmos, mas na graça de Deus. Com Cristo nossa carne foi glorificada e tudo nela agora revela sua força vivificadora. O corpo foi santificado e, dentro dele, cabe um mundo de coisas: o mistério da vida.